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Mural em El Salvador retrata jesuítas assasinados em novembro de 1989 Mural em El Salvador retrata jesuítas assasinados em novembro de 1989 

Tem início na Espanha julgamento de militares acusados da morte de jesuítas em El Salvador

Nesta segunda-feira, 8 de junho de 2020, tem início em Madri o julgamento dos responsáveis pelos assassinatos dos jesuítas espanhóis em El Salvador. Esse processo começou há mais de dez anos e é movido pelos jesuítas e pela Associação Espanhola de Direitos Humanos (APDHE).

Manuel Cubias - Vatican News

O julgamento terá início às 15h em Madri (hora local) e será transmitido ao vivo, a fim de cumprir – em tempos de Covid-19 - o princípio da publicidade e da oralidade dos debates da justiça penal, informa a APDHE em um comunicado publicado em 7 de junho em seu site.

A abertura do julgamento, uma boa notícia

 

O diretor do Instituto de Direitos Humanos da UCA, padre José María Tojeira, ex-provincial dos jesuítas da América Central, declarou: “A notícia da abertura do julgamento do coronel Montano é uma boa notícia para a justiça e reforça o processo pendente em El Salvador contra cinco supostos autores intelectuais, como Montano, do assassinato dos jesuítas e de suas duas colaboradoras”.

Madrugada de 16 de novembro de 1989

 

Ao recordar os acontecimentos daquele 16 de novembro, padre Tojeira relara: Quando, às 6h30 da manhã de 16 de novembro de 1989, fomos ver os corpos de nossos companheiros e daquela que por vários anos foi estreita colaboradora, ao lado de sua filha, percebemos que se tratava de uma operação militar coordenada desde o Estado Maior do Exército salvadorenho. Ouvimos um intenso tiroteio de aproximadamente vinte minutos às duas da manhã do mesmo dia, juntamente com três ou quatro explosões muito fortes. Pensamos se tratar de um confronto na rua entre o Exército e guerrilheiros. Porém, ao ver os cartuchos de balas de diferentes calibres dentro da Universidade, juntamente com o invólucro de um "foguete antitanque Law", disparado contra a casa dos jesuítas, não tivemos dúvidas.

Ademais, precedentemente, em 11 de novembro, havíamos escutado em uma estação nacional de rádio dirigida por Mauricio Sandoval - que na época trabalhava na "Inteligência Militar" - que era solicitado por telefone aberto o assassinato dos jesuítas, assim como do bispo Rivera y Gregorio Rosa. Se o assassinato não parecia provável quando ouvimos a estação de rádio, os eventos daquela manhã não nos deixaram em dúvida quanto à autoria.

De fato, o local onde mataram os companheiros estava em uma área muito vigiada. Ficava a 250 metros da Colônia Arce, fortemente protegida, onde morava a maioria dos oficiais superiores do Exército. Os corpos de nossos companheiros e das duas mulheres se encontravam a 400 metros do prédio da "inteligência militar" e a 700 metros em linha reta do Estado-Maior do Exército (…). Nesse mesmo dia 16, às 12 horas, o arcebispo de San Salvador, Dom Arturo Rivera, seu auxiliar, o hoje cardeal Gregorio Rosa e padre José María Tojeira, visitaram o então presidente Cristiani, para lhe dizer que o Exército havia assassinado os jesuítas e suas duas colaboradoras.

Ignacio Ellacuria SJ
Ignacio Ellacuria SJ

Um mês e meio após o assassinato

 

O governo salvadorenho defendeu por quase um mês a tese de que os guerrilheiros eram os culpados pelo múltiplo assassinato. Um mês e meio depois do ocorrido, diante dos muitos sinais dentro e fora do país, foi aceitoa sua responsabilidade", mas o número de responsáveis ​​foi reduzido", diz padre Tojeira.

"Um assassinato em massa que havia sido planejado e ordenado pelo Estado Maior do Exército foi reduzido a um grupo de 9 pessoas, entre as quais figurava um coronel, dois tenentes, um segundo tenente e cinco soldados".

O caminho tortuoso para chegar à verdade

 

O julgamento realizado em El Salvador teve muitos momentos de tensão. Os promotores designados para o caso foram muito profissionais; no entanto, à medida que a investigação avançava, sofriam ameaças de demissão por parte do procurador-geral da época.

Nesse contexto, o padre Tojeira insiste que os promotores Henry Campos e Sidney Blanco, “no final foram forçados a renunciar e foram contratados como promotores particulares pela Companhia de Jesus. O julgamento que ocorreu entre 1989 e 1992 absolveu os autores materiais do crime, condenou os intermediários da ordem e encobriu os autores intelectuais, membros do Estado Maior e do Alto Comando.

A luta pela verdade continuou e, finalmente, a Comissão da Verdade, em 1993 deu o nome de cinco altos oficiais que, no momento dos acontecimentos, ocupavam os cargos de chefe do Estado Maior do Exército, vice-ministros da Defesa (dois, um encarregado do Exército e outro da Polícia, na época militarizada. Este último, o coronel Montano), o chefe da brigada militar que controlava a capital e o chefe da Força Aérea.

