Padre Taras Pavlius com fiéis em Mykolaiv (Ucrânia) Padre Taras Pavlius com fiéis em Mykolaiv (Ucrânia) 

Apesar da guerra, sacerdote ucraniano permanece ao lado da população

De Mykolaiv o testemunho do sacerdote que conta a difícil situação da população: da falta de água à comida, do grão que não pode ser colhido nas fazendas abandonadas. "Tenho medo - diz ele - mas um padre é chamado a servir"

Svitlana Dukhovych - Cidade do Vaticano

“No momento, a situação em Mykolaiv é permanentemente muito tensa. Não há um único dia tranquilo: mísseis lançados pelo exército russo caem aqui todos os dias. Eles chegam à noite: às vezes às três ou quatro, às vezes às seis da manhã. E hoje não foi uma exceção: 7 foguetes voaram de novo em direção a Mykolaiv. Os campos da periferia da cidade estão em chamas, o trigo queima e é impossível colhê-lo”. Este é o forte testemunho do P. Taras Pavlius, pároco da única comunidade greco-católica de Mykolaiv, cidade portuária do sul da Ucrânia.

O maior problema é acesso a água potável

 

Falando sobre a situação humanitária na cidade, o P. Taras destaca que o maior problema é a água potável. “A que corre nas tubulações - explica - é retirada do rio Pivdennyi Bug e é misturada com água do mar. É salgada e suja, e é um milagre que ainda não tenhamos focos de infecções. Por um tempo, a água potável foi trazida da vizinha Odessa, mas no momento isso não está sendo mais feito. Claro, as pessoas podem comprá-la nas lojas, que estão abertas durante meio-dia, mas muitos não têm dinheiro sobrando porque perderam o emprego. Alguns poços artesianos foram construídos na cidade, mas são usados ​​principalmente para estruturas sociais, como hospitais ou empresas municipais. Portanto, agora, quando ainda está quente, a situação não é catastrófica, mas a necessidade de água potável é realmente grande”.

Padre Taras, que também é diretor da "Caritas Mykolaiv", tenta ajudar levando garrafas de água em seu carro, enviadas por benfeitores estrangeiros, aos bairros habitados e distribuindo-as entre as pessoas.

Sacerdote com sua equipe na distribuição das ajudas
Sacerdote com sua equipe na distribuição das ajudas

Há aqueles que partem e mas também aqueles que voltam

 

Antes de 24 de fevereiro, Mykolaiv tinha quase meio milhão de habitantes. Agora, na situação de perigo de bombardeios contínuos, as pessoas estão migrando. "Há aqueles que saem de Mykolaiv e aqueles que retornam - diz o padre -. No início da guerra, nos meses de março-abril, entre 150.000 e 250.000 habitantes permaneciam na cidade. Agora, porém, muitos estão voltando, eu vejo pelo número de carros, pessoas na rua e as crianças que são vistas cada vez mais nos parquinhos. São crianças pequenas e isso por um lado alegra o coração, mas por outro me assusta, porque estamos perto da frente de batalha e tudo pode acontecer a qualquer momento. Mas as pessoas têm um grande desejo de voltar para suas casas. Elas me dizem: 'Padre, não importa o quão difícil seja, o lar é o lar'".

As necessidades concretas da população

 

Padre Taras diz que as farmácias da cidade continuam abertas e os remédios estão lá, mas os preços subiram e o poder de compra das pessoas diminuiu. A "Caritas Mykolaiv" tenta ajudar especialmente aqueles que sofrem de doenças crônicas e sempre precisam de certos medicamentos. Os alimentos também estão ficando cada vez mais caros e por isso a Caritas distribui cestas básicas. O padre disse que recentemente a "Caritas Letônia" lhe enviou muitos sacos de cereais e graças a isso eles poderão completar e distribuir cerca de mil pacotes. “O que falta - acrescenta - são as conservas de carne e peixe. Há também necessidade de leite, porque os agricultores deixaram as suas fazendas e as vacas vagueiam pelos campos”.

