Santuário de Lourdes: quem chega como turista, sai peregrino
Jackson Erpen - Cidade do Vaticano
"A espiritualidade de Lourdes é profundamente contemporânea e é isso que me deixa assim atônito, surpreso e maravilhado aqui em Lourdes", confessa Pe. Paulo Dalla Dea, por anos missionário da misericórdia no Santuário de Ars, na França, e que agora exerce seu ministério no Santuário mariano incravado nos Pirineus franceses, um lugar de partilha, de encontro, de conversão.
Ali o sacerdote brasileiro se desdobra entre celebrações, confissões e outras atividades para bem atender, em particular os peregrinos de língua portuguesa, sempre em maior número, motivo pelo qual, a partir da Páscoa deste ano, haverá um incremento das celebrações em português, o que incluirá também a visita guiada "Passos de Bernadette" e a Procissão Luminosa.
O sacerdote fidei donum, da Diocese de São Carlos (SP), começou falando ao Vatican News sobre a espiritualidade no Santuário de Lourdes, que destaca ser profundamente batismal, leiga e feminina - protagonizada por duas mulheres, Maria e Bernadete - , baseada na oração, na conversão espiritual:
Uma coisa importante aqui é rezar pelos pecadores, rezar pelos doentes, rezar pelos outros. Nossa Senhora nas aparições a Bernadete, ela disse: “Reze pelos pecadores”, mas não só pelos pecadores para se converter, também pelos doentes. Então essa espiritualidade de você sair de si para rezar, se preocupar, trabalhar pelo outro, está muito no fundamento da espiritualidade de Lourdes. Outra coisa quando você fala de rezar pelos pecadores, você tá pensando em converter, mas converter nada mais é do que voltar ao primeiro amor, voltar ao primeiro toque de Deus na vida da pessoa. Então, voltar ao primeiro amor, os peregrinos que aqui passam, querem voltar ao primeiro amor, renovar sua vida cristã, a sua vida batismal.
E outra coisa que a gente pode falar da espiritualidade de Lourdes, é que as pessoas vem aqui pedir a cura, uma cura corporal, uma cura dos relacionamentos, uma cura da sua vida cristã - e aqui a gente fala de conversão. Então, quando a gente fala de cura, a gente tá falando não só da cura da doença, mas do perdão, do perdão dos relacionamentos, de uma conversão espiritual. Isso tudo tá dentro da espiritualidade de Lourdes.
E aqui a espiritualidade de Lourdes me deixa muito entusiasmado, porque para mim, mesmo que as aparições sejam do século XIX, ela é uma espiritualidade leiga. Bernadete nunca foi padre! Bernadete na época era uma adolescente, pobre, analfabeta, que não tinha feita ainda a Primeira Comunhão no momento da primeira aparição. Ou seja, é uma espiritualidade leiga, é uma espiritualidade feminina, porque aqui nós estamos falando de duas mulheres, de Maria, a grande mãe de Deus Maria Santíssima, e de Bernadete, uma pequena garota, uma adolescente pobre do interior da França, e é uma espiritualidade feminina. A gente vê aqui, são duas mulheres conversando, se relacionando, se conhecendo, e uma ajudando a outra a crescer.
E temos aqui uma espiritualidade profundamente batismal! Todos os símbolos de Lourdes se referem ao batismo. Por exemplo, nós estamos falando da fonte, da Gruta, o rochedo que as pessoas passam aqui tocando, a nossa rocha é o Cristo! Estamos falando das velas que as pessoas vêm, desde as primeiras aparições Bernardete vinha com uma vela e ainda hoje as pessoas vêm depositar uma vela. Diante da Gruta de Lourdes, tem um grande castiçal que parece uma árvore de Natal iluminada, vamos dizer assim. Então o símbolo da luz, o símbolo da luz é profundamente batismal; depois, na primeira aparição, Bernadete conta que escutou um barulho como de um vento, a primeira vez ela achou estranho, depois a segunda vez esse barulho se repetiu, aí ela viu Maria? Esse barulho de vento nos remete a Pentecostes. O vento do Espírito Santo que sopra sobre os Apóstolos. Então nós estamos falando aqui de uma espiritualidade profundamente batismal: água - rocha - luz – espírito – vento. Tudo isso faz parte da espiritualidade de Lourdes, uma espiritualidade que falou ao século XX, por que ela é precursora do Concílio Vaticano II, e uma espiritualidade que fala ao século XXI, valorizando mulheres, leigos, batizados. A espiritualidade de Lourdes é profundamente contemporânea e a isso que me deixa assim atônito, surpreso e maravilhado aqui em Lourdes.
Mas, o que os peregrinos buscam e o que encontram em Lourdes?
