O homem imagem e semelhança de Deus, na sociedade “smart”
Dom Edson Oriolo - Bispo Igreja Particular de Leopoldina, MG.
No livro do Gênesis, encontramos um relato paradisíaco. O autor javista descreve de uma maneira poética a criação do mundo e do ser humano. Se, primeiramente, Deus criou o mundo, ele o fez numa expectativa de que alguém o cultivasse: “Nenhuma erva dos campos tinha ainda crescido, porque Iahweh Deus não tinha feito chover sobre a terra e não havia homem para cultivar o solo” (Gn 2,4b-5).
Mesmo sendo uma etiologia, em Gn 2,4b- 3,24, percebemos o plano de Deus. A introdução do ser humano no mundo, como imagem e semelhança divina – “e o fizeste pouco menos do que um deus, coroando-o de glória e beleza” (Sl 8,6), bem superior às criaturas – “e o homem deu nomes a todos os animais” (Gn 2,20) – e guardião do seu jardim, é uma expressão indubitável do amor de Deus para com todo homem e toda mulher. Exímios responsáveis.
Deus criou por misericórdia e também para entrar em diálogo com sua criatura. A partir desse momento, o mundo criado do nada (ex nihilo) permitiu ao ser humano manifestar a perfeição divina pelos bens que Deus lhe conferiu (cf. 1Cor 8,6; Rm 11,36)
Portanto, Deus criou aquilo que queria (cf. Sl 115,3), operou tudo segundo o desígnio da sua vontade (cf. Ef 1,11), para revelar a sua infinita bondade para com as criaturas e para com a humanidade.
Esse paraíso foi se transformando graças à inteligência manifesta na vontade, liberdade e racionalidade, que o Criador concedeu às pessoas para impactar nas várias revoluções, quer políticas, econômicas ou culturais. Ao longo da história da humanidade, testemunhamos a evolução da administração do mundo criado por Deus. As quatro revoluções industriais ocasionaram grandes transformações no mundo. A primeira revolução industrial foi mecânica, a invenção da máquina a vapor. A segunda foi científica: o aproveitamento da eletricidade e da produção em massa. A terceira revolução se concentrou nos computadores e a quarta revolução industrial foi anunciada pelo Fórum Econômico Mundial, em 2016. Essa revolução transcende as máquinas mecânicas, dando lugar às máquinas computacionais, como a inteligência artificial, as impressoras 3D, os drones, a nanotecnologia, a neurotecnologia, a internet das coisas, a realidade aumentada, a transgenia e os veículos autônomos.
A partir destas revoluções industriais, o paraíso criado por Deus para ser cuidado pelo ser humano, que é sua imagem e semelhança, vem se tornado smart (flexível, sagaz, autoajustável, inteligente). Hoje, tudo é smart: o telefone (smartphone) a televisão (tvsmart), o relógio (smartwatche) a rede elétrica (smart grid) e os semáforos adaptativos. A escova de dentes, inúmeros aparelhos tecnológicos, carros, casas, mesas, sistemas, projetos etc. estão se tornando smart. Essa expressão refere-se a uma tecnologia avançada de automação, conectividade e processamentos de dados. A tecnologia em infraestrutura inteligente traz inúmeros benefícios e facilita o cotidiano das pessoas. Um conceito que, certamente, irá conquistar a imaginação pública nas próximas décadas, como estamos vendo na atualidade. Segundo o russo Morozov, especialista na interação entre tecnologia e sociedade, na última década, haverá uma legitimação de projetos que envolverão a concentração de soluções tecnológicas pelo poder público.
Destarte, com a sociedade smart, os serviços tradicionais tornar-se-ão mais eficientes com o advento da cultura digital, isto é, o uso de tecnologias digitais beneficiará as pessoas. A tecnologia será mais avançada, otimizando o uso de recursos, a produção de riquezas, a mudança de comportamento dos usuários e a promoção de novos tipos de ganho no que se refere, por exemplo, à flexibilidade, à segurança e à sustentabilidade.
Acredito que um ponto cego em toda essa evolução é entender que para o funcionamento dos processos smart é indispensável a atuação da pessoa, como símile do bom Deus e agindo com vontade, liberdade e racionalidade dentro de princípios éticos. Os processos smart e as máquinas não conseguem resolver os problemas por conta própria. Por exemplo, uma ambulância smart, ao ser chamada para um determinado usuário, precisa ter alguém no comando dos processos e os carros autônomos vão necessitar de pessoas para automatizar deixando-os smart.
Assim sendo, a pessoa humana é fundamental no uso e no desenvolvimento das tecnologias inteligentes. Os processos smart necessitam de pessoas também smart para administrar e cuidar dos processos. O ser humano precisa ser bem treinado com recursos e princípios éticos, para otimizar de maneira lógica esses processos. Caso contrário, há o risco do mau uso das tecnologias, provocando efeitos negativos. Isto pode acontecer pela própria incapacidade humana de assimilar algo que evolui tão vertiginosamente e que foge à sua capacidade de acompanhamento razoável (cf. GS 4)
O ser humano, imago Dei, foi criado para intervir na criação. Embora a tecnologia possa fazer certas tarefas para os homens, isso não significa que possamos eliminar completamente as pessoas do processo. Para que os processos smart funcionem como esperado, cada uma das etapas deve ser bem executada por pessoas, sendo expressão de sua vida e dignidade, na fidelidade ao projeto do Criador.
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