São Luís Gonzaga tinha apenas 23 anos e entregou sua vida em favor da caridade e da pureza de coração São Luís Gonzaga tinha apenas 23 anos e entregou sua vida em favor da caridade e da pureza de coração 

Carta aos Seminaristas: dom e vocação em memória de São Luiz Gonzaga

Na próxima sexta-feira, 21 de junho, a Igreja recorda São Luiz Gonzaga, padroeiro dos seminaristas e da juventude, e o bispo diocesano de Juína - MT, dom Neri José Tondello, compartilha com o Vatican News a "Carta aos Seminaristas - dom e vocação" divulgada nesta quarta-feira (19/06): "estou fechando o ciclo dos meus 60 anos de vida, 30 anos de padre e meus 15 anos de bispo, que tento entender porque Deus foi tão generoso comigo".

Dom Neri José Tondello*

"A paz e felicidade que somente Jesus pode dar

Para superar esse desafio, e para ajudá-los a fazer uma autêntica promessa a Deus, é vital durante estes anos de seminário alimentar a vida interior de vocês, aprendendo a fechar a porta de sua cela interior a partir de dentro. Desse modo o serviço de vocês a Deus e à Igreja resultará reforçado e encontrarão aquela paz e felicidade que somente Jesus pode dar”.
Não somos testemunhas de Cristo para o bem de nós mesmos, mas para os outros, em constante serviço. E nós buscamos oferecer este serviço não por um simples sentimento, mas por obediência ao Senhor, que se ajoelha para lavar os pés dos discípulos”.

(Papa Francisco)

 

Queridos seminaristas!

1. Me pediram que escrevesse uma carta aos seminaristas. Fiquei surpreso de início, porque nunca tinha imaginado um convite assim. Depois de pensar um pouco, aceitei escrever o que segue, do meu modo simples de ser, desde minha origem vocacional, desde o interior de onde parti e onde mora a família que me ofertou e enviou para o seminário. Se escrevesse fora do meu contexto original teria que imaginar, o bastante e/ou inventar, o que seria incapaz de fazê-lo, ou o faria com grande dificuldade e causaria muita incoerência.

Estou fechando o ciclo dos meus 60 anos de vida, a primeira e maior bênção e Dom que Deus me deu; 30 anos de padre, quantas graças e bênçãos, Deus tem me concedido; e, meus 15 anos de bispo, que tento entender porque Deus foi tão generoso comigo (60/30/15). Graça e serviço, nenhum privilégio.

 

2. Pensei falar aos seminaristas, que seria melhor, talvez necessário recuperar com todo amor, reverência e respeito, a maravilhosa caminhada de seminário que tive na formação ao presbiterado, no período dos anos de 1984 a 1992, na Diocese de Caxias do Sul, RS.

Começo dizendo que ninguém tem vocação para seminarista. Assim foi comigo. Ninguém vive a vida toda no seminário como seminarista.Porém, este processo seminarístico é o caminho muito importante para uma preparação adequada, de cultivo vocacional, e chegar à graça e a alegria de ser ordenado presbítero, mesmo que seja preciso fazer um esforço enorme para os tempos nossos, uma vez que o seminário necessita de alternativas mais coerentes para os desafios atuais, a meu ver. O seminário, com todo esforço que faz, mesmo assim, não consegue atender às exigências básicas em vista de uma boa preparação para os tempos nossos de hoje. Não vem ao caso descrever sobre este assunto neste pedido, mas penso na importância de um debate frutuoso urgente a respeito dos futuros presbíteros.

Em alguns casos, chegamos ao seminário com a vocação já definida, isto é, chego com a certeza de que já sou e/ou serei padre. Chego pronto. Quanto menos filosofia, melhor inclusive. Contudo, o caminho vai se tornando longo o necessário e, o suficiente para uma preparação mais profícua para este ministério tão divino quanto humano, mediante um discernimento gradativo. Não posso exigir que o seminarista seja um anjo, separado do mundo, um super-homem, é antes de tudo, um ser humano, com qualidades e defeitos, possibilidades e limites.

