Em 2020, mais de 350 migrantes morreram no Mar Mediterrâneo Em 2020, mais de 350 migrantes morreram no Mar Mediterrâneo 

"Migrantes descartados e esquecidos porque não são consumidores"

São palavras do padre jesuíta Camillo Ripamonti, ao falar sobre o mais recente naufrágio ao largo da costa da Líbia, enquanto na Itália continuam as polêmicas políticas ditadas pela emergência da Covid-19 em relação à presença de migrantes

Francesca Sabatinelli – Vatican News

Outro naufrágio, outro triste balanço. No domingo (23) foram recuperados 22 corpos pelo Crescente Vermelho (a Cruz vermelha do Oriente) ao largo da costa da Líbia. É a Organização Internacional para as Migrações (OIM) a assumir, agora quase diariamente, o fardo de anunciar essas "mortes dolorosas", como indica o líder da missão da OIM na Líbia, Federico Soda, que também as define como "o resultado de uma política cada vez mais dura contra pessoas que fogem de conflitos e da pobreza extrema, e o fracasso de uma gestão humana dos fluxos migratórios".

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OIM: não há uma missão de resgate da União Europeia

Desde o início deste ano já morreram mais de 350 pessoas no Mediterrâneo Central, o pior naufrágio dos últimos oito meses foi na semana passada, com 45 mortes. Tudo isso, explica a OIM, "na ausência de uma missão de busca e resgate da UE e com crescentes restrições ao trabalho da ONG". Hoje, por exemplo, no porto de Trapani, 603 migrantes desembarcaram, depois de uma quarentena no navio “Azzurra”, todos com resultados negativo no teste Covid. Mas a polêmica iniciada pela presidência da região da Sicília contra as medidas tomadas por Roma não diminui, alimentada pela convicção de que foram precisamente as chegadas de migrantes que aumentaram dramaticamente o número de infectados pelo coronavírus nos últimos dias.

A cultura do descarte faz parte da nossa vida diária

No Angelus de domingo (23) o Papa Francisco voltou a advertir que "o Senhor nos pedirá contas dos migrantes mortos a caminho da esperança" e que "eles foram vítimas da cultura do descarte". Padre Camillo Ripamonti, presidente do Centro Astalli em Roma, o serviço jesuíta de ajuda aos requerentes de asilo e refugiados aponta que “graças a Deus o Papa nos lembra constantemente disto, mas esta cultura do descarte tornou-se parte de nossa vida diária, somos considerados como consumidores e os que não se enquadram na categoria de consumidor estão na categoria dos descartados, dos esquecidos. Infelizmente, deste ponto de vista, os migrantes, estão plenamente incluídos nesta cultura de descarte que os leva a não serem considerados pelos diversos governos de vários países. A cultura do descarte é a expressão da globalização e da indiferença para com as pessoas que não são consumidoras, mas que, ao invés, precisam de humanidade”.

A mobilidade será cada vez mais tema central

A importante questão da mobilidade humana, segundo o jesuíta, é um fenômeno global que deveria ser "abordado de forma unificada por todos os Estados, com políticas não de fechamento, mas de regulamentação e gestão de forma mais solidária". O que acontece, portanto, é que hoje, em vez de "olhar o problema em sua complexidade, são preferidas simplificações, que também têm implicações políticas muito imediatas". Portanto, organizar e estruturar programas de socorro, parece ser a menor das preocupações de uma União Europeia que em breve, infelizmente, se encontrará fazendo as contas com outras tragédias muito sérias, e isto porque, continua Ripamonti, "a UE é o espelho do que pensam os Estados individualmente, que cuidam de seus interesses nacionais, de suas estruturas políticas internas e que, portanto, são incapazes de olharem para o horizonte dos próximos anos, que será um olhar no qual a mobilidade humana será uma questão cada vez mais central". Daí a dramática consciência de que "as pessoas continuarão a morrer e a depender de traficantes inescrupulosos em suas viagens".

Instrumental a equação migrantes-Covid 19

Diante de afirmações cada vez mais insistentes que vêem os migrantes como uma espécie de "propagadores" de contágio da Covid, padre Ripamonti responde que restringir a culpa a estas pessoas é certamente "uma instrumentalização", uma vez que não se pode deixar de raciocinar sobre todas as pessoas que partiram e retornaram de suas férias. Portanto, "concentrar-se e acusar pessoas que fogem ou se põem a caminho para buscar melhores condições de vida para si e suas famílias", conclui Ripamonti, "não é contar com a consciência à qual o Papa nos chamou na gestão de um fenômeno que chama cada um de nós a prestar contas ao tomar uma posição, ao assumir responsabilidades".

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25 agosto 2020, 10:35