Dom Luis Marín: “a sinodalidade deve nos levar a um compromisso radical”
Padre Modino – Regional Norte 1 da CNBB
O subsecretário do Sínodo dos Bispos, dom Luis Marín de San Martín, explica nesta entrevista os passos que estão sendo dados no processo sinodal.
O Papa Francisco decidiu que o atual Sínodo teria uma assembleia em duas sessões e estamos no tempo intermediário entre uma sessão e outra. Como está sendo vivido esse tempo, quais são os passos que estão sendo promovidos pela Secretaria do Sínodo?
É um tempo de envolvimento, comprometimento e participação na mesma linha de todo o processo sinodal. Entre a primeira sessão da Assembleia do Sínodo dos Bispos em outubro de 2023 e a segunda sessão a ser realizada em outubro de 2024, o Secretariado do Sínodo está coordenando a conexão entre as duas sessões. Podemos destacar três fontes: trabalho nas Conferências Episcopais, grupos de estudo e comissões de canonistas e teólogos, encontro de párocos.
Antes de tudo, temos como material de trabalho o Relatório de Síntese, que oferece muitas ideias para desenvolver ainda mais a eclesiologia sinodal e concretizá-la na vida, no estilo e na missão. Aguardamos o discernimento coordenado pelas Conferências Episcopais sobre como ser uma Igreja sinodal em missão, no qual elas já estão trabalhando em nível local e cujos resultados nos serão enviados até 15 de maio.
Em segundo lugar, o Papa quis criar grupos de estudo sobre 10 temas, que são extraídos do que será o trabalho da Assembleia do Sínodo dos Bispos. São temas importantes que exigem grande profundidade teológica e serenidade no seu desenvolvimento, impossíveis de serem alcançados no curto espaço de tempo da segunda sessão: as relações entre as Igrejas Católicas Orientais e a Igreja Latina; o grito dos pobres; o ambiente digital; a formação sacerdotal em uma perspectiva sinodal missionária; as formas ministeriais específicas; as relações entre os bispos e a vida consagrada; alguns aspectos da figura e do ministério do bispo; o papel dos representantes pontifícios; os critérios teológicos e as metodologias sinodais para um discernimento compartilhado; o caminho ecumênico.
Esses temas serão trabalhados em grupos formados em colaboração com vários dicastérios da Cúria Romana. Aqui já temos um modo concreto de desenvolver a sinodalidade na Cúria Romana, de acordo com o que está estabelecido na constituição Predicate Evangelium. O Sínodo dos Bispos certamente será informado sobre esse trabalho conjunto entre especialistas de vários dicastérios, mesmo que ele tenha um desenvolvimento extenso e demorado.
O Papa também criou cinco comissões de teólogos e canonistas para estudar em profundidade o tema que as Conferências Episcopais foram solicitadas a abordar: como ser uma Igreja sinodal em missão. O tema será abordado a partir de três perspectivas: Igreja local, agrupamentos de Igrejas, Igreja universal. Duas outras perspectivas serão acrescentadas: o método sinodal e o “lugar” da Igreja sinodal na missão.
Por fim, será realizado um importante encontro de párocos, enviados pelas Conferências Episcopais. Ele será realizado em Sacrofano de 29 de abril a 2 de maio. O objetivo é ouvir suas reflexões e experiências sobre como ser uma Igreja sinodal em missão, a partir de três aspectos específicos: a compreensão da sinodalidade na vida da diocese; a participação dos diferentes carismas na vida da paróquia e da diocese; a dinâmica do discernimento e os organismos de participação.
Com a contribuição dessas três fontes (as conferências episcopais, as cinco comissões de canonistas e teólogos e o encontro de párocos), redigiremos o segundo Instrumentum laboris. Além disso, estamos preparando o que será a segunda sessão da Assembleia Sinodal (programa, etc.), que começará com um retiro espiritual de dois dias.
O senhor fala de uma Igreja sinodal em missão, um desejo do Papa Francisco. Quais são os desafios a serem enfrentados hoje para tornar esse modo de ser Igreja uma realidade?
A Igreja sinodal nada mais é do que a Igreja de Jesus Cristo. Devemos voltar à beleza do Evangelho, com seu radicalismo e exigência, mostrando a alternativa que ele é aos critérios do mundo. Mas não a partir do retraimento, da autorreferencialidade e da busca por segurança. E muito menos da agressividade e do confronto. Não se trata de trincheiras, mas de família. É a Igreja de mãos estendidas e braços abertos, acolhedora, uma casa comum, inclusiva e misericordiosa, dinâmica e extrovertida, que comunica o entusiasmo do Evangelho no qual acredita e pelo qual vive. A Igreja coerente que dá testemunho e leva as Boas Novas a todos os cantos do mundo. Podemos dizer que o objetivo final do processo sinodal é a missão, a evangelização. Em suma, acredito que a sinodalidade é, fundamentalmente, uma experiência de Igreja, ou seja, uma experiência de comunhão com Cristo e, nele, de comunhão com nossos irmãos e irmãs. Somente dessa forma nos sentiremos impelidos a comunicar o Evangelho ao nosso mundo. E só então seremos confiáveis.
