O excesso de amor de Deus é a única segurança
Rosalind Arokiaswami
Esta é a minha primeira experiência num país estrangeiro, que sofreu nos últimos anos com a pandemia de Covid, o golpe militar de 1 de fevereiro de 2021, que em maio resultou na guerra civil ainda em curso. Este último acontecimento provocou manifestações, protestos e agitações em muitas partes do país, enquanto muitas pessoas fogem para a selva a fim de salvar a própria vida. Muitas congregações religiosas que vivem e trabalham em Myanmar expressaram abertamente os seus protestos contra a situação. Basta recordar a irmã Ann Rose Twang e o seu corajoso gesto de se ajoelhar perante um soldado que empunhava um fuzil.
Sobre a minha primeira experiência, tive sentimentos contrastantes. Por um lado, sendo uma pessoa proveniente de outro país, tinha uma dívida para com as autoridades, por me terem autorizado trabalhar aqui. Estava ciente de que o meu visto poderia ser retirado e, portanto, corria o risco de ser mandada de volta para o meu país de origem. Ao mesmo tempo, estava plenamente consciente de que devia ser muito prudente no meu modo de falar, devido ao perigo de ser denunciada às autoridades.
Depois de experimentar as dificuldades de integração nesta nova realidade e de aprender uma língua que não conhecia, eis outra provação: Deus desafiou-me a estar pronta a sofrer com o meu povo que Ele mesmo me tinha confiado.
Devo dizer humildemente que tive, e ainda tenho, momentos de dúvida e de ansiedade. Por vezes pergunto-me se tenho a paciência e sobretudo a fé para confiar em Deus que não nos desiludirá. Esta situação é um verdadeiro teste para a minha fé. O Beato Barré (o Instituto das Irmãs do Menino Jesus foi fundado na França, no século xvii, pelo padre Nicola Barré, religioso Mínimo, 1621-1686, n.d.r.) diz: «Mesmo quando tudo parece ir contra a esperança, continua a esperar n’Ele». A questão é se estou pronto a confiar nestas palavras do meu fundador.
Lenta mas inexoravelmente, de uma forma desconhecida para mim, apercebi-me como Deus me imerge em situações em que Ele quer que eu lhe demonstre a minha fidelidade. Perante situações que nunca tinha vivido antes e fazendo tudo sozinha, percebi que «o excesso de amor de Deus» era, e é, a nossa única segurança. Este foi o momento decisivo no meu caminho de FÉ para descobrir que «não se podia voltar atrás». A partir daquele momento, decidi estar pronta a dar a minha vida pelas pessoas, especialmente pelos pobres. Com esta consciência (iluminação, diria), de um modo inexplicável e providencial, senti dentro de mim uma certa paz e calma que nunca tinha experimentado antes.
Assim, olhando para a situação em Myanmar, não há garantias de que a minha vida esteja segura. Os militares, incapazes de impedir a desobediência civil e as marchas de protesto do povo, começaram a disparar contra as multidões que manifestam. Muitos jovens perderam a vida. Muitas jovens foram impiedosamente violentadas e assassinadas. Um grande número de pessoas ainda está em fuga e muitas das suas casas foram incendiadas.
Neste contexto, não há garantias de que a minha vida possa ser poupada. Poderei morrer na explosão de uma bomba ou com uma única bala. Pode parecer muito assustador, mas esta é a realidade que enfrentamos. Se é a vontade de Deus para mim, estou preparada: como Jesus deu a sua vida pelas suas ovelhas, também eu estou preparada para dar a minha vida pelas pessoas com quem vivo.
Devido à repressão militar, muitas pessoas perderam o trabalho e não conseguem sustentar as suas famílias. Comerciantes sem escrúpulos aproveitaram-se da situação e aumentaram o preço dos alimentos. A grande maioria da população está à beira da fome. Se esta situação continuar, o resultado será desastroso e os pobres serão os mais duramente atingidos. É doloroso e desolador ver muitas pessoas a morrer de fome por falta de alimentos.
A presença das Irmãs do Menino Jesus
Face a esta situação, a grande maioria da população considera a presença das Irmãs como uma bênção. Aprecia a nossa presença e apoio. Sabe que há alguém a quem se pode dirigir em qualquer momento, para desabafar preocupações, ansiedades, frustrações e angústias. Somos incapazes de a apoiar financeiramente, e ela sabe isso. No entanto, contar connosco e com a nossa presença já é uma bênção. Na cultura asiática, isto está muito presente entre os budistas, os católicos e até entre os hindus. Foi nisto que percebi a visão profética do Beato Barré quando pedia às suas Mestras para viverem com e entre os pobres e para se identificarem com a sua situação. «Estar com eles». Isto é tudo o que se espera de nós. Ao mesmo tempo, apercebi-me de que somos evangelizados pelas pessoas com quem vivemos. Muitas vezes, são os melhores mestres para nós e posso aprender muito com eles.
Isto tornou-se uma realidade quando, no final de junho de 2021, fui a Yangon para renovar o meu visto e o passaporte. Não tinha a certeza se o meu visto poderia ser renovado ou não. Antes de partir para Yangon, disse ao meu povo para me ter presente nas suas orações. A sua resposta espontânea comoveu o meu coração. Disse-me: «Não te preocupes, irmã, tudo correrá bem e terás o teu visto. Deus não te desiludirá. Quer que continues a estar connosco. Ele conhece os nossos corações». Apercebi-me de que me estavam a ensinar a fé. Embora pobres, simples e sem instrução, tinham uma fé mais forte do que a minha. Então compreendi que se Deus quiser que eu continue a servir o seu povo, Ele fará o que for necessário. Nada tenho com que me preocupar, a não ser invocá-lo constantemente para aumentar a minha Fé.
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