Eu acho que os peregrinos vêm a Lourdes, porque vem a um Santuário. E o Santuário é um lugar onde Deus colocou o seu dedo, Deus tocou a terra. Então, os peregrinos vêm para ser também tocados por Deus, para serem também curados. Aqui é um lugar de abertura ao Divino, vamos dizer, ao maravilhoso, a Deus que se faz presente, que se faz Emanuel, Deus conosco, Emanuel figura de Jesus, mas no Santuário ele se faz concreto em algumas situações, mas também tem muita gente que vem para cá como turista, vem aqui para tirar foto, porque o lugar é bonito, é iluminado, tem uma Gruta e tal. Mas eu tenho visto aqui que muita gente chega como turista e sai como peregrino, chega, por exemplo, para trazer um doente, um parente que está em estado terminal, que é católico e quer vir aqui a Lourdes e acompanhando esse parente, esse doente, a pessoa tem um momento, uma revelação, uma epifania, um toque de Deus na sua vida. E eu às vezes estou lá no confessionário e a pessoa chega e fala: padre Paulo, eu nem acreditava em Deus, faz 40 anos que eu não piso numa igreja, mas aqui em Lourdes eu senti alguma coisa, Deus me falou, Nossa senhora me tocou, eu venho aqui depositar minha vida, quero pedir perdão de meus pecados. E aí joga que nem um saco de batata na confissão, abre o saco de batata, vamos dizer assim, e pede perdão por 30 anos, 40 anos, 50 anos de vida. Os peregrinos vêm para serem tocados e muita gente é tocada, muita gente recebe esse toque de Deus, não só na gruta, mas as experiências que estão em volta e às vezes até nas experiências de troca, de partilha, vamos dizer assim. Aqui é um lugar de partilha da fé, é lugar de encontro, onde as pessoas se encontram, entre si e com Deus. É um lugar da fé ser vivida na alegria, é o lugar da fé ser vivida na simplicidade do serviço. Aqui nós temos milhares de voluntários que vêm durante o ano servir, servir os doentes, servir os peregrinos, dar informação, trabalhar na limpeza de tudo, de tudo, gente que vem e faz o que pode, gente que vive a simplicidade do serviço. E aqui é o lugar da experiência com Maria. Maria é aquela mulher que fala pouco, mas que vive muito do Evangelho. Então isso acho que os peregrinos encontram: partilha de fé, uma fé vivida na alegria, uma fé vivida na simplicidade do serviço e sobretudo uma experiência com Maria.
Perguntamos ao Pe. Paulo, do porquê exatamente desse incremento da língua portuguesa no Santuário...
Acho que primeiro vamos ser justos: a população portuguesa aqui é muito fiel, há mais de 40 anos os portugueses são muito fiéis aqui no Santuário. Mas a nossa grande dificuldade era achar padre, era achar gente para trabalhar aqui em português. Não conseguimos padres portugueses para trabalhar aqui. O Santuário e teve muita dificuldade. Antes eu estava em Ars, agora estou aqui em Lourdes trabalhando como missionário da misericórdia. O Papa Francisco pediu que nós missionários trabalhássemos nos Santuários. Então estou eu aqui. Resolvido esse problema, a gente viu esses tempos atrás que teve um aumento comparando 2019 com 2023, foi o período antes e pós pandemia, vamos dizer assim, para desprezar a pandemia que foi um período meio louco, meio especial, então comparando 2019 com 2023, nós tivemos um aumento de 400% de brasileiros que passam por aqui. Então acho que a gente pode somar as razões, o aumento da importância econômica do Brasil no mundo, o Brasil tem, de uns 10 anos para cá, tem aumentado a importância econômica no mundo, com alguma variação, a gente sabe de algum alto e baixo, e tal, mas a língua brasileira também tem sido importante, especialmente para o número de turistas, a situação econômica do Brasil melhora, a de Portugal também melhora, aí então as pessoas começam passear mais, comprar mais, rezar mais, visitar mais os santuários, e isso tem refletidos aqui em Lourdes e por isso também se justifica o fato de ter um padre brasileiro.
Missas em diversas línguas
O Santuário acolhe peregrinos e turistas de todas as partes do mundo. Neste sentido, padre Paulo Dalla Dea explica que durante aquela que é considerada a "baixa temporada", ou seja, agora durante o inverno, são celebradas nove Missas diárias em francês, mas dependendo da presença de diferentes grupos linguísticos, também há celebrações em outras línguas. Por outro lado, entre a Páscoa e 8 de dezembro, período com grande presença de peregrinos, são celebradas mais de 25 Missas nas 3 basílicas e 26 igrejas e capelas, naquelas que são as línguas "oficiais" do Santuário, ou seja, o francês, o inglês, alemão, espanhol, italiano. A estas somam-se as Missas celebradas por sacerdotes que acompanham os grupos vindos de várias partes do mundo.
Programação em português
Mas a novidade a partir da Páscoa deste ano, é a maior presença da língua portuguesa para melhor atender aos peregrinos. Assim, serão celebradas três Missas por semana em português - segundas, quartas e sextas-feiras, às 17 horas. Haverá atendimento de confissões diariamente, à exceção das quintas-feiras. Já às 9h30 de segunda à sexta, haverá a visita guiada em português de 'Passos de Bernadete", que percorre o Santuário, passando pelo local das aparições, a casa da Bernadete, entre outros.
Além disso, todo dia 13 do mês, será celebrada uma Missa em honra a Nossa Senhora de Fátima, também às 17 horas, para incentivar a participação, visto ter muitos portugueses trabalhando em Lourdes, quer na hotelaria como nos restaurantes.
O sacerdote brasileiro também está traduzindo para o português os Mistérios do Rosário para a Procissão Luminosa noturna, para quando houver um maior afluxo de peregrinos lusófonos.
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