Concílio Vaticano II: uma semente que continua crescendo
Sergio Centofanti
Este ano, em 8 de dezembro, será celebrado o 55º aniversário do encerramento do Concílio Vaticano II. Um evento que neste período está provocando um novo debate na comunidade eclesial, diante de quem cada vez mais se distancia dela e de quem quer reduzir seu alcance e significado.
Um novo Pentecostes
Bento XVI usou uma palavra forte: ele falou de um “novo Pentecostes”. Foi testemunha direta do Concílio, participando como especialista, seguindo o cardeal Frings, e depois como perito oficial: “Esperávamos que tudo se renovasse”, disse aos sacerdotes de Roma em 14 de fevereiro de 2013, “que viesse realmente um novo Pentecostes, uma nova era na Igreja (...). Sentia-se que a Igreja não estava indo adiante, estava reduzindo, que parecia uma realidade do passado e não a portadora do futuro. E naquele momento, esperávamos que esta relação se renovasse, mudasse; que a Igreja fosse novamente a força do amanhã e a força do hoje”. E citando João Paulo II na Audiência Geral de 10 de outubro de 2012, ele faz sua a definição do “Concílio como a grande graça da qual a Igreja se beneficiou no século XX: nele nos é oferecida uma bússola segura para nos guiar no caminho do século que se abre” (Novo millennio ineunte, 57): a “verdadeira força motriz” do Concílio - acrescenta - foi o Espírito Santo. Portanto, um novo Pentecostes: não para criar uma nova Igreja, mas para “uma nova era na Igreja”.
A fidelidade está em movimento
O que o Conselho mostrou com mais evidência é que o autêntico desenvolvimento da doutrina, que é transmitido de geração em geração, se realiza num povo que camina unido, guiado pelo Espírito Santo. É o coração do famoso discurso de Bento XVI à Cúria Romana, em 22 de dezembro de 2005. Bento fala de duas hermenêuticas: a da descontinuidade e ruptura e a da reforma e renovação na continuidade. A “hermenêutica justa” é aquela que vê a Igreja como “um sujeito que cresce com o tempo e se desenvolve, mas permanecendo sempre o mesmo, o único sujeito do Povo de Deus a caminho”. Bento fala de uma “síntese de fidelidade e dinâmica”. A fidelidade está em movimento, não é estagnação, é um caminho que avança pelo mesmo caminho, é uma semente que se desenvolve e se torna uma árvore que alarga seus ramos, floresce e produz frutos: como uma planta viva, por um lado cresce, por outro tem raízes que não podem ser cortadas.
Continuidade e descontinuidade na história da Igreja
Mas como justificar uma renovação na continuidade diante de certas mudanças fortes ocorridas na história da Igreja? Desde que Pedro batizou os primeiros pagãos sobre os quais o Espírito Santo desceu e disse: “De fato, estou compreendendo que Deus não faz diferença entre as pessoas. Pelo contrário, ele aceita quem o teme e pratica a justiça, seja qual for a nação a que pertença. (At 10, 34-35). Os circuncisos o repreendem, mas quando Pedro explica o que aconteceu, todos glorificam a Deus dizendo: “Também aos pagãos Deus concedeu a conversão que leva para a vida!” (At 11, 18). É o Espírito que indica o que fazer e nos faz mover, nos faz ir adiante. Em 2000 anos de história, houve muitas mudanças na Igreja: a doutrina sobre a salvação dos não batizados, o uso da violência em nome da verdade, a questão das mulheres e dos leigos, a relação entre fé e ciência, a interpretação da Bíblia, a relação com os não-católicos, judeus e seguidores de outras religiões, a liberdade religiosa, a distinção entre as esferas civil e religiosa, apenas para mencionar alguns temas. Bento XVI, no mesmo discurso à Cúria, reconhece isto: sobre certos temas "manifestou-se de fato uma descontinuidade”. Por exemplo, além dos raciocínios filosóficos, teológicos ou de contextualização histórica para demonstrar uma certa continuidade, primeiro se dizia não à liberdade de culto para os não católicos num país católico e depois foi dito sim. Portanto, uma indicação muito diferente na prática.
O escândalo de uma Igreja que aprende
Bento XVI usa palavras significativas: “Tivemos que aprender a entender mais concretamente do que antes”. “Era necessário um amplo repensar”, “aprender a reconhecer”. Como Pedro que, depois de Pentecostes, ainda tem que entender coisas novas, ainda tem que aprender, ainda tem que dizer: “Estou compreendendo que...”. Não temos a verdade no bolso, não “possuímos” a verdade como uma coisa, mas pertencemos à Verdade: e a Verdade cristã não é um conceito, é o Deus vivo que continua falando. E referindo-se à Declaração conciliar sobre a Liberdade Religiosa, Bento XVI afirma: “O Concílio Vaticano II, reconhecendo e fazendo seu com o Decreto sobre a liberdade religiosa um princípio essencial do Estado moderno, retomou novamente o patrimônio mais profundo da Igreja. Ela pode estar consciente de estar em plena sintonia com o ensinamento do próprio Jesus (cf. Mt 22, 21), assim como com a Igreja dos mártires, com os mártires de todos os tempos”. E acrescenta: “O Concílio Vaticano II (...) revisou ou até corrigiu algumas decisões históricas, mas nesta aparente descontinuidade manteve e aprofundou sua natureza íntima e sua verdadeira identidade. A Igreja é, tanto antes como depois do Concílio, a Igreja una, santa, católica e apostólica a caminho através dos tempos”.
