França: o dom de si do policial Arnaud Beltrame
Olivier Bonnel – Cidade do Vaticano
Em um telegrama de condolências pelas vítimas dos ataques terroristas ocorridos na última sexta-feira na região de Carcassonne e Trèbes, sul da França, o Papa Francisco elogiou em particular "o gesto generoso e heróico do tenente-coronel Arnaud Beltrame, que doou sua vida para proteger as pessoas ".
Também a Conferência dos Bispos da França uniu-se à homenagem nacional prestada ao Coronel Arnaud Beltrame esta quarta-feira, quando foi sepultado. “Este ato de heroísmo marca todos os nossos concidadãos. Dar a vida para salvar os outros é um exemplo proeminente e certamente terá uma fecundidade em nossa sociedade, tentada pela violência e pelo voltar-se a si mesma”.
O oficial morreu na manhã de sábado, como resultado dos ferimentos sofridos após ter se oferecido ao jihadista terrorista do Aude, na noite anterior, em troca de uma refém, em um supermercado em Trèbes.
Nascido em uma família pouco praticante, Arnaud Beltrame viveu uma autêntica conversão dez anos atrás, quando ele estava se preparando para o Sacramento do Matrimônio com sua namorada Marielle.
Os católicos, durante esta semana santa, rezarão por todas as vítimas dos ataques e, especialmente, de Trèbes e Carcassonne. Eles também levarão em suas orações aqueles que asseguram nossa segurança diária.
Sobre o significado do sacrifício hoje e o dom de si em relação ao gesto de Arnaud Beltrame, nosso colega da redação de língua francesa, Olivier Bonnel, conversou com Martin Steffens, jovem filósofo católico francês:
R. - Eu acho que o sacrifício impõe o respeito: nos encontramos diante de um evento do qual nós nos perguntamos se teríamos sido capazes, e isso impõe o respeito, porque o sacrifício traz em si algo de interessante, de paradoxal e é que, em última instância, nenhuma moral pode impô-lo, nenhuma moral pode dizer "sacrifica-te", porque tal sacrifício não seria livre. Sabemos que ao longo da história muitos sacrifícios foram feitos ... Ao mesmo tempo, no entanto, toda moral é baseada na capacidade do indivíduo de renunciar a si mesmo e de cumprir uma ação pela qual ele traz à existência algo maior do que ele próprio. Neste sentido, o sacrifício, no final das contas, é algo que não se pode prescrever moralmente, impor moralmente e ao mesmo tempo é um ato eminentemente moral que suscita a admiração e que – me vem o desejo de dizer - indica a própria fonte de toda a moral , que é um amor transbordante pela vida, um amor tal a ponto de estar pronto para dar a própria vida por outra pessoa.
Quanto ao sacrifício do gendarme Beltrame, isso acontece em um contexto muito particular: um ataque terrorista. O sentido desse sacrifício adquire ainda mais força na medida em que é exatamente o oposto do que o assassino fez?
R. - Exatamente: é bem isso. O sacrifício é o inverso simétrico de um homicídio. Por um lado, há uma pessoa que tira vidas e, por outro lado, há aqueles que doam a própria vida. E neste sentido, se poderia definir este sacrifício como "uma violência do bem", uma "violência do amor", que se opõe à malvada estupidez do mal. Poder-se-ia até considerá-lo como uma estratégia que nasce da Paixão: por meio do sacrifício, o amor, o bem, têm a palavra final sobre o mal: na Paixão, o mal é desencadeado sobre o Filho de Deus, que parece estar à mercê de seus golpes; no entanto, cada golpe é um testemunho do amor de Deus pela humanidade. A mesma coisa acontece de certa forma com Beltrame: poderia parecer que prevalece a malvada estupidez do mal, e mais do que isto – e esta é a estratégia do bem - assumir a soberania, inventar uma solução que não pertença ao mal. Por isso, certamente nos lembraremos do ato heróico e santo de Arnaud Beltrame.
O dom de si: é um conceito que hoje perdemos?
R. - É uma bela pergunta ... Eu não sei se o perdemos, talvez eu diria que o perdemos de vista; isto é, o mundo não consegue se manter em pé se não graças a todos os sacrifícios discretos, secretos e interiores que realizamos. Uma mãe que está esperando um bebê: é óbvio que durante a maior parte da gravidez terá que sacrificar a maioria das coisas que ela gosta. Para que existam crianças que venham ao mundo, é preciso que exista este louco dom de si; e portanto, se o mundo de hoje continua a acolher as crianças, é porque o sacrifício é como uma base contínua e discreta que sustenta o mundo. Há alguns sacrifícios eclatantes, mas se nos tocam tanto é porque em algum lugar - eu imagino - revelam um fundo comum, que é o fundamento sobre o qual nos apoiamos. Assim como nos apoiamos no chão e não o vemos, mas ele está ali. Então, eu acho que o dom de si esteja alí, mas permanece amplamente não reconhecido”.
Que lição - do ponto de vista de um filósofo - podemos tirar deste episódio em que se sobrepõem ao horror e honra?
R. - Estamos prestes a comemorar o 50º aniversário da morte de Martin Luther King e todos aqueles personagens no século XX - que parece ser o século com a maior aceleração tecnológica, mas também com a maior aceleração do horror, no mal que o homem pode fazer ao homem - que dizem: responderemos ao mal com determinação e não vamos tomar suas armas. Estamos indecisos entre duas respostas ruins: responder ao mal com o mal ou desistir. E nisto, reside a força de uma resposta, a radicalidade e quase, na realidade, a violência de um homem que se levanta e diz: “É um problema meu: o mal que fere o mundo é o meu problema"; então alguém se levanta, mas ele não se levanta para fazer uso das mesmas armas do mal. Acredito que seja realmente uma oportunidade para repensarmos em como o bem pode responder ao mal, sem se tornar o próprio mal. Todas essas pessoas que fizeram um sacrifício são, no final, uma fonte de inspiração para nos trazer de volta para o bem que inventa, nos locais de violência, algo que se assemelha a vida.
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