No seminário espera-se que a humildade ajude a aperfeiçoar as qualidades e converter os defeitos. A honestidade, a simplicidade, o caráter, a psicologia, a vida de fé, o gosto pastoral, a vida de oração, tudo vem de casa. Até posso adquirir fora de casa, mas a família é a escola da vida e a Igreja doméstica que ensina tudo por primeiro. Assim foi na minha família: pobre, sim, mas amor, caráter, “respeito aos mais velhos”, “o que é dos outros não se toca”, ensinava papai. Honestidade, partilha, amizade, exercício de perdão, amor ao trabalho, estudo, tudo isso eu tinha no berço de casa. No seminário aprendi a aperfeiçoar o que tinha na base de casa.

 

3. Recordo bem o dia em que o Padre Constante Pasa foi me buscar no berço de minha família, para ir ao Seminário Nossa Senhora Aparecida, na cidade de Caxias do Sul, RS, em 1984. Um saquinho com poucas roupas, bem pobre, graças a Deus. Não tinha acolchoado para aquele frio intenso, na cidade de Caxias do Sul. Um parente meu, alguns meses depois me deu um acolchoado para me aquecer nas noites frias do inverno.

O seminário para mim sempre tem sido uma experiência muito bonita. Experiência alegre, porque Deus colocou pessoas maravilhosas e queridas para me ajudar a ser padre. Lembro do padre Mário Pedrotti, primeiro reitor do Seminário. Sua acolhida, seu cuidado paterno. Lembro do padre Osmar Possamai, animador vocacional, cantava com alma viva e feliz. Lembro das refeições que preparava quando a cozinheira não podia estar presente no Seminário Maior. Humilde e simples. Trabalhador. Lembro do padre Alcindo Trubian, Reitor do Propedêutico, quanto ensinou! Quanta bondade, quanta paciência. O padre Fábio Tomaz Piazza, Reitor do Santuário Nossa Senhora de Caravaggio, quanto carinho, apoio e amizade recebi. Na Filosofia, lembro demais do padre Nivaldo Piazza. Aprendi com ele o gosto pela leitura. Me orientava com bons livros. Um homem inteligente. Alegre. Entusiasmado. Lembro com gratidão do padre João Panazzolo, um padre gigante. Quanta estima pelo fervor. Pelo conhecimento e Missionariedade. Padre Josemar Conte, presente, companheiro e amigo. Padre Izidoro Bigolin reitor do último ano de Teologia. Lembro do Padre Álvaro Pinzeta, estudioso da história da Igreja, entre outras áreas. Os seminaristas, irmãos de seminário, companheiros de caminhada, quanta vivência, sonhos, pastoral e amizade.

 

4. Meus professores de filosofia, professor Lino Casagrande, que me leva a lembrar de todos os professores do curso, ele que abriu a mente para a Verdade de Deus, a Verdade do Homem e a verdade do mundo. Lembro do meu querido presbitério da Diocese de Caxias do Sul. Jamais esqueço Dom Paulo Moretto, Bispo que me instituiu no Ministério de Leitor, Ministério de Acólito, me ordenou Diácono, me ordenou padre e me ordenou bispo. Lembro com todo carinho e respeito do Padre João Bosco Luis Schio, com quem trabalhei 6 anos, juntamente com padre Ireno Udilo Lusa, minha primeira vivência presbiteral, em Antônio Prado. Quanto aprendizado! Que beleza de convivência. Partilha. Amizade. Confiança. Saudades de todo este presbitério da querida Diocese de Caxias do Sul. Diocese que me enviou para a missão no Mato Grosso, em 2004, para continuar a missão do Padre Constante Pasa, depois de cinco anos de serviço missionário à Diocese de Juína, projeto Igreja irmã. Dom Benedito Zorzi, simples e sábio, com quem tive a graça de conviver com ele por um ano durante o Curso Propedêutico.

