Schevchuk: que os anjos leiam diante do trono de Deus o nome das pessoas inocentes mortas na Ucrânia
Vatican News
Em 25 de fevereiro de 2022, um dia após o início da guerra na Ucrânia, o arcebispo greco-católico de Kiev, Sviatoslav Schevchuk, passou a divulgar uma mensagem diária em vídeo com o objetivo de, além de manter atualizadas as pessoas de perto e de longe com relatos da agressão russa, expressar proximidade e levar fortalecimento e consolação por meio de reflexões sobre diversos temas de espiritualidade.
Passado um ano, como afirmou na mensagem divulgada em 24 de fevereiro, no primeiro aniversário da guerra, haverá uma nova modalidade na divulgação dessas mensagens, agora não mais diárias, mas mais espaçadas, abangendo um determinado período de tempo:
"Ouvimos dizer que esse formato de apelos diários em vídeo está se esgotando aos poucos. Portanto, ao entrarmos no novo ano de nossa luta, mudaremos a maneira como estamos juntos todos os dias. Passaremos às nossas reflexões em vídeo, que faremos resumindo um determinado período de tempo, resumindo os dias passados e os que vivemos. Portanto, estaremos juntos no futuro, rezaremos juntos, trabalharemos juntos e caminharemos em direção à nossa vitória."
Em 24 de fevereiro, entre as várias iniciativas na Ucrânia e em todo o mundo, foi realizada em Kiev uma oração pela paz justa, onde assim se pronunciou o primaz da Igreja Greco-Católica ucraniana:
"Hoje a Ucrânia, nosso povo e a comunidade mundial recordam um triste aniversário. Este dia, 24 de fevereiro, entrou em nossa história, especialmente aqui em Kiev, como o início da agressão russa em grande escala, como o ataque do ocupante russo contra nossa pacífica terra. Recordamo-lo porque, como diz nossa consciência cristã, não temos o direito de esquecer.
Recordemos que a guerra não começou há um ano. Recordemos o seu triste e trágico início em 2014. Recordemos Sloviansk e Kramatorsk - o início da Via Sacra da nossa nação. Recordemos a ocupação russa da Crimeia, o drama de nossos irmãos e irmãs naquele particular pedaço de terra ucraniana, a tragédia de todo o povo tártaro da Crimeia. Recordemos de Savur-Mohyla. Recordemo-nos de Ilovaisk. Recordemo-nos de Debaltseve. A este rosário, marcado pelo sangue dos filhos e filhas da Ucrânia, foi acrescentada em 24 de fevereiro do ano passado a história de nossa capital Kiev das cúpulas douradas, construída por nossos príncipes como uma nova Jerusalém: a cidade onde Deus habita com seu povo.
Provavelmente, cada um destes presentes viveu este dia à sua maneira. Mas todos, ninguém excluído, ficaram abalados com a terrível palavra "guerra". Nossa Catedral patriarcal imediata e milagrosamente se transformou na Arca de Noé do Novo Testamento às margens do rio Dnipro e, desde os primeiros minutos dessa tragédia, começou a se encher de gente. Suas criptas se transformaram em abrigos quando foguetes e bombas caíram sobre Kiev e helicópteros inimigos voavam sobre nossas cabeças. Hoje recordamos disso e queremos transcorrer este triste dia de aniversário em oração, jejum e misericórdia.
Um dos santos da Igreja, Pedro Crisólogo, afirmou que a oração, o jejum e a misericórdia são essencialmente uma única realidade espiritual. Disse que o jejum é a alma da oração e a misericórdia é a vida do verdadeiro jejum. Aquilo que, batendo no céu, pedimos na oração, podemos pedi-lo no jejum, enquanto por meio dos atos de misericórdia e amor recebemos de Deus aquilo pelo que rezamos.
Nesta oração devemos antes de tudo agradecer ao Senhor Deus que não nos abandonou nos momentos mais terríveis e dramáticos da nossa história, mas esteve e está conosco. Ainda mais, nesses momentos dramáticos Ele encarnou no corpo de nosso povo sofredor. Todas as vezes que vimos a morte, as feridas, o sangue, contemplamos as chagas de Cristo crucificado no corpo do nosso povo. Pudemos resistir graças ao fato de que Ele estava conosco e no meio de nós. Quando alguém hoje pergunta qual é o segredo da resiliência de nossa nação, podemos dizer com convicção: “Deus está no meio dela: ele não poderá vacilar. Deus a socorre desde o alvorecer" (Sl 45(46), 6). Quando o Senhor Deus estiver no meio da cidade, ela não vacilará. Estas são as palavras escritas na Catedral de Santa Sofia em Kiev, na ábside da Virgem Rezante. E esse alvorecer bíblico, quando Kiev não vacilou, é exatamente aquilo que recordamos hoje.