O sacerdote greco-católico durante uma celebração
O sacerdote greco-católico durante uma celebração

Os campos que queimam

 

O sacerdote fala com tanta amargura dos campos de trigo ao redor de Mykolaiv que queimam, porque são incendiados pelos bombardeios, campos que alimentavam não apenas a população local, mas também todo o país e além. “Para não expor as pessoas ao perigo - diz ele - as autoridades proibiram a colheita em todas as áreas próximas à linha de combate. Mas alguns agricultores tentam colher pelo menos alguma coisa, colocando suas vidas em risco: eles fazem isso à noite, quando está escuro. Estão fazendo isso para não ficarem ricos, porque não lhes convém vender trigo: o preço de compra dentro do país caiu mais da metade. Fazem-no apenas para poder oferecer pão ao povo neste inverno e poder semear novamente no outono e na primavera”.

O pastor que fica com as pessoas, mesmo que sejam poucas

 

O padre Taras Pavlus, que vem da região de Ternopil (oeste da Ucrânia), é pároco em duas comunidades: uma em Mykolaiv e outra no povoado de Shevchenkove, (a cerca de 30 km da cidade), onde vivia antes da invasão russa e que ele teve que sair porque está muito perto do front. Ele agora vive em Mykolaiv e continua a celebrar a liturgia em sua paróquia todos os dias, embora quase todos os seus paroquianos tenham partido e apenas quatro famílias permaneçam. “E essas famílias sempre vêm à igreja - diz o pároco -. Vêm também os voluntários e os militares de diferentes regiões da Ucrânia. Eles sabem que, apesar da guerra, a oração não pode faltar porque eles precisam da ajuda de Deus. Na igreja também distribuímos ajuda humanitária para as pessoas carentes do bairro, alguns param para rezar, para conversar comigo, outros querem se confessar e isso é por isso que mantemos a igreja sempre aberta”.

Quando perguntado se não tem medo e se não pensou em deixar Mykolaiv, o padre Taras responde: “Claro que tenho medo, nestas circunstâncias é humano, mas o medo é superado. O fato de os paroquianos terem partido não significa que o pároco tenha que sair: vêm outras pessoas que precisam ser servidas. O sacerdote greco-católico não é somente para os fiéis greco-católicos, ele é sobretudo o sacerdote e deve servir a todos”.

Fiéis junto com o sacerdote
Fiéis junto com o sacerdote

Capelão que apoia nos momentos mais sombrios

 

"Como posso deixar meus jovens que estão na linha de frente?" - pergunta padre Taras, falando dos soldados ucranianos para os quais desempenha o papel de capelão -. Muitas vezes, depois dos bombardeios eles se sentem exaustos e levo meu apoio moral e espiritual, também lhes levo os doces enviados pelas paróquias do oeste do país”.

O sacerdote confessa que muitas vezes são os próprios soldados que o inspiram e o confirmam na escolha de ficar: “Eles são muito corajosos, dizem-me que muitas vezes sentem a proteção do céu. Eles estão cientes de que não estão lutando porque odeiam, mas porque querem defender sua terra e começar a reconstruir seu país”.

Os momentos mais difíceis para o capelão são os funerais dos soldados que tombaram nas batalhas. Tem havido muitos desde o início da guerra que já dura cinco meses e ele não consegue se acostumar com isso. Ele fala sobre isso com lágrimas nos olhos: “Já enterrei três soldados que eram meus paroquianos. E toda semana em Mykolaiv eu faço uma média de dois funerais militares. E cada vez para mim é uma grande dor, um grande sofrimento”.

Esta compaixão sacerdotal não passa despercebida: os soldados que vao até ele chorar a perda dos companheiros, percebem-no como apoio e acompanhamento na sua dor. "Procuro encontrar as palavras certas, paternais para eles - diz - digo-lhes que mesmo que o corpo do irmão esteja morto, a sua alma permanece conosco, protegendo-nos com a sua oração".

Não esquecer da guerra

 

O padre Taras Pavlus agradece ao mundo pelos vários tipos de apoio e, sobretudo, pela oração. Ele também pede para não esquecer que o que está acontecendo na Ucrânia não é uma intervenção militar, "mas é uma guerra séria, na qual o povo ucraniano é morto, civis, crianças, jovens, idosos morrem, onde foguetes atingem residências edifícios, e esses foguetes não trazem flores nem comida, mas trazem a morte”.

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30 julho 2022, 13:57