Uma continuidade espiritual
Então se vê melhor que a continuidade não é simplesmente uma dimensão lógica, racional ou histórica, é muito mais do que isso: é uma continuidade espiritual na qual o mesmo e único Povo de Deus caminha unido, dócil às indicações do Espírito. A hermenêutica da ruptura é realizada por aqueles que neste caminho se separam da comunidade, rompem a unidade, porque ou param ou vão longe demais. Bento fala dos dois extremos: aqueles que cultivam “nostalgias anacrônicas” e aqueles que “correm para frente” (Missa de 11 de outubro de 2012). Eles não ouvem mais o Espírito que pede uma fidelidade dinâmica, mas seguem suas próprias ideias, se apegam apenas ao antigo ou apenas ao novo, e não sabem mais como unir as coisas antigas e as coisas novas, como faz o discípulo do Reino dos Céus.
A novidade do Papa Francisco
Depois dos grandes Papas que o precederam, chegou Francisco. Ele esta seguindo a esteira de seus predecessores: é a semente que se desenvolve e cresce. A Igreja prossegue. Muitas notícias distorcidas ou falsas são colocadas em circulação sobre Francisco, como aconteceu com o predecessor Bento e muitos outros sucessores de Pedro. Não mudaram os dogmas ou os mandamentos, nem os sacramentos, nem os princípios sobre a defesa da vida, da família, da educação. As virtudes teologais ou cardeais não mudaram e nem os pecados mortais. Para compreender melhor a novidade na continuidade de Francisco, indo além das distorções e falsidades óbvias, é preciso ler a Exortação Apostólica “Evangelii gaudium”, texto programático do Pontificado. Começa assim: “A Alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus. Quantos se deixam salvar por Ele são libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior, do isolamento. Com Jesus Cristo, renasce sem cessar a alegria”. A primeira coisa é a alegria do encontro com Jesus, nosso Salvador.
Um estilo de proximidade e acolhimento cordial que não condena
O Papa nos convida a “recuperar o frescor original do Evangelho” e a transmiti-lo a todos. Ele nos pede que nos concentremos no essencial, o amor a Deus e ao próximo, evitando uma maneira de anúncio “obcecada com a transmissão desarticulada de uma multidão de doutrinas que se tenta impor pela força da insistência (...). Neste núcleo fundamental o que resplandece é a beleza do amor salvífico de Deus manifestado em Jesus Cristo, morto e ressuscitado”. Em vez disso, acontece que se fala “mais da lei do que da graça, mais da Igreja do que de Jesus Cristo, mais do Papa do que da Palavra de Deus”. Ele exorta a fazer ressoar sempre o primeiro anúncio: “Jesus Cristo te ama. Ele deu sua vida para te salvar, e agora Ele está vivo ao teu lado todos os dias, para te iluminar, para te fortalecer, para te libertar”. Pede um estilo de “proximidade, abertura ao diálogo, paciência, acolhimento cordial que não condena”. Ele indica a arte do acompanhamento, “para que todos possam sempre aprender a tirar as sandálias diante da terra sagrada do outro”, que deve ser vista “com um olhar respeitoso e compassivo, mas ao mesmo tempo saudável, livre e que encoraje a amadurecer na vida cristã”.
Eucaristia: não um prêmio para os perfeitos, mas alimento para os fracos
Deseja uma Igreja com as portas abertas: “Nem mesmo as portas dos Sacramentos devem ser fechadas por qualquer razão.” Assim “a Eucaristia, embora constitua a plenitude da vida sacramental, não é um prêmio para os perfeitos, mas um remédio generoso e alimento para os fracos”. Estas convicções também têm consequências pastorais que somos chamados a considerar com prudência e audácia. Com frequência nos comportamos como controladores da graça e não como facilitadores. Mas a Igreja não é uma alfândega, é a casa paterna onde há lugar para cada um com sua vida cansativa”. Daí a sugestão de iniciar percursos de discernimento caso a caso para avaliar a possível admissão aos sacramentos para aqueles que vivem em situações irregulares, como mencionado na Exortação Amoris laetitia. É um passo que tem como objetivo aproximar e acompanhar, olhando para a salvação das pessoas e a para a misericórdia de Jesus. As normas podem se tornar pedras como aconteceu com a mulher pega em adultério. E também certas perguntas de hoje fazem lembrar aquelas que os escribas e fariseus fizeram a Jesus 2000 anos atrás: “Mestre, esta mulher foi pega em flagrante cometendo adultério. A Lei de Moisés manda que mulheres desse tipo devem ser apedrejadas. E tu, o que dizes?” Nós sabemos a resposta de Jesus.