Escrevi este trajeto de vida vocacional para não perder no esquecimento estas pessoas tão queridas que me fizeram todo bem e que eu precisava de sua ajuda para seguir no caminho vocacional. A vocação precisa contar com este contexto para desenvolver-se do Jeito de Jesus, da Igreja e da pastoral.

 

5. A família de onde vim, 17 irmãos na casa, que alegria. Quanta gratidão à minha família. Meus pais, pobres, mas muito dignos. Muito corretos. Na pobreza, aprendi a riqueza da partilha e da humildade. Aprendi a solidariedade. Minha mãe Antônia Maria, apesar da tamanha pobreza, tinha um coração enorme para partilhar o pouco que tinha. Grande mãe. Gratidão querida mãezinha. Meu pai Mario Achiles, um homem muito lúcido, simples, mas sábio. Às raízes da minha vocação devo gratidão ao amor à comunidade São Roque. Os jovens desta comunidade. No grupo cerca de 40 jovens me deram a coragem e a esperança no seguimento da vocação. A catequese e a liturgia na comunidade.

Na família tenho parentes Jesuítas, Carlistas, Capuchinhos, Franciscanos, da Maria Imaccolata, da Diocese de Padova, Itália, padre Francesco, bem como irmãs de São José de Chamberry, Carlistas e Salesianas. O ambiente era profundamente religioso e respeitoso em nossa casa. Catequese, Liturgia, grupo de jovens, ajuda nas festas da comunidade, esporte e festas nunca faltaram na comunidade. Ajuda aos outros era o apelo da mãe.

Queridos seminaristas, eu sei da paciência que precisamos. Saber esperar a hora de Deus. Aprender primeiro. Rezar em tudo. Perseverar e fidelizar o compromisso com Deus que me chamou. Pedi muito a Deus para ser padre. Estudar sempre foi um prazer diferente, um gostoimenso. Curioso. Na Universidade de Caxias do Sul, frequentar a Biblioteca, quanta saudades. Na PUCRS de Porto Alegre, que ambiente maravilhoso para o estudo.

Com uma sede de conhecer e buscar mais e mais, nas férias buscava cursos de Liturgia, Parapsicologia e outros cursos, em São Paulo. O cuidado especial com a pastoral sempre foi muito intenso. Na Romaria da Terra, todos os anos, no Rio Grande do Sul, sempre foi uma experiência de encarnação junto aos mais necessitados. Participei de greve de fome pela terra.

A Liturgia diária com a Palavra de Deus, a Lectio Divina, no seminário, me ensinou o gosto e o alimento pela Palavra de Deus. Dificuldades, muitas tenho encontrado, mas desistir, ou voltar atrás, não é possível, não existe. Me lembrava muito da passagem: “Quem pega mão no arado e olha para trás, não é digno de mim”.

 

6. Sei que os tempos são outros, queridos seminaristas, contudo, Jesus Cristo de Nazaré, sua pregação, sua prática pastoral, continuam a inspirar nosso dia a dia como alimento vocacional para quem deseja servir os pobres, os mais necessitados e os sofridos. A Igreja é a mesma de sempre. Existe para o Reino de Jesus. A serviço do mundo. Mãe e Mestra. Os outros tempos, de hoje, parecem cortinas de fumaça muitas vezes, mas Deus está aí atualizando seu chamado, se revelando o tempo todo. Mostrando necessidades e, aos gritos por pessoas abnegadas e capazes de gostar dos pobres e a cuidar deles. Capazes de ajudar os outros como Jesus. Não faltam jovens como vocês dispostos a dar a vida por causa de Jesus. Muita beleza, bondade, caridade, amor pastoral, organização do povo para se defenda de seus problemas. Muita esperança corrobora nosso tempo que se chama hoje, por causa de vocês.

