Vasco Soeiro, músico e padre
Rui Saraiva – Porto
No Seminário Maior do Porto, Vasco Soeiro é ainda professor de órgão e responsável pelo Coro. Em Ermesinde guiado pelo pároco, Cónego João Peixoto, fez o seu estágio pastoral.
Ordenou-se presbítero no domingo dia 8 de julho na Catedral do Porto, em Portugal. Presidiu à celebração D. Manuel Linda, bispo do Porto. Com ele foram ordenados outros presbíteros e um diácono.
Vasco Soeiro nasceu a 18 de maio de 1976. É da Madalena em Gaia. Estava bem e feliz a trabalhar em informática, numa empresa que o fazia percorrer o país. Tinha 27 anos. Financeiramente, sentia-se estável, mas o seu coração palpitava apenas por notas… musicais. Teve que fazer a vontade ao coração e decidiu procurar a melodia e a harmonia da música estudando numa licenciatura na Universidade de Aveiro.
A meio do curso, deu consigo a rezar no caminho entre o comboio e a faculdade. Deixou-se tocar pelo chamamento de Deus num comentário de um sacerdote. Depois da informática e da música encontrou abrigo para as suas inquietações na vocação sacerdotal. Dias antes da sua ordenação presbiteral concedeu uma entrevista ao jornal diocesano Voz Portucalense da qual divulgamos aqui alguns excertos:
P: Quando é que se dá a passagem do amor da música ao amor a Cristo?
R: A música ajudou-me a aproximar-me mais de Deus e dos meus irmãos. Comecei a dedicar-me totalmente. A música foi, cada vez mais, desde que deixei de trabalhar e vim para a Universidade de Aveiro, um meio de pastoral e de eu exprimir a minha fé aos outros. Sensivelmente, a meio do curso, numa das missas, eu entrei na sacristia e estava lá um padre amigo que tinha sido meu professor na Escola de Ministérios Litúrgicos e Diretor da Escola de Ministérios Litúrgicos. E por acaso… a vida tem coisas engraçadas… Foi ele quem me tocou e é com ele que estou a fazer o estágio pastoral. Ele é o Cónego João Peixoto. Ele estava na sacristia, eu vi que ele estava a folhear o jornal e virou-se para mim e disse: ‘Tu devias ser padre’. Fiquei assim completamente surpreso!
P: Antes do Cónego João Peixoto lhe ter feito essa observação, já alguma vez se tinha confrontado, consigo próprio, com essa possibilidade?
R: Havia algumas pessoas que me iam dizendo, porque eu estava muito presente na comunidade na Madalena e mesmo com a música quando comecei a estar mais presente na Igreja da Lapa, eu nunca me desliguei da minha comunidade. O padre António da Silva Martins que é o pároco da Madalena, sabia e tinha gosto que eu progredisse na música… Fui completamente apanhado por aquela palavra, porque eu esperava que ele me dissesse: olha, gostei de te ouvir tocar aquilo… ou, não gostei. Mas com aquilo fiquei surpreso…
Eu sei que nessa noite o meu coração esteve a bater às dez mil rotações…Estive duas ou três noites desassossegado a pensar naquilo. Eu estava a meio do curso, mais ou menos, em Aveiro. E fiquei tão desassossegado que já punha em questão não fazer o curso, desistir do curso. Partilhei isto com o meu pároco e também tive uma conversa com o Cónego Ferreira dos Santos. E ele foi muito bom comigo. Disse-me: ‘É bom estares a sentir isso, mas na minha opinião deverias concluir o curso. Não falta assim tanto tempo. E depois se continuas a sentir esse fogo vai ser bom porque vai ser um tempo de purificação e ao mesmo tempo tu não vais perder nada, porque vais ter um curso concluído que pode ser útil para o futuro.’
Entretanto, houve coisas que me ajudaram a aferir se era este o caminho: a oração tornou-se cada vez mais presente na minha vida. Eu fazia o percurso da estação de comboios… porque eu ia e vinha todos os dias porque não fiquei a viver em Aveiro, mas o percurso da estação até à faculdade são cerca de 25 minutos a pé. E eu quase sempre ia a pé. E então comecei a rezar o terço todos os dias, e até mais do que uma vez ao dia. Foi um tempo que me ajudou a entrar no dom do ministério de vir a ser um dia sacerdote. Também outras coisas como a liturgia das horas. E foi assim … até que acabei o curso e comecei a dar aulas.
