Refugiada ucraniana é recebida por conterrâneo na fronteira com o México. Refugiada ucraniana é recebida por conterrâneo na fronteira com o México. 

Angústias e esperanças da diáspora ucraniana nos Estados Unidos

O arcebispo Borys Gudziak, metropolita para os ucranianos católicos nos Estados Unidos, fala do vínculo de suas comunidades com a pátria. A Ucrânia precisará de verdade e justiça para um futuro pacífico.

Stefano Leszczynski - Cidade do Vaticano

A invasão da Ucrânia pela Rússia - diz oa rcebispo Borys Gudziak, metropolita para os católicos ucranianos nos Estados Unidos e convidado da Rádio Vaticano - foi um choque, mas não uma surpresa, também porque a guerra já estava em andamento há oito anos.

Filho de refugiados da Segunda Guerra Mundial, toda a infância de Dom Gudziak foi marcada pelos eventos migratórios do povo ucraniano. Hoje, no entanto, há uma diferença fundamental em relação ao passado e é a consciência global do que está acontecendo nesta parte da Europa. Ninguém poderá dizer que não sabe. Graças ao papel da imprensa e à difusão da mídia - explica Sua Beatitude - todos podemos ver o que está acontecendo em tempo real. A brutalidade e os eventos hediondos na Ucrânia são imediatos e tocam o coração.

A solidariedade com os ucranianos tem sido muito forte até agora. O senhor acha que esta atenção ao conflito possa diminuir com o passar do tempo?

“Estamos muito agradecidos a todos os europeus, mas também aos cidadãos de outros países, pela acolhida aos refugiados e por toda a ajuda humanitária. Não devemos esquecer que, além dos 7 milhões de refugiados que fugiram da guerra, ainda há outros tantos que ficaram em suas casas. Destas pessoas, que permaneceram no país, cerca de 5 milhões precisam de todo tipo de ajuda. Não é fácil manter-se emocionalmente envolvidos por muito tempo. Por isso, é possível que as pessoas se acostumem com a guerra. Estou muito reconhecido à imprensa internacional que dá ampla cobertura sobre tudo o que está acontecendo na Ucrânia. Infelizmente, pelo menos 20 jornalistas morreram enquanto transmitiam notícias sobre o conflito. Entretanto, a invasão russa atraiu a atenção mundial, porque é fácil entender, do ponto de vista moral, quem são os agressores e os agredidos”.

S.E.R. Borys Gudziak, arcebispo da Filadélfia dos Ucranianos
S.E.R. Borys Gudziak, arcebispo da Filadélfia dos Ucranianos

Corre-se o risco de que o ódio e o ressentimento se enraízem entre os povos em conflito. Será possível, um dia, recompor a serenidade da sociedade ucraniana?

“Todas as épocas tiveram seus desafios e respostas. Olhando a história da Europa do século XX, recordo as tantas guerras, violências e genocídios. Foi possível, graças à guia de líderes políticos cristãos, restabelecer a paz na Europa Ocidental, por exemplo, entre a França e a Alemanha. No nosso caso, seria muito importante voltar às raízes morais e aos princípios espirituais, que são um verdadeiro desafio sobrenatural. O ódio e o ressentimento são compreensíveis quando alguém perde algum membro da família, a casa e a tristeza de voltar à própria cidade destruída. Não podemos superar tudo isso sem a graça de Deus, mas precisamos também da justiça terrena, pois jamais haverá paz sem justiça. Os crimes devem ser chamados com seu nome, como aconteceu com o nazismo em Nuremberg. Logo, uma futura reconciliação deverá contar com um processo claro de análise e o mal deverá ser punido”.

Como a sua comunidade nos EUA está vivendo os acontecimentos na Ucrânia?

“Tanto na diáspora, como na pátria, há uma clara consciência da história. Em nossa comunidade há uma grande ansiedade em relação ao futuro; esta ameaça também estimula grandes atos de caridade e generosidade e uma constante oração. Todas as nossas paróquias rezam pela paz na Ucrânia. Os fiéis fazem tudo o que podem para contribuir com a ajuda humanitária; nossas paróquias tornaram-se verdadeiros centros de coleta de todo tipo de ajuda; muitos homens voltaram à Ucrânia para defender a sua pátria. As pessoas acompanham sempre as notícias provenientes da Ucrânia, para saber se um membro da família ou algum conhecido perdeu a vida ou se suas cidades foram bombardeadas. As nossas comunidades da diáspora não cessam de rezar pela Ucrânia”.

A diáspora teve alguma influência na decisão de os EUA se aliarem à Ucrânia?

“A presença ucraniana, enraizada nos EUA, tem pelo menos 150 anos. As comunidades da diáspora, embora mantenham suas próprias tradições, fazem parte do tecido social do país. Elas não têm muita influência, mas são valorizadas. Hoje, o apoio e a contribuição de tantos estadunidenses para a ajuda humanitária devem-se, sobretudo, à consideração moral do povo; mas os membros da comunidade ucraniana ajudam muito na difusão do que está acontecendo no seu país. Nos EUA, os cidadãos costumam se relacionar, diretamente, com os políticos que elegeram”.

A situação que se criou na Ucrânia serve de impulso para um novo espírito de fraternidade entre as Igrejas cristãs no país?

“A Igreja Greco-Católica é minoritária na Ucrânia: são cerca de 8% do total dos fiéis, mas tem uma grande influência sobre a sociedade, por vários motivos: primeiro, a Igreja nunca colaborou com o regime comunista e saiu das catacumbas com uma moral muito alta; segundo, a Igreja no país sempre teve guias espirituais muito estimados, como o cardeal Lubomyr Husar e o metropolita Sviatoslav Shevchuk; terceiro, nos últimos 30 anos, a Igreja Greco-Católica e a Latina tentaram propor toda a Doutrina Social da Igreja, intervindo, concretamente, em questões como salário, economia, pobreza e pacificação”.

Poderíamos dizer que a Ucrânia é um importante laboratório de diálogo com a Igreja Ortodoxa?

“Sim, é verdade. Uma coisa que não se conhece muito em âmbito internacional, é que, há mais de 25 anos, na Ucrânia, existe um Conselho de Igrejas e Organizações religiosas, com cerca de vinte membros, que se alternam na presidência a cada seis meses. O Conselho não intervém, publicamente, em questões dogmáticas, mas procura falar em uníssono sobre questões sociais. Este órgão fez muito, ao longo dos anos, pela coesão moral do país”.

Pode-se correr o risco de que a fuga em massa do país se transforme em uma nova diáspora?

“Uma parte, certamente, retornará ao país. Estima-se que cerca de dois milhões de pessoas já voltaram às suas cidades. No entanto, a questão demográfica, nos próximos anos, representará o maior desafio para a Ucrânia. Antes da invasão russa, a população ucraniana diminuiu de pelo menos 10 milhões. Agora, a fuga de mais 7 milhões de pessoas poderá causar uma diminuição de cerca de 32 milhões, ou seja, 20 milhões de cidadãos que se foram em 35 anos. Logo, devemos levar em consideração a maioria dos que fugiram são mulheres e crianças, isto é, o futuro do país. Ninguém pode prever o que vai acontecer”.

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30 agosto 2022, 08:38