João Paulo II: o Concílio continuará dando frutos
Francisco somente prossegue o caminho do Concílio. Uma continuidade espiritual, porque o Espírito continua falando. “A pequena semente que João XXIII lançou” - afirmou São João Paulo II em 27 de fevereiro de 2000 – “cresceu, dando vida a uma árvore que agora amplia seus majestosos e vigorosos ramos na vinha do Senhor. Ela já deu muitos frutos (...) e dará ainda muitos nos anos que virão. Uma nova estação se abre diante de nossos olhos (...) O Concílio Ecumênico Vaticano II foi uma verdadeira profecia para a vida da Igreja; continuará sendo por muitos anos do Terceiro Milênio que acaba de começar”.
João XXIII: a Igreja use o remédio da misericórdia
Hoje como ontem. Ao abrir o Concílio em 11 de outubro de 1962, São João XXIII afirmou: “Muitas vezes ... acontece ... que, não sem ofensa aos Nossos ouvidos, somos informados de vozes de alguns que, embora tenham zelo pela religião, avaliam ... os fatos sem objetividade suficiente e nem juízo prudente. Nas condições atuais da sociedade humana, eles não são capazes de ver nada além de ruínas e problemas; eles estão dizendo que nosso tempo, quando comparado com séculos passados, é pior; e eles vão ao ponto de se comportar como se não tivessem nada a aprender da história, que é a mestra da vida, e como se na época dos Concílios precedentes tudo procedesse alegremente no que diz respeito à doutrina cristã, à moral e à justa liberdade da Igreja. Parece-nos que devemos discordar resolutamente destes profetas de desventura, que anunciam sempre o pior, como se o fim do mundo estivesse chegando”. E falando sobre os erros de natureza doutrinal acrescentou: “Não há tempo em que a Igreja não se tenha oposto a esses erros; ela os condenou muitas vezes, e às vezes com a máxima severidade”. Quanto ao tempo presente, a Esposa de Cristo prefere usar o remédio da misericórdia em vez de pegar as armas do rigor. Pensa que devemos atender às necessidades de hoje, expondo mais claramente o valor de seu ensinamento do que condenar”.
Paulo VI: para a Igreja ninguém está excluído, ninguém está longe
No encerramento do Concílio, em 8 de dezembro de 1965, São Paulo VI na sua “saudação universal” afirmava: “Para a Igreja católica ninguém é estranho, ninguém está excluído, ninguém está longe... Esta nossa saudação universal dirigimos também a vocês, homens que não nos conhecem; homens, que não nos compreendem; homens, que não nos creem úteis, necessários e amigos; e também a vocês, homens, que, talvez pensando em fazer bem, se opõem a nós! Uma saudação sincera, uma saudação discreta, mas cheia de esperança; e hoje, acreditem, cheia de estima e amor... Esta é a nossa saudação: que ela acenda em nossos corações esta nova centelha da caridade divina; uma centelha que possa acender os princípios, doutrinas e propósitos que o Concílio preparou e que, tão inflamados de caridade, possam verdadeiramente atuar na Igreja e no mundo aquela renovação de pensamentos, de atividade, de costumes, de força moral e de alegria e esperança, que foi o objetivo do próprio do Concílio”.
Dizer palavras boas neste momento difícil
Neste tempo em que a Igreja católica é particularmente atravessada por contrastes e divisões, nos faz bem recordar as exortações de São Paulo às primeiras comunidades cristãs. Aos Gálatas recorda que “toda a Lei (...) encontra a sua plenitude num só mandamento: «Ame o seu próximo como a si mesmo». Mas, se vocês se mordem e se devoram uns aos outros, tomem cuidado! Vocês vão acabar destruindo-se mutuamente. Por isso é que lhes digo: vivam segundo o Espírito” (Gl 5, 14-16). E aos Efésios, acrescenta: “Que nenhuma palavra inconveniente saia da boca de vocês; ao contrário, se for necessário, digam boa palavra, que seja capaz de edificar e fazer o bem aos que ouvem. Não entristeçam o Espírito Santo, com que Deus marcou vocês para o dia da libertação. Afastem de vocês qualquer aspereza, desdém, raiva, gritaria, insulto, e todo tipo de maldade. Sejam bons e compreensivos uns com os outros, perdoando-se mutuamente, assim como Deus perdoou a vocês em Cristo” (Ef 4, 29-32). O que aconteceria se colocássemos em prática “sine glossa” esta Palavra?
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