Rezar o próprio Batismo
Elton Vitoriano Ribeiro - religioso Jesuíta
Que dia você foi batizado? Já ouviu essa pergunta alguma vez? Provavelmente, não. Essa é uma daquelas perguntas que ninguém faz porque poucas pessoas sabem a resposta. Mas, se o batismo é tão importante para nossa vida de fé, se ele nos configura profundamente, porque não fazer disso um tema de nossa oração? Talvez você nunca tenha pensado nisso. Mas, aqui vai minha sugestão: rezar o próprio batismo a partir da bênção da água batismal. Estranho? Antes de responder à essa interrogação, vamos meditar juntos sobre minha proposta.
A bênção da água batismal nos remete, primeiramente, à reflexão sobre os sacramentos. Os sacramentos estão sempre em função da vida cristã. Eles são a celebração da práxis cristã histórica, isto é, a celebração da fé viva e vivida dos cristãos no mundo. Os sacramentos são a celebração daquilo que Deus vai realizando na vida dos cristãos no concreto das situações históricas. Os sacramentos também são festas. Como toda festa, a festa cristã não acontece no isolamento narcisista do indivíduo autossuficiente, mas na alegria contagiante e consoladora de uma comunidade que se entende a partir do mistério de Deus revelado em Jesus Cristo. Comunidade dos que, pela força santificadora do Espírito Santo, creem no Ressuscitado e, no seguimento criativo, fazem dele o sentido radical de suas vidas. Esta comunidade celebrante é a Igreja de Cristo, Templo do Espírito, Povo de Deus.
Pelo que disse anteriormente, fica claro que os sacramentos celebram a vida. No celebrar a vida, celebram as irrupções de Deus, os momentos marcantes da presença de Deus na caminhada do seu povo. Assim, os sacramentos nascem da vida e voltam para a vida, num círculo virtuoso de fé, esperança e caridade que transforma radicalmente a vida daqueles que celebram suas vidas de cristãos. Ao celebrar a vida, os sacramentos apontam e denunciam os inimigos da vida: a morte, a exploração e todo tipo de deformação do humano. Ao denunciá-los, têm a coragem de dizer, a morte já não mata mais, o Cristo Ressuscitado venceu a morte, aleluia!
Os sacramentos são uma proposta, um convite de Deus. Essa proposta nos exige uma resposta e uma adesão. Assim, os sacramentos emergem em nossas vidas como um momento de encontro com Deus, em comunidade. Da parte de Deus esta proposta é permanente. Deus continua permanentemente, em Jesus Cristo, como oferecimento definitivo a nós. Cabe a cada um dar a sua resposta a esta proposta de Deus.
O sacramento do batismo é o sacramento que nos introduz no mistério e na vida de Deus. Este mistério nos diz que Deus é o Pai de Jesus Cristo, seu único Filho, que a nós se comunica no Espírito Santo. Desta forma, o sacramento do batismo é a fonte da vida cristã, por ele somos incorporados à Igreja corpo místico de Cristo. Assim, o sacramento do batismo é o sacramento que nos introduz na vida trinitária de Deus, que se nos oferece, generosamente, como dom e graça em Jesus Cristo. O sacramento do batismo é a manifestação plena do amor gratuito do Pai, é participação existencial no mistério pascal do Filho, e é comunicação gratuita de vida nova no Espírito Santo. Por isso, cada vez mais se faz necessário recuperar, de forma plena e consciente, o batismo, como elemento fundamente e fundamental de nossa vida de cristãos, vida nova de filhos e filhas do Pai, por Jesus Cristo no Espírito Santo.
Então, vamos olhar mais de perto para o batismo. Em todo ato sacramental temos uma bênção. O ato de dar uma bênção, de bendizer, é uma prática humana antiga. Bendizer algum objeto ou alguém é desejar o bem, o melhor, a felicidade, para a pessoa, propriamente, ou para a pessoa que utilizará aquele objeto. Por isso, os pais dão a bênção aos filhos, por isso, benzemos as coisas: carros, casas, instrumentos de trabalho etc. Para desejar sempre o melhor, o bem. Então, dentro da vida cristã, benzer alguma coisa é tornar esta coisa sinal visível do amor de Deus por nós.
Em todo batismo existe a bênção da água. A água é elemento fundamental da existência humana. Água é vida, diziam os antigos. A água é origem da vida, mas também, origem da morte. A água destrói, com sua força implacável, tudo o que se opõe ao seu curso, portanto ela é perigosa. Mas a água é origem da vida porque ela constrói a vida orgânica, a alimenta. A água é fonte e origem de toda vida. Portanto, mergulhar na água e emergir tem um significado profundo em nossa existência humana no mundo. No batismo, ao mergulharmos na água batismal morremos para o ser humano velho, pecador, afastado de Deus. É o velho Adão. Ao emergir nascemos de novo, somos seres humanos novos criados em Cristo Jesus. Como cantamos: Banhados em Cristo somos uma nova criatura, as coisas antigas já se passaram, fomos nascidos de novo. Portanto, mergulhar na água batismal e emergir dela, simboliza uma renovação radical e profunda em nossas vidas.