P: Começou a dar aulas de música aonde?
R: Comecei a dar aulas de música na Academia de Paços de Brandão e também na Escola de Perosinho. Só dava aulas de órgão, era muito feliz, tinha uma vida mesmo muito boa, porque eu dava aulas em três tardes por semana e tinha muito tempo para estudar reportório para mim para tocar em concertos como organista.
P: Então e depois de um caminho a pensar, eventualmente, na medicina ou na enfermagem, depois da informática, de um ponto de vista de estudo e de profissão e de uma posição profissional boa, depois do caminho da música o ter absolutamente apaixonado e, sobretudo, na arte performativa do órgão, eis que surge Deus na sua vida de uma forma tão forte, surge a entrada no Seminário e a Teologia…
R: Houve um processo de discernimento em que eu tive direção espiritual com o Cónego Marcelino que me começou a acompanhar e a ajudar. Começamos a encontrar-nos pelo menos uma vez por mês, Portanto, ele foi decisivo. Porque até então eu ia-me interrogando praticamente sozinho.
P: O que é que o marcou mais na vida de Seminário? Nesta vida de internato, tal como disse, mas que, no fundo, é uma vida em comunidade?
R: Uma das coisas que mais me marcou, desde o início, foi essa proximidade uns com os outros. Quer queiramos quer não, se estávamos bem-dispostos com este ou com aquele, ou se estávamos mais mal dispostos, tínhamos que nos encarar todos face a face uns com os outros. E isso foi muito importante e foi uma das coisas que me marcou mais na minha vida de Seminário. Ter essa flexibilidade e procurar sempre a união entre todos. Ser amigo e respeitador de todos. Saber aceitar quando alguém está mais mal disposto, ou saber aceitar quando alguém está exageradamente bem-disposto. E isso foi um percurso que me marcou imenso. Não foi fácil no início porque eu era muito mais velho do que eles e tinha outra experiência profissional e relacional com as pessoas.
VP: Como tem sido a sua experiência de Diácono na comunidade paroquial de Ermesinde?
VS: Tem sido riquíssima. A comunidade de Ermesinde é uma das maiores da diocese e de Portugal. Todos os setores funcionam. Comecei a estagiar lá há três anos. Integrei-me na catequese e estava presente nas Eucaristias. Este ano comecei a viver a tempo inteiro na comunidade e logo como diácono. A responsabilidade que nós temos que assumir é muito grande. As pessoas olham-nos com uns olhos diferentes. Não é só um aluno que está ali a começar mas é um diácono. Para mim, logo das primeiras vezes que tive oportunidade, foi a celebração dos sacramentos. O batismo é um sacramento riquíssimo e belíssimo, com um ritual cheio de simbologia. Marcou-me muito. (…)
Tem sido um ano muito intenso, a paróquia é muito grande, trabalho imenso, trabalho muito mais do que aquilo que trabalhei até agora ao nível de horas por dia. Quando digo trabalho por dia inclui horas de oração, eucaristias, disponibilidade para ouvir as pessoas, inclui disponibilidade para estar no cartório a tratar de processos de casamento e batismo, atender telefones… É nesse sentido que eu digo que trabalho mais de 12 horas por dia! Mas são tudo coisas que me enriquecem e me tornaram mais cristão, mais humano e um homem mais de Fé.
VP: O que é ser padre hoje?
VS: Ser padre é ser um homem dedicado, fiel, convicto na Fé em Cristo e na Igreja, que é santa e é pecadora. Um homem, de alguma forma, também agraciado, sentir-se agraciado. Por exemplo, falava do curso de teologia, até porque é um curso eminentemente teórico, e eu que sou um homem prático, olho para trás e vejo que foi a graça de Deus que me ajudou a realizar os trabalhos e os exames. Por minhas forças eu não conseguiria fazer. É sentirmo-nos amados por Cristo nas dificuldades, nas alegrias e nas tristezas.
O padre Vasco Soeiro aguarda agora nomeação para o serviço pastoral que o bispo da diocese do Porto achar por bem decidir. Mesmo que tenha que deixar um pouco de lado a sua paixão pela música, porque o amor a Cristo e à Igreja é a sua profunda vocação.
Laudetur Iesus Christus
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