Sacerdote de Mianmar: o Papa está conosco e com todos que sofrem injustiça
Antonella Palermo – Vatican News
Quando - na entrevista que concede ao Vatican News - a palavra "ditadura" tem que ser pronunciada, sua voz fica embargada. Seu coração e pensamentos estão constantemente ligados ao seu país natal, Mianmar, onde, segundo os dados mais recentes, 5% da população é cristã, cerca de 700.000 são católicos. Padre Maurice Moe Aung é um padre católico birmanês da Congregação dos Missionários da Fé. Deixou seu país há trinta anos para estudar filosofia e teologia em Roma, depois voltou para Mianmar e nos últimos anos retornou à Itália onde é vigário paroquial da Igreja Mãe da Divina Graça em Ponte Galeria, Roma. Nascido no Estado de Kayah, na fronteira com a Tailândia, ele conheceu o trabalho do PIME, que deu muito impulso à evangelização no país asiático.
Antes dos preparativos para a Missa a ser presidida pelo Papa Francisco para os fiéis católicos residentes em Roma no dia 16 de maio, a comunidade dos que emigraram de Mianmar se redescobriu mais unida, relata o padre. "Os birmaneses na Itália são principalmente estudantes. As comunidades religiosas são numerosas e depois há os leigos que trabalham", ele aponta. E esclarece: "O sudeste asiático tem sofrido muito. Camboja, Vietnã, Mianmar. Não podemos mais esperar. O mundo deve nos ajudar, com determinação".
Entrevista
Que lembranças o senhor tem de seu país?
R. - Todos amam seu país: suas origens, seus costumes, a paisagem. Minha família é católica. Entretanto, há situações, como acontece em outros países - em alguns países da América Latina, no Vietnã, na China - em que se tenta sobreviver o melhor que se pode. Felizmente, consegui sair e me tornar um sacerdote.
O senhor se sentia sufocado em sua realização como cidadão e em sua vocação para a vida consagrada?
R. - Não apenas eu. Penso em muitos outros jovens que já viveram isso...
Existe algum episódio, em particular, que ainda constitua uma ferida difícil de sarar mesmo de longe e à distância do tempo?
R. - Toda a vida, toda a vida... Desde que éramos crianças. Talvez alguém diga que não é acreditável, "deve ser uma invenção sua"... mas eu lhe asseguro que é tudo verdade. Um dia, por exemplo, lembro que os militares chegaram em nossa paróquia. Eles usaram nosso telefone sem nenhum respeito, como se fossem os proprietários da casa, para seus próprios fins. Teria muitos episódios a contar. A Igreja Católica sempre se empenhou sobretudo em obras sociais, mas muitas vezes, por exemplo, o trabalho de algumas paróquias foi perseguido, controlado, e as ajudas bloqueadas...
O que faz com que vocês sigam em frente, de qualquer modo?
R. - Antes de tudo a fé. Não há amor maior, como ouvimos na liturgia do domingo passado, do que dar a vida por seus amigos. A Igreja Católica está testemunhando a essência do Evangelho, o amor ao próximo, sem distinção de raça ou crença religiosa. Trabalhamos nos últimos anos desta forma, sem usar violência, e continuamos a fazer isso.
O que é liberdade para o senhor?
R. - Para mim, para nós, é um sonho. Continuamos a sonhar, continuamos a ter esperança. Liberdade é poder viver sua fé sem ter sempre que avaliar tantas outras coisas... Creio que seja para todos um desejo primário, o mais importante, na minha opinião.
O senhor lembra do estado de espírito que tinha quando deixou seu país pela primeira vez?
R. - Triste.
Agora não está aliviado?
R. - Não se consegue ficar aliviado. Para mim, sim, abriu-se uma luz. Mas penso nos meus companheiros, em tantos jovens que permaneceram naqueles anos... É uma triste lembrança.
Seus familiares?
R. - Minha família mora lá. Até alguns meses atrás as coisas estavam indo um pouco melhor, nos últimos dez anos pudemos viver um pouco mais livremente. Agora voltou esta situação difícil. É um pouco como reviver os anos do passado.
Mianmar seria um país rico se pensarmos em seus recursos naturais. Ao invés disso, existem grandes desigualdades. Como podem ser canceladas?