Me anima muito ao ver tantos jovens buscando o presbiterado, mesmo que o mundo queira semear a indiferença. A secularização.Porém, tenhamos em Jesus, nossa esperança. Nossa força motriz. Nossa alegria. Sua cruz redentora e salvadora do mundo. Humanidade ressuscitada. Humanidade de pé, levantada com Ele Jesus. Em Jesus, profeta, sacerdote e pastor o mundo permanece resistente e resiliente, de pé em prol da justiça, da solidariedade e do amor em realidade de amizade social. O seminarista de hoje, é Jesus que caminhou ontem, é alguém que enfrenta, hoje os mesmos problemas que os de Jesus, é Jesus que continua abrindo caminhos de paz, de justiça e de verdade, salvando vidas, libertando pessoas do sofrimento das injustiças, é Jesus no presbítero de amanhã.

Também entendo que ser presbítero hoje, não é nada fácil. Tudo leva ou a jogar o padre pro alto angelical, ou pra baixo na lama da destruição. Pode fazer tanto, tanto, tanto de bom e de ajuda. Se fizer o mínimo contrário, é jogado na imoralidade imperdoável. Portanto, a cruz do seminarista é treino para a cruz de presbítero.

O jeito e modelo certo do seminarista é o jeito simples de Jesus ser, desapegado. Disponível, pronto para amar e servir. Consciente da obediência ao Reino de Jesus, em plena comunhão com a Igreja e seu Magistério em espírito de comunhão, missão, participação e sinodalidade, a Igreja do futuro (Papa Francisco). A presença dos leigos e das mulheres na equipe de formadores, nos seminários, faz diferença. Animar e coordenar uma comunidade pastoral nos dá o gosto de como será a vida de presbítero. Um bom seminarista, será com certeza um bom presbítero do serviço. Sempre imprimi na formação durante 10 anos de formador, no seminário, os valores de que o seminarista é um homem de Deus, um homem da Igreja, um homem de oração, um homem pastoral, um homem de serviço, um homem capaz de relações fraternas e de respeito. Um homem capaz de diálogo.

 

7. “E vos darei pastores conforme o meu coração, que vos apascentarão com conhecimento e prudência” (Jr 3, 15).

Em uma Igreja de periferia e com ardor missionário, Deus suscita vocações para o serviço do Povo de Deus. “O ministério sacerdotal, tal como fixado essencialmente pela Igreja, exerce-se hoje em situação completamente nova, que se manifesta nas novas necessidades dos seres humanos e na natureza da atual cultura civil, mediante o discernimento à luz da fé e dos ensinamentos do Magistério da Igreja”(Diretrizes para a formação presbiteral da Igreja no Brasil, p. 39).

Aumente-se a oração nas famílias e comunidades em favor das vocações para a vida presbiteral, vida consagrada e vida religiosa. Que nunca faltem pastores ao cuidado das ovelhas. São Luiz Gonzaga interceda em favor dos seminaristas, com o intuito da perseverança e da fidelidade aos ideais do Evangelho que diz: “Desse modo, o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar sua vida como resgate por muitos” (Mt 20,28).

A Igreja dos pobres para os pobres encoraje os jovens seminaristas para a missão no dom do serviço. O coração de Deus chame, envie e acompanhe a cada seminarista com amor eterno para apascentar as ovelhas. Que a Igreja cuide de seus cuidadores desde sua gestação nos seminários.

São Luiz Gonzaga, padroeiro dos seminaristas

8. São Luiz Gonzaga, padroeiro dos seminaristas, nasceu em 1568 em uma família nobre italiana. Desde cedo, demonstrou uma profunda devoção religiosa, renunciando aos privilégios da nobreza para entrar na Companhia de Jesus. Conhecido por sua pureza, humildade e dedicação ao estudo e à oração, São Luiz Gonzaga é lembrado por sua vida de santidade e sacrifício, morrendo jovem aos 23 anos enquanto cuidava de vítimas de uma epidemia em Roma.

Que São Luiz Gonzaga inspire a todos os seminaristas a seguirem seus exemplos de dedicação, humildade e serviço aos mais necessitados, mantendo sempre viva a chama da vocação e do amor incondicional a Deus e ao próximo.

São Luiz Gonzaga, Rogai por nós!

* Bispo Diocesano de Juína - MT

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19 junho 2024, 12:51