Na Bolívia, ao ritmo do povo
Por Pe. Tony Neves
A Bolívia deixou-me marcas profundas. Foram três intensas semanas a viver o dia a dia dos missionários e deste bom povo com quem partilham o quotidiano e a fé. Os Espiritanos estão a celebrar os 20 anos de Missão por terras de Santa Cruz de la Sierra. Participei no seu I Capítulo como Grupo Espiritano. É sempre um tempo forte de encontro, avaliação, reflexão, partilha, oração e programação do futuro da Missão. Gostei de ouvir testemunhos em primeira pessoa das alegrias e dificuldades que estes 20 anos provocaram, mas sobretudo de perceber que há muito futuro a construir. Os documentos finais abrem portas para novos compromissos e para o reforço do muito que se está a fazer nas três comunidades paroquiais que lhes estão confiadas. A diversidade dos missionários é impressionante, pois vêm de quatro países de três continentes: Portugal, Brasil, Gana e Tanzânia, estando à espera de mais três: Madagáscar, Angola e Nigéria!
Participei em muitas celebrações, todas elas marcantes. Nas periferias pobres e complicadas de Santa Cruz de la Sierra, sempre a crescer com a chegada de deslocados internos, os Espiritanos animam as paróquias de S. Juan Bautista e Virgen de Nazareth. Pude visitar algumas das muitas capelas espalhadas por uma extensa área geográfica, e o que mais me impressionou foi ver que há capelas novas em construção em bairros muito pobres, sinal de que há um investimento pastoral em curso e uma opção clara pelos mais frágeis. Gostei de concelebrar em San Juan Bautista com o P. Filbertus, um tanzaniano que fez estudos de Teologia em Angola.
Buenavista, a 100 kms de Santa Cruz, porta de entrada do enorme Parque natural do Amboró, acolheu-me na maioria dos dias. Ali pude participar em celebrações em diversas comunidades, sempre a acompanhar o P. Márcio, pároco. São muitas as Capelas, estando a mais distante situada a 42 kms de terra batida! O clima é muito agressivo, marcado por um calor insuportável e por chuvas torrenciais. Fomos a San Isidro de Huaytú, onde uma comunidade grande e ativa tem missa todos os domingos. Estivemos na Senhora da Candelária, onde a celebração foi viva, apesar dos cristãos serem pouco numerosos. Em San Xavier, fomos surpreendidos pela ausência de fiéis, justificada mais tarde pelos bloqueios na estrada. Em San Miguelito, reuniu-se uma pequena comunidade. Em Santo António de Palácios tive que explicar porque é que o padroeiro é de Pádua e de Lisboa. Momento mais complicado foi o da ida à Villa Diego, a 27 kms de Buenavista. Choveu e o caminho tornou-se um mar de lama. Antes, para lá chegar, era preciso passar a vau sete vezes o mesmo rio! Agora há algumas pontes, mas ainda é necessário passar o rio uma vez. Não atolamos, mas tivemos de ajudar a rebocar um carro atolado. A Missa tinha muitas crianças e adolescentes por causa da catequese. Marcou-me, particularmente, uma das Eucaristias: a que celebramos na comunidade de Virgen del Carmo. Foi de noite. Chegamos à aldeia depois de percorrer uma picada agreste. É uma povoação a nascer, com algumas pequenas casas semeadas no meio da floresta. A pobreza era evidente, pois o povo nem sequer conseguiu construir uma Capela. Por isso, a missa é celebrada, mensalmente, no pátio de uma das casas e os vizinhos trazem as cadeiras e sentam-se ali. O calor era infernal, os mosquitos mordiam, havia cães, patos e galinhas e passear-nos junto aos pés, as crianças choravam ou conversavam, mas a Eucaristia foi vivida com fé e alegria.
O meu teste de espanhol foi feito só no último fim de semana, pois me foram confiadas quatro Missas: celebrei na Capela da Senhora do Rosário, em Arboleda, a melhor das Capelas e uma das comunidades mais participativas; presidi à Missa vespertina na Igreja paroquial de Buenavista; fui domingo de manhã até San Rafael de Caranda, outra das grandes capelas com uma comunidade viva. A quarta Eucaristia não foi celebrada: seria em Santa Bárbara mas, ao chegar lá no sábado, disseram-me que o povo contava com a celebração no domingo. Regressamos lá debaixo de uma enorme tempestade, com uma chuva torrencial e uma trovoada de meter medo, mas o povo voltou a não aparecer. Eu bem disse que Santa Bárbara era a padroeira das trovoadas, mas a Capela continuou vazia e fomos embora…
A visita do P. Pedro Fernandes, provincial de Portugal, permitiu duas viagens históricas marcantes. Fomos até ao Santuário Mariano da Virgen de Cotoca, um grande centro de peregrinações, desde o séc. XVIII, situado a 20 kms de Santa Cruz. É hoje animado pelos Dominicanos. Pudemos percorrer 285 kms, no meio de uma natureza luxuriante, para chegar a Concepcion, a mais significativa das antigas Missões dos Jesuítas. Impressiona pela dimensão, pela beleza da construção em madeira, pelo facto de resistir mais de três séculos e por estar ainda a funcionar. É uma das Missões da Chiquitania, declaradas Património da Humanidade pela UNESCO em 1990. Pudemos ainda visitar a Missão de Xavier.
Regressei a Roma feliz. Por terras da Bolívia, a Igreja partilha o dia a dia de um povo pobre, mas com sede de aprofundar a Fé e de viver os valores gravados nas páginas dos Evangelhos.
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