Abade Pierre, 5 de dezembro de 1987. Abade Pierre, 5 de dezembro de 1987.  (AFP or licensors)

Abade Pierre acusado de agressão sexual, a dor da Igreja da França

Em um relatório encomendado pelo movimento Emaús, várias mulheres acusam o fundador da comunidade de agressão sexual ou tentativa de agressão. A Conferência dos Bispos de França assegura às vítimas a sua profunda compaixão e vergonha. Os bispos acolhem com satisfação o “trabalho necessário da verdade” empreendido pela comunidade Emaús.

Marie Duhamel – Cidade do Vaticano

O seu engajamento na Résistance ("Resistência"), a acomodação dos judeus durante a Segunda Guerra Mundial, o seu chamado no inverno de 1954 e a sua vida dedicada ao serviço dos mais necessitados fizeram do abade Pierre uma figura icônica na França, onde foi nomeado “a personalidade preferida dos franceses” por dezesseis vezes.Agora, no entanto, um relatório revela “uma dissonância entre a imagem do abade Pierre, o seu desejo de justiça e igualdade e o seu comportamento em relação às mulheres”.

Sete vítimas

Há um ano, uma mulher contatou Emmaüs France, denunciando agressões sexuais cometidas pelo fundador da associação em 1949. O movimento Emaús lançou então - como escrito em seu site -, um “trabalho de escuta interna”, antes de contratar a consultoria do Escritório Egaé de Caroline de Haas, uma ativista feminista empenhada na luta contra a violência sexual, para realizar uma investigação para “principalmente permitir que vítimas identificadas fossem ouvidas e assim permitir que o movimento Emaús dispusesse de informações suficientes para decidir que medidas adotar”.

Durante dois meses, entre abril e junho, foram entrevistadas doze pessoas e coletados quatorze depoimentos. O resumo do relatório publicado na terça-feira, 16, indica que pelo menos sete mulheres “com perfis variados” foram vítimas de comportamentos que podem ser comparados a agressões sexuais ou a atos de assédio sexual cometidos pelo abade Pierre entre 1970 e 2005, dois anos antes da sua morte aos 94 anos, em 2007.

Uma delas era ainda menor de idade quando, pela primeira vez, o abade Pierre, que era próximo de sua família, se comportou de maneira inadequada com ela. Ele pediu desculpas a ela quando esta o confrontou em 2003, acompanhada por seu pai.

Mulheres que trabalham para o Emaús 

Os testemunhos relatados ao escritório Egaé, mencionam propostas grosseiras, mas na maioria das vezes trata-se de "toques" não solicitados. Com a recusa do assédio, ele conseguia ser persistente, mas segundo esses depoimentos, sabia como parar.

Descobriu-se que a maioria das mulheres que relataram contatos indesejados ou propostas sexuais eram funcionárias, voluntárias ou benfeitoras do movimento Emaús. O comportamento do abade Pierre era conhecido, segundo os depoimentos recolhidos: “uma geração inteira [a do início] sabia que o abade Pierre dava algumas 'escorregadas'. Não foi um epifenômeno”; “compreendi muito tarde que as secretárias estavam sendo avisadas para tomarem cuidado.”

“Uma ferida imensa”

As entrevistas suscitaram forte emoção, lê-se no relatório, que fala de “uma imensa ferida nas pessoas que o admiravam ou admiravam o seu engajamento”.

O movimento Emaús saúda a coragem das pessoas que testemunharam, tornando possível trazer à luz “estes atos intoleráveis”, afirmando acreditar nas supostas vítimas e manifesta sua proximidade com elas.

Foi montado um dispositivo de escuta para coletar outros depoimentos. O escritório Egaé, pela sua experiência neste tema, acredita na existência de outras vítimas. Mas a antiguidade dos fatos, a morte há dezessete anos do implicado abade Pierre, dificulta o acesso aos depoimentos e impede a aplicação do princípio do contraditório, indica o relatório.

Determinado a combater todas as formas de violência, o movimento Emaús pretende denunciar “os atos inaceitáveis ​​cometidos por uma pessoa que desempenhou um papel importante na sua história”, e apoiar as vítimas e as pessoas que sustentam a ação do movimento há 70 anos. “Compartilhamos a sua dor e a sua raiva, mas também a sua determinação em continuar a trabalhar, todos os dias, para construir um mundo mais justo e mais unido.”

A “vergonha” da Igreja da França

Em um comunicado de imprensa, a Conferência dos Bispos de França diz tomado conhecimento “com dor” dos testemunhos que relatam atos de agressão sexual cometidos pelo abade Pierre. A CEF assegura às vítimas “a sua profunda compaixão e vergonha” por tais atos terem sido cometidos por um padre, e reitera a sua determinação em mobilizar-se para fazer da Igreja “uma casa segura”.

“O abade Pierre teve um impacto notável no nosso país e no mundo; aumentou a consciência da responsabilidade de todos para com as pessoas em circunstâncias precárias e renovou a forma como a nossa sociedade vê os mais pobres”, escrevem os bispos. Mas a sua posição não pode isentar-nos do necessário trabalho de verdade, que Emmaüs acaba de realizar com clareza e coragem.

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17 julho 2024, 21:17