Recordamos aqueles que defenderam a Pátria e sacrificaram suas vidas, a começar pelos defensores de Hostomel e prosseguindo com os heróis de todos os outros campos de batalha em terra e no mar. Agradecemos a Deus pelo exército ucraniano, por nossos defensores que deram suas vidas por nós. Hoje vivemos, trabalhamos e rezamos porque agora - perto de Bakhmut e Avdiivka, perto de Kupyansk e Vuhledar - alguém está sacrificando sua vida.
Hoje recordamos na oração todos os inocentes assassinados na Ucrânia durante este trágico ano: crianças, mulheres, idosos, nossos jovens. Recordamos daqueles que foram torturados por criminosos russos em Bucha e Borodyanka e em todos os outros centros de tortura nos territórios pisoteados pela pesada bota do inimigo. Em particular, devemos nos lembrar dos habitantes de Borodyanka, que acabaram sob os escombros nos porões de arranha-céus e que os socorristas não conseguiram salvar.
Gostaria de nomear todos aqueles que deram a vida pela Pátria, os inocentes que foram mortos na Ucrânia no ano passado! Infelizmente isso é impossível, porque estamos falando de dezenas ou mesmo centenas de milhares de pessoas. No entanto, acreditamos que seus nomes estão escritos no céu. Peçamos que neste momento diante do trono de Deus os anjos leiam conosco o nome de cada um deles.
Além disso, neste dia jejuamos. Assim, mostramos solidariedade com aqueles que hoje não têm comida nem bebida, com aqueles que estão nos territórios ocupados, são mantidos prisioneiros pelos russos e clamam aos céus na expectativa da libertação. Enquanto o mundo está pensando em como negociar territórios ucranianos, dizemos: não, não podemos negociar as almas e vidas de nossos irmãos e irmãs no Donbass Ocupado, na região de Zaporizhzhia ocupada e na região ocupada da Margem Esquerda de Kherson, como não podemos deixar de orar pelo Crimeia ocupada.
Que esta oração e o jejum de hoje se tornem um apoio para todos os que estão lutando: nossos heróicos soldados, voluntários, socorristas, médicos, todos que lutam todos os dias pela vitória da Ucrânia.
Ao jejuar, queremos ser solidários com aqueles que perderam parentes, casas e bens. Milhões de ucranianos foram forçados a deixar suas casas. Milhões de pessoas encontraram-se fora das fronteiras da pátria. Através deste jejum nos unimos a todos eles.
Neste dia queremos fazer boas ações. Só quem dá pode receber, quem reparte o último que possui nada faltará, porque é o Senhor quem multiplica nossos recursos, forças e oportunidades. Ao mesmo tempo, agradecemos a todos aqueles que se solidarizaram com a Ucrânia durante este ano terrível, correram em nosso auxílio, tentaram alimentar os famintos, dar de beber aos sedentos, vestir os nus, acolher os viajantes em suas casas, bem como aqueles que incessantemente realizaram atos de misericórdia para com os corpos de nossos falecidos e caídos.
Graças à solidariedade universal, hoje podemos dizer: embora esta guerra tenha provocado, no terceiro milênio, uma crise humanitária de dimensões sem precedentes, graças aos nossos doadores nos territórios, defendidos ou libertados pelo exército ucraniano, ninguém morreu de fome, de sede ou frio. Graças à solidariedade mundial, estamos sobrevivendo a este terrível inverno na história da Ucrânia, mas não podemos dizer isso dos territórios ocupados onde muitas pessoas morreram de fome, sede e frio (seu número provavelmente será escrito pela história).
Neste dia de memória, rezamos, jejuamos e fazemos boas ações. Sentimos que o Senhor Deus nos dá a vitória pela qual batemos no céu com a oração e pedimos no jejum, e que podemos obter por meio de obras de misericórdia. Aproximamos a vitória com nosso trabalho e nossa oração diária.
Podemos dizer hoje que a Rússia já perdeu, mas ainda não vencemos. Portanto, peçamos ao Senhor Deus com as palavras do antigo troparion, com as quais glorificamos a Cruz do Senhor: “Deus, salve o Teu povo e abençoe a Tua herança, conceda ao Teu povo fiel a vitória sobre os seus adversários e proteja-os com a Tua cruz. Amém!"
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