Cinco dias após a divulgação do Relatório da Verdade, a Assembleia Legislativa promulgou uma lei geral de anistia, que cobria absolutamente todos os crimes cometidos durante a guerra.

Reabertura do caso

 

Em 1999, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da OEA, pediu a El Salvador para reabrir o caso dos jesuítas, devido às sérias deficiências do julgamento iniciado em 1989. A resposta do presidente Flores foi afirmar taxativamente que o caso não seria reaberto.

Os jesuítas, no ano 2000, apresentaram uma denúncia ao Ministério Público, acusando os militares mencionados pela Comissão da Verdade como autores intelectuais, juntamente com duas outras pessoas: o ex-presidente Cristiani e o ex-ministro da Defesa, general Larios, envolvendo-os por omissão em seu dever de proteger.

No final, depois de uma longa espera, o Ministério Público reabriu o caso solicitando a suspensão do mesmo pela anistia e por prescrição do crime (10 anos em El Salvador, para crimes mais graves), apesar do fato de que crimes contra a humanidade e a guerra são imprescritíveis.

 

Após essas tentativas de fazer justiça, o próximo passo foi a abertura do julgamento na Espanha, a pedido de alguns familiares dos jesuítas. A Universidade Centro-Americana ofereceu apoio com informações.

Sobre isso, o diretor da IDHUCA enfatiza: “Uma primeira grande conquista daqueles que lidaram com o caso na Espanha foi a extradição do coronel Montano, preso nos Estados Unidos por mentir às autoridades de imigração. Dos Estados Unidos, ele foi extraditado para a Espanha para ser julgado pelo crime de terrorismo com homicídio, em referência somente aos jesuítas de origem espanhola. A abertura do julgamento na Espanha foi um passo importante para pressionar não apenas o caso dos jesuítas, mas a favor da revisão da lei de anistia, declarada inconstitucional em 2016”.

Em 2017, os jesuítas solicitaram perante a Terceira Corte de Paz de San Salvador que o caso de autoria intelectual fosse reaberto. Padre Tojeira afirmou: "Depois de muitos e repetidos apelos da defesa dos militares envolvidos, o juiz decidiu declarar nulas as suspensões do ano 2000, dando razão à nossa alegação de inconstitucionalidade". A consequência dessa decisão foi a solicitação do juiz ao Ministério Público para preparar um novo requerimento. A defesa dos acusados recorreu da decisão do juiz e, atualmente, o procedimento não mostrou progressos.

O padre Tojeira afirma que “a insistência em dar seguimento ao caso nesses 31 anos tem sua razão de ser. É impedir a repetição de acontecimentos como este. De fato, em El Salvador, durante a guerra civil foram cometidos atos muito mais graves do que o assassinato dos jesuítas, e que permanecem impunes até agora. Sabedores de que a impunidade não oferece nenhuma garantia de que os crimes contra a humanidade não serão repetidos, acreditamos que qualquer esforço para levar os supostos autores desses crimes à justiça contribui para garantir a não repetição.”

"Trinta anos após o assassinato dos jesuítas em El Salvador, a APDHE reitera seu compromisso de continuar acompanhando as vítimas nessas causas por justiça e defendendo o exercício da jurisdição universal em nossos tribunais", afirma o comunicado divulgado em 7 de junho.

Nota do povincial dos jesuítas

 

O provincial da Companhia de Jesus, Antonio Espãna SJ, divulgou a seguinte nota, em vista do início do julgamento:

El próximo lunes comienza en la Audiencia Nacional el juicio contra Inocencio Montano, excoronel y exviceministro de Defensa salvadoreño por su presunta participación en el asesinato de 6 jesuitas y dos trabajadoras en la Universidad Centroamerica (UCA) de El Salvador el 16 de noviembre de 1989. Cinco de estos compañeros eran españoles. Como provincial de la Compañía de Jesús en nuestro país quiero manifestar nuestro respaldo a la provincia centroamericana de los jesuitas en su búsqueda por la justicia durante los últimos treinta y un años respecto a este y otros casos de la guerra que afectó a El Salvador entre 1981 y 1992 y que provocó casi 80.000 víctimas. Tanto nuestros compañeros latinoamericanos como los jesuitas españoles hubiéramos deseado que el juicio hubiera podido celebrarse en El Salvador, por el significado simbólico y restaurativo que hubieran podido tener para el país y por poder representar con las víctimas de la UCA a las miles de víctimas salvadoreñas que quedaron en el anonimato. Nuestra prioridad era y es la reconciliación del país desde la verdad, la justicia y el perdón. Así lo han reiterado nuestros compañeros salvadoreños en un comunicado en 2016 en el que mostraban su disposición “a perdonar a quienes planearon y ejecutaron ese horrendo crimen. Sin embargo, sigue pendiente que se conozca toda la verdad y se deduzcan las responsabilidades respectivas, lo cual se hace a través del sistema de justicia, para que posteriormente se pueda ofrecer el perdón”. Por eso, desde la necesidad de la justicia universal, considero que cuando no existe la posibilidad de justicia en un determinado país, y dado que cinco de los jesuitas asesinados eran españoles, es positivo que juicios como el que comienza el lunes puedan tener lugar.

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08 junho 2020, 10:22