Para isso, o desafio não é outro senão experimentar o Ressuscitado (estamos no período da Páscoa), ou seja, o Cristo vivo, unido à sua Igreja. Cristo não é apenas uma referência acadêmica em um livro, nem é apenas um slogan, uma norma legal ou uma bandeira ideológica. Ele é uma pessoa viva. Essa experiência do Cristo vivo também nos leva à experiência da Igreja, da comunhão, da comunidade cristã unida no amor. Esse é o desafio do processo sinodal, que nos chama a ouvir a voz do Espírito e também a discernir os sinais dos tempos, não a partir de uma perspectiva monolítica e indiferenciada, mas a partir da riqueza que nos é dada pela Igreja, que se encarna na variedade de culturas e situações do mundo de hoje.
Como podemos ajudar as pessoas a entender que o objetivo deste Sínodo não é responder a questões específicas, mas avançar no modo de ser Igreja que o Papa propõe?
A primeira coisa é entender o que é sinodalidade. O termo já é bem conhecido, mas talvez ainda existam algumas confusões e mal-entendidos que precisam ser esclarecidos. Devemos ter claro que a sinodalidade é uma dimensão constitutiva da Igreja, assim como a comunhão e a missão. E é um processo que assume a forma de eventos e estruturas (por exemplo, o Sínodo dos Bispos, o Sínodo diocesano, conselhos pastorais e econômicos, etc.). Mas, acima de tudo, é uma experiência. Não é apenas uma questão de falar sobre sinodalidade, mas de vivê-la, de “permear” toda a Igreja e tudo o que é Igreja. Ela deve se tornar um estilo, um modo de ser e de fazer. Para tornar a reforma concreta, evitando a “teorização” e o “espiritualismo”, é necessário tomar decisões e desenvolver estruturas que a tornem viável. É preciso dar passos.
Peço a todos que não tenham medo: que não tenham medo de Cristo, que não tenham medo do Evangelho, que não desconfiem do Espírito. A sinodalidade deve nos levar a um compromisso radical, à vanguarda. Seguir Cristo é sempre um risco. Assim como a vida. Também deve nos levar a fortalecer a comunhão, que é a única forma coerente de viver a fé cristã, que nos leva à participação no Cristo ressuscitado. É um momento de abandonar nossas zonas de conforto, de deixar para trás nossas zonas de conforto, de deixar para trás o mundanismo, de sacudir nossas rotinas, nossas maneiras obsoletas e falsas, de nos abrirmos para uma vivência forte e alegre de nossa fé, que, é claro, nos compromete, mas que dá sentido à nossa existência.
Embora a sinodalidade seja um processo de longo prazo, é necessário dar passos concretos da abertura ao discernimento, ouvindo a voz do Espírito no Povo de Deus. Assim, a disponibilidade à vontade de Deus, a inserção na Igreja e a abertura ao Espírito. O que o Papa está nos pedindo é que despertemos, recuperemos a alegria do Evangelho e, a partir daí, assumamos nossa responsabilidade e saiamos para dar testemunho, para evangelizar como Igreja. Vale a pena. Nossa coerência, nossa responsabilidade como cristãos no mundo de hoje e também nosso testemunho vocacional tanto da fé cristã quanto de vocações específicas. Vamos avançar nesse processo que começamos e que nos leva de volta ao Cristo vivo, ao Cristo ressuscitado e à experiência eclesial no mundo. Isso é muito concreto.
A primeira sessão da Assembleia Sinodal mostrou a riqueza da diversidade, mas ao mesmo tempo diferentes maneiras de entender a Igreja. Nessa diversidade, que, como o Papa insiste, é uma riqueza, é difícil superar as divergências e avançar no caminho sinodal?
Na Igreja, assim como na família, há diferenças, maneiras diferentes não apenas de ver a realidade, mas também de seguir Cristo e encarnar e desenvolver o Evangelho. Mas o amor (caridade) deve sempre prevalecer, que é o vínculo de união e o que nos caracteriza como cristãos. Nada mais. Às vezes nos esquecemos da centralidade do amor: sem ele não há Igreja. Portanto, antes de tudo, a unidade, sem a qual a diversidade não pode ser compreendida e assumida. Mas a unidade não é uniformidade indiferenciada. O amor respeita as diferenças e as integra como riqueza. Há diferenças de personalidade (cada pessoa é única e irrepetível); há uma variedade de vocações, carismas e ministérios; temos diversidades culturais e de formação. Como já foi dito, a Igreja não é apenas latino-ocidental. Ela tem muitas faces. O desafio é integrar, a partir da unidade, as variedades para que elas enriqueçam toda a Igreja. A experiência da Assembleia do Sínodo dos Bispos foi nesse sentido, embora ainda precisemos fazer mais progressos.