Meditando a bênção da água batismal, percebemos que a estrutura da linguagem da bênção é narrativa. Ela quer celebrar, festejar, narrando a História da Salvação. História da relação amorosa de Deus Pai, Filho e Espírito Santo, conosco, seus filhos e filhas, no Filho. Esta história não é uma história sem vida e paixões. É uma história de luta, de alegria e choro, de vida e morte, de encontros e esquecimentos, de fidelidades e infidelidades. História viva e vivida do povo de Deus.
A linguagem narrativa da bênção da água batismal é uma linguagem evocativa, autoimplicativa e performativa. É uma linguagem evocativa porque narra, descreve a irrupção reveladora de Deus na História da Salvação. Ela narra a evocação de um passado e de um futuro, vividos intensamente num presente. É uma linguagem autoimplicativa porque esta história é a nossa história. E, porque, depois de narrar a História da Salvação somos implicados nesta mesma história ao pedirmos: “Olhai agora, ó Pai, a vossa Igreja e fazei brotar para ela a água do batismo”. Finalmente, é performativa porque leva a modificar a nossa práxis cristã, nos conduz, nos convida à conversão ao realizar aquilo que proferimos.
Assim, na bênção batismal fazemos memória recordando que Deus, ao longo da História da Salvação, Se serviu da água para fazer-nos conhecer a graça consoladora de Sua presença entre nós. Rememorar está história não é outra coisa senão rememorar a nossa própria história de filhos e filhas de Deus em Cristo. Esta história, narrada na bênção da água batismal, começa com a narração sacerdotal da criação (Gn 1,1-2,4a), passa pela narração do dilúvio (Gn 6,5-8,22), pela passagem pelo Mar Vermelho (Ex 14,15-31), pela narração do batismo de Jesus por João (Mt 3,13-17; Mc 1,9-11; Lc 3,21-22), pela narração da morte de cruz de Jesus que, do seu coração aberto pela lança, fez correr sangue e água (Jo 19,33-34), e termina nos recordando que o batismo é para a missão de anunciar a boa nova a toda criatura (Mt 28,19; Mc 16,15ss): “Ide, fazei todos os povos meus discípulos batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”. Portanto, ao sermos batizados com a água em nome da Trindade, somos envolvidos pelo amor criador do Pai, pelo amor redentor do Filho e pelo amor santificador do Espírito. Somos configurados ao Cristo Jesus, temos a vida de Cristo como horizonte epigenético de nossas vidas.
Depois, a comunidade orante pede a Deus aquilo que necessita no presente momento, a saber, que Ele manifeste a sua fidelidade na aliança e envie seu Espírito para que pela água do batismo a graça de Cristo Jesus nos lave da antiga culpa e assim, purificados, renasçamos pela água e pelo Espírito Santo para uma vida nova. Ou seja, que todos os que, pelo batismo, forem sepultados na morte de Cristo, ressuscitem com ele para a vida, e vida em abundância da presença vivificante de Deus Pai, Filho e Espírito Santo.
A bênção da água batismal quer expressar, por sua narração da História da Salvação e por seu pedido da graça de Cristo, a adesão à fé de toda a comunidade orante e daqueles que serão batizados. Esta adesão se faz carne na vida de cada cristão que vive sua fé em comunidade, em Igreja peregrina neste mundo. Igreja que, nas vicissitudes da vida, é santa e pecadora. Mas que, a cada nova bênção da água batismal, a cada fiel batizado, renova seu desejo, verdadeiro, de ser presença viva do Cristo Ressuscitado no meio dos homens e mulheres do mundo.
Portanto, a bênção da água batismal nos remete, inexoravelmente, ao nosso batismo. Nos remete, também, à nossa adesão ao Cristo Jesus. Ela nos ajuda a rememorarmos toda a História da Salvação, nossa história enquanto herdeiros e membros da Igreja de Cristo. Ela nos recorda que em Cristo Jesus somos uma nova criatura, que a morte não é a última palavra em nossa existência, mas sim a vida, e vida em abundância; que o amor é a norma e que juntos, em comunidade, somos o povo muito amado, agraciado e redimido de Deus. Assim, tudo isto não pode ficar escondido e intimidado por nada neste mundo, mas deve ser anunciado à luz do dia, sobre os telhados. Então, meu irmão e minha irmã, se você encontra valor em rezar seu batismo, minha sugestão é: descubra a data de seu batismo, encontre a bênção da água batismal e reze esse dom que Deus lhe deu.
Elton Vitoriano Ribeiro, SJ é professor e pesquisador no departamento de Filosofia e reitor da FAJE
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