“Fratelli tutti”: com Francisco uma Encíclica à procura da fraternidade
Rui Saraiva - Porto
Francisco de Roma deixou-se inspirar por Francisco de Assis e colocou-se na esteira do futuro propondo um caminho de fraternidade. O Papa assinou em Assis neste sábado dia 3 de outubro a Encíclica “Fratelli Tutti”, “Todos Irmãos”. Um documento sobre “a fraternidade e a amizade social”.
O desafio da fraternidade
Desde o primeiro dia do seu pontificado, que o Papa Francisco se apresentou ao mundo com a palavra “irmãos”. Logo ali na noite da sua eleição, em Roma, a 13 de março de 2013: “Irmãos e irmãs, boa noite!” – disse.
E lançou um desafio: “Comecemos este caminho, bispo e povo, um caminho de fraternidade e de confiança entre nós.”
Depois da Encíclica “Lumen Fidei”, em 2013 e da “Laudato Si”, em 2015, Francisco dirige-nos um grande desafio. O desafio da fraternidade proposta por Jesus: amar o próximo como a mim mesmo.
O jornalista e vaticanista da Agência Ecclesia, Octávio Carmo, fez para o Vatican News um primeiro comentário sobre a Encíclica do Papa.
“Fratelli tutti?”
“De Lampedusa a Assis, passando por Paris e Abu Dhabi. ‘Fratelli Tutti’ deve ser a encíclica menos romana de que tenho memória, em quase 20 anos de profissão e outros mais de estudo, nesta área.
Tal como a Laudato Si', em 2015, procurou responder com o conceito de ecologia integral aos desafios das alterações climáticas, em pleno debate que levaria ao Acordo de Paris, a encíclica sobre a fraternidade e a amizade social quer propor valores fundamentais num mundo marcado pela pandemia. E oferecer uma resposta à questão inicial de todo o edifício ético ocidental, vinda do próprio Deus: Onde está o teu irmão?
Como vimos com a trágica crise dos últimos meses, acima da dignidade humana têm estado valores económicos, jogos políticos e interesses partidários. Mas a vida nunca é relativa.
A este respeito, recordo as perguntas que surgem no primeiro livro da Bíblia, o Génesis, que me parecem fundadoras da ética ocidental: “Onde está o teu irmão?” e “Que [lhe] fizeste?”.
O “interrogatório” de Deus a Caim, após a morte do seu irmão Abel, condensa o apelo fundamental que viria a ser sintetizado no ensinamento de Jesus Cristo: amar o próximo como a si mesmo.
Outro momento central do pontificado parece evidente na escolha do tema da nova encíclica: a fraternidade humana. Na histórica viagem a Abu Dhabi, a 4 de fevereiro de 2019, onde assinou com o imã de Al-Azhar uma declaração que condena a violência em nome da religião, o Papa deixou uma frase que define a sua visão do diálogo entre religiões e destas com a sociedade: “Hoje também nós, em nome de Deus, para salvaguardar a paz, precisamos de entrar juntos, como uma única família, numa arca que possa sulcar os mares tempestuosos do mundo: a arca da fraternidade”.
A pandemia devolveu-nos a perceção de limite. Não estávamos prontos para isso, no frenesim de 2020. Temos diante de nós o desafio de retirar consequências éticas e antropológicas da passagem por esta situação: o que somos, quando chega o fim?
A transformação dos mais vulneráveis em sujeitos dispensáveis é uma das marcas mais negativas (e temo que seja permanente) deste tempo. Caímos na globalização da indiferença, que o Papa denunciava na sua primeira viagem, carregada de simbolismo, em 2013, à ilha de Lampedusa.
Habituamo-nos ao sofrimento do outro. Uma crítica terrível, de Francisco, que nos convida agora a redescobrir a amizade social, um conceito que une sujeitos e instituições na construção de uma nova sociedade, marcada pela fraternidade. Fratelli Tutti, como pedia São Francisco de Assis, irmão de todos.”
Octávio Carmo, jornalista e vaticanista da Agência Ecclesia, com uma primeira leitura, sobre a Encíclica do Papa Francisco dedicada ao tema da fraternidade.
Porque somos “todos irmãos”.
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