Na Assembleia do Sínodo dos Bispos, surgiram diferentes maneiras de ver a realidade, mas sempre a partir de um imenso amor pela Igreja. Acredito que não se trata de um confronto entre grupos ideológicos, mas de ouvir o Espírito, para discernir juntos a vontade de Deus, sempre buscando o bem da Igreja. É isso que humildemente tento fazer, assim como muitos irmãos e irmãs. É a experiência que tive no trabalho da Assembleia do Sínodo dos Bispos: fundamentalmente a de um profundo e enorme amor pela Igreja. Isso é algo pelo qual sou muito grato, pois me ajudou muito.
Que resultados são esperados da segunda sessão?
Devemos nos lembrar de que o Sínodo dos Bispos não tem o poder de decidir, não é deliberativo, mas consultivo; ele só pode fazer propostas ao Santo Padre. Portanto, não é um pequeno parlamento, que legisla e toma decisões para toda a Igreja, usando o voto para impor alguns critérios a outros, como se faz no debate político. Não é disso que se trata. Já disse que, sem oração e sem o Espírito Santo, não há Sínodo, porque não haverá discernimento da vontade de Deus, mas apenas confronto ideológico. Isso também não significa que estamos buscando um jogo político ou os compromissos de um grupo lânguido e moribundo.
Pelo contrário, trata-se de recuperar a dimensão profética: colocar-nos verdadeiramente nas mãos do Senhor, ouvir o Espírito (que fala na comunhão eclesial) e deixar-nos guiar por ele. O profeta fala a verdade de forma clara e direta porque está em contato com Deus; ele anuncia e denuncia, mas não “de cima”, não “de fora”, mas “de dentro”; não é profeta da calamidade, mas testemunha a alegria da salvação e, portanto, é gerador de esperança. Por que não? Basta de lágrimas na Igreja, de nos dessangrar com agressões e confrontos, enquanto o mundo precisa urgentemente de Cristo. Não ideologia, mas o Evangelho; não grupos de pressão organizados, mas a comunidade do Espírito; não o parlamento, mas a família. Essa é a verdadeira revolução. Que possamos aproveitar a oportunidade que o Senhor está nos oferecendo.
Outro ponto que deve ficar claro é o tema definido pelo Papa Francisco para esta Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos: “Por uma Igreja sinodal, comunhão, participação e missão”. Outros temas, por mais relevantes e importantes que sejam, não são objeto do Sínodo e terão de ser tratados em outro momento ou por meio de outras estruturas sinodais. Após o discernimento, propostas concretas serão apresentadas ao Santo Padre para que ele decida. Se não houver consenso, também poderão ser apresentadas opções complementares. Ou o discernimento pode ser continuado. Mas é necessário avançar em comunhão, com a consciência de que o Espírito Santo muitas vezes derruba as previsões. Dessa forma, a Igreja aprofunda os dados revelados para comunicá-los na vida. Estou muito confiante e acredito que, embora não seja fácil, o esforço vale a pena.
Após a primeira sessão, como alguém que faz parte da Secretaria do Sínodo, o que você pediria aos membros da Assembleia para a segunda sessão?
A primeira coisa é o que o Santo Padre nos disse: temos que ouvir o Espírito Santo porque o Sínodo é um evento fundamentalmente espiritual. Se não for assim, não funcionará. É por isso que devemos ir com a alma aberta e com vontade de mudar. Não para impor nossas próprias ideias, para ver como posso convencer os outros, mas abertos à renovação que o Espírito nos traz, por meio da oração e do discernimento. Em comunhão, podemos descobrir outras maneiras, outros caminhos para realizar o que o Senhor quer para sua Igreja hoje.
Eu também diria que temos de ouvir os sinais dos tempos atuais e não ter medo de dar passos, de desenvolver o que pode e deve ser desenvolvido, a partir do depósito da fé, que não muda. E também para deixar entrar, de maneira mais clara, essa variedade de sensibilidades, culturas e realidades na Igreja, que constituem uma enorme riqueza. A partir da unidade fundamental, talvez possa haver diferentes desenvolvimentos e decisões em um continente ou outro, como já existe na liturgia. Não se trata de uma questão de moda, mas de idiossincrasia.
Por fim, eu os incentivo a viver este momento como um verdadeiro Kairos. Ele é impressionante. É o tempo de Deus, cheio de beleza e criatividade. Acredito que ele não pode deixar de nos entusiasmar se realmente removermos nossos medos, barreiras, cansaço e rotinas. É assim que devemos entrar nesta segunda sessão: sabendo que fomos chamados pelo Espírito e que o Senhor está presente para renovar sua Igreja. Portanto, nossa missão fundamental no Sínodo é ser um canal de graça e não um muro de contenção; facilitar e não bloquear. E, assim, tornar possível a presença do Senhor neste momento da história. O desafio é ser o Evangelho hoje.
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