Christus vivit: “ser para os outros”, o segredo de uma vida bela

Um ano depois do Sínodo sobre os jovens, rapazes e moças do mundo refletem sobre a "Christus vivit", a Exortação do Papa Francisco. Emile Abou Chaar, 26, libanês e doutor farmacêutico, um dia perguntou: “Deus, o que quer de mim?”. Hoje cura o corpo e a alma de quem está doente. Porque, como escreve Francisco, "não se trata somente de fazer coisas, mas de fazê-las com significado”.

Christus vivit

(parágrafos 248-258)

 

248. A palavra «vocação» pode-se entender em sentido amplo como chamada de Deus. Inclui a chamada à vida, a chamada à amizade com Ele, a chamada à santidade, etc. Isto tem um grande valor, porque coloca toda a nossa vida diante de Deus que nos ama, permitindo-nos compreender que nada é fruto dum caos sem sentido, mas, pelo contrário, tudo pode ser inserido num caminho de resposta ao Senhor, que tem um projeto estupendo para nós.

249. Na Exortação Apostólica Gaudete et exsultate, quis deter-me sobre a vocação que todos temos de crescer para a glória de Deus, propondo-me «fazer ressoar mais uma vez a chamada à santidade, procurando encarná-la no contexto atual, com os seus riscos, desafios e oportunidades».[136]O Concílio Vaticano II ajudou-nos a renovar a consciência desta chamada dirigida a cada um: «Munidos de tantos e tão grandes meios de salvação, todos os fiéis, seja qual for a sua condição ou estado, são chamados pelo Senhor à perfeição do Pai, cada um por seu caminho».[137]

A chamada à amizade com Ele

250. O ponto fundamental é discernir e descobrir que aquilo que Jesus quer de cada jovem é, antes de tudo, a sua amizade. Este é o discernimento fundamental. No diálogo do Senhor ressuscitado com o seu amigo Simão Pedro, a pergunta importante era: «Simão, filho de João, tu amas-Me?» (Jo 21, 16). Por outras palavras: Amas-Me como amigo? A missão que Pedro recebe de cuidar das ovelhas e cordeiros de Jesus estará sempre ligada com este amor gratuito, este amor de amigo.

251. E, se fosse necessário um exemplo de sentido contrário, recordemos o encontro-desencontro do Senhor com o jovem rico, que nos mostra claramente como aquilo que aquele jovem não percebeu foi o olhar amoroso do Senhor (cf. Mc 10, 21). Depois de ter seguido uma boa inspiração, foi-se embora triste, porque não conseguiu separar-se das muitas coisas que possuía (cf. Mt 19, 22). Perdeu a ocasião daquela que poderia certamente ter sido uma grande amizade. E ficamos sem saber o que poderia ter sido para nós, o que poderia ter feito pela humanidade, aquele jovem único a quem Jesus olhou com amor e estendera a mão.

252. Com efeito, «a vida que Jesus nos dá é uma história de amor, uma história de vida que quer misturar-se com a nossa e criar raízes na terra de cada um. Essa vida não é uma salvação suspensa “na nuvem” – no disco virtual – à espera de ser descarregada, nem uma nova “aplicação” para descobrir ou um exercício mental fruto de técnicas de crescimento pessoal. Nem a vida que Deus nos oferece é um “tutorial” com o qual apreender as últimas novidades. A salvação, que Deus nos dá, é um convite para fazer parte duma história de amor, que está entrelaçada com as nossas histórias; que vive e quer nascer entre nós, para podermos dar fruto onde, como e com quem estivermos. Precisamente aí vem o Senhor plantar e plantar-Se a Si mesmo».[138]

Ser para os outros

253. Quero agora deter-me na vocação entendida no sentido específico de chamada para o serviço missionário dos outros. O Senhor chama-nos a participar na sua obra criadora, prestando a nossa contribuição para o bem comum com base nas capacidades que recebemos.

254. Esta vocação missionária tem a ver com o nosso serviço aos outros. Com efeito, a nossa vida na terra atinge a sua plenitude, quando se transforma em oferta. Lembro que «a missão no coração do povo não é uma parte da minha vida, ou um ornamento que posso pôr de lado; não é um apêndice ou um momento entre tantos outros da minha vida. É algo que não posso arrancar do meu ser, se não me quero destruir. Eu sou uma missão nesta terra, e para isso estou neste mundo».[139]Por conseguinte, devemos pensar que toda a pastoral é vocacional, toda a formação é vocacional e toda a espiritualidade é vocacional.

255. A tua vocação não consiste apenas nas atividades que tenhas de fazer, embora se manifeste nelas. É algo mais! É um percurso que levará muitos esforços e muitas ações a orientar-se numa direção de serviço. Por isso, no discernimento duma vocação, é importante ver se a pessoa reconhece em si mesma as capacidades necessárias para aquele serviço específico à sociedade.

256. Isto confere um valor muito grande a tais tarefas, pois deixam de ser uma soma de ações que a pessoa realiza para ganhar dinheiro, para estar ocupada ou para agradar aos outros. Tudo isto faz parte duma vocação, mas, porque fomos chamados, há algo mais do que uma mera escolha pragmática da nossa parte. Em última análise, é reconhecer o fim para que fui feito, o objetivo da minha passagem por esta terra, o plano do Senhor para a minha vida. Não me indicará todos os lugares, tempos e detalhes, que eu posso escolher prudentemente, mas certamente há uma orientação da minha vida que Ele me deve indicar, porque é o meu Criador, o meu oleiro, e eu preciso de escutar a sua voz para me deixar moldar e conduzir por Ele. Então serei o que devo ser, e serei também fiel à minha realidade pessoal.

257. Para realizar a própria vocação, é necessário desenvolver-se, fazer germinar e crescer tudo aquilo que uma pessoa é. Não se trata de inventar-se, criar-se a si mesmo do nada, mas descobrir-se a si mesmo à luz de Deus e fazer florescer o próprio ser: «Nos desígnios de Deus, cada homem é chamado a desenvolver-se, porque toda a vida é vocação».[140]A tua vocação orienta-te para tirares fora o melhor de ti mesmo para a glória de Deus e para o bem dos outros. Não se trata apenas de fazer coisas, mas fazê-las com um significado, uma orientação. A propósito, Santo Alberto Hurtado dizia aos jovens que se deve tomar muito a sério o rumo: «Num barco, o piloto negligente é despedido sem remissão, porque joga com algo demasiado sagrado. E nós, na vida, cuidamos do nosso rumo? Qual é o teu rumo? Haveria necessidade de nos determos ainda mais sobre esta questão; peço a cada um de vós que lhe dê a máxima importância, porque acertar nisto equivale simplesmente a ter êxito; e não o conseguir é simplesmente falhar».[141]

258. Normalmente, este «ser para os outros» na vida de cada jovem está relacionado com duas questões fundamentais: a formação duma nova família e o trabalho. As várias sondagens que foram feitas aos jovens confirmam repetidamente que estes são os dois temas principais que os preocupam e entusiasmam. Ambos devem ser objeto dum discernimento especial. Detenhamo-nos brevemente neles.

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29 outubro 2019, 12:00