R. – Isso pode ser superado apenas com a democracia. Ultimamente, as coisas estavam melhorando, mas parece que as esperanças desapareceram.
O senhor tem confiança nas novas gerações? Acha que serão capazes de iniciar uma história virtuosa para o país?
R. - Sim, eu tenho fé nos jovens de hoje que estão muito mais atualizados e preparados do que os da minha geração. Eles sabem como se mover, no que se concentrar. Não tenho palavras para dizer o que eles estão fazendo, a julgar pelo que vejo.
Como a Igreja Católica coexiste com outras religiões e com os vários grupos étnicos que existem em Mianmar?
R. - Nunca tivemos grandes problemas com outras religiões. Nós colaboramos. Como cristão, sinto que posso dizer que não teremos muitos problemas a este respeito.
O senhor estava em Mianmar durante a visita do Papa Francisco ao país?
R. - Não, infelizmente. Eu estava aqui. Somos religiosos e, se não coincidir com o período de férias, não podemos nos deslocar. Eu não tinha possibilidade voltar ao país.
À distância, o que mais o impressionou na visita do Papa?
R. - Sua grande paternidade, sua ternura, sua humildade. O Papa conquistou os corações também dos budistas, dos muçulmanos graças à sua humildade.
O que a Igreja em Mianmar mais precisa?
R. - As coisas são escassas, vamos precisar de muita ajuda, especialmente para a educação. Nossas comunidades continuam a se dedicar à educação das crianças. Vamos precisar de ajuda material e moral. Acrescento que é importante que o mundo reconheça nossas dificuldades, de algum modo em Mianmar vivemos a mesma situação que outros países: por exemplo, Iraque, Síria, Líbia. Devo reconhecer que nos últimos meses tem-se falado muito. Também em nome do povo birmanês, acho que posso realmente agradecer-lhes. Também pelo apoio de vários governos.
Qual é o sinal da missa celebrada pelo Papa no Vaticano, marcada para o domingo 16 de maio para os fiéis birmaneses em Roma?
R. - É um grande sinal de esperança e de paz. Onde quer que ele tenha ido, sempre gerou paz, esperança, amor fraternal. Neste domingo não devemos pensar que somos os protagonistas, que é uma coisa estreita. O Santo Padre está conosco, com o povo birmanês, mas ele está com todos os povos que sofrem injustiça e guerra.
O senhor recorda alguma bela imagem que pertence à sua memória quando criança?
R. - Lembro-me de minha primeira confissão, com Dom Giovanni Battista, um missionário do PIME. Eu tremia muito, estava com muito medo. Ele tinha uma longa barba branca... Quando fui, porém, não encontrei um pequeno tribunal, como eu imaginava, com um juiz que te dá uma penitência. Eu encontrei o abraço de um pai, a ternura, a misericórdia de um pai. Isso ficou muito marcado em mim. Hoje, como sacerdote, quando me coloco à disposição para as confissões, tento fazer com que as pessoas sintam essa emoção, esse sentimento. Também hoje, como então, a confissão é fazer uma experiência de misericórdia do Pai.
No fundo é a necessidade de afeto inerente à alma de cada ser humano...
R. - Sim, com efeito. Lembro também que, quando estávamos lá, eram feitas procissões. Podíamos andar pelas ruas. Mesmo os budistas às vezes se ajoelham, não exatamente em adoração, mas como um sinal de respeito pela imagem de Nossa Senhora, respeito pelo Santíssimo Jesus. Eu era uma criança, era um acólito, não entendia muito, mas este profundo respeito permaneceu impresso em mim, apesar da situação política. Eu estudei em um mosteiro budista quando eu era criança, mas nunca sofri nenhuma discriminação. Lembro que minha família morava em uma localidade onde éramos os únicos católicos. E assim meu pai convidava pessoas de diferentes religiões para virem à nossa casa e rezávamos juntos. Era a segunda metade dos anos Oitenta. Posso dizer que vivi uma juventude bastante pacífica, nesse aspecto.
O senhor sente que viveu ou sobreviveu?
R. - Eu vivi. Os outros não tiveram a chance que eu tive, e lamento muito por isso, porque eles teriam mais potencial para si mesmos, para o país, muito mais do que eu.
Qual é o seu desejo para o seu país?
R. - De grande paz. De harmonia entre os vários grupos étnicos, isso... unidade nacional, o amor.
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