Sínodo: são necessárias respostas, mesmo que sejam experimentais
Rui Saraiva – Portugal
O “Instrumentum Laboris” da segunda sessão da XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos bispos, que vai decorrer de 2 a 27 de outubro, foi apresentado no início deste mês de julho. Um documento de trabalho que tem suscitado muitos comentários.
José Eduardo Borges de Pinho é um dos elementos da Equipa Sinodal da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) e em entrevista conjunta à Rádio Renascença e à Agência Ecclesia, assinala a necessidade de serem tomadas “medidas concretas” a curto prazo no âmbito do processo sinodal.
O professor jubilado de Teologia da Universidade Católica Portuguesa alerta que “sem medidas concretas, corremos o risco de o processo sinodal não se explicitar, crescer e desenvolver-se e até de poder criar desalento em muitas pessoas”.
A entrevista é conduzida pelos jornalistas Henrique Cunha da Rádio Renascença e Octávio Carmo da Agência Ecclesia.
Olhando para este ciclo que estivemos a viver, este processo sinodal lançado pelo Papa Francisco em 2021, num arco de três anos, podemos ter noção da importância que teve este processo a nível global e, em particular, para as comunidades católicas em Portugal?
Tem uma importância crucial em termos objetivos, porque é o grande acontecimento de receção do Concílio [Vaticano II]. Nota-se neste documento, que faz várias referências e alguma evolução num ou no outro aspeto concreto. É uma chamada de atenção renovada para o dever que todos temos de assumir, com todas as consequências, desenvolvendo e concretizando aquilo que o Concílio Vaticano II nos deixou.
Este momento pode representar, para uma determinada geração de católicos, aquilo que o Concílio representou nas últimas seis décadas?
Eu espero que sim. Como dizia, no documento que agora foi publicado, o "Instrumentum Laboris", são nítidas duas coisas. Por um lado, a participação de teólogos, peritos e pessoas de todas as partes do mundo, portanto, o sentido da catolicidade, a expressão da catolicidade da Igreja está muito viva. Por outro lado, nota-se, realmente, que são pessoas que receberam, acolheram o Concílio e entendem a sinodalidade como ela deve ser entendida: uma dimensão essencial da Igreja, que sempre houve, ainda que nem sempre a palavra tenha sido sublinhada. E que hoje é o caminho e é o estilo que nos é pedido, que o Espírito Santo nos pede. Não é o Papa, é o Espírito Santo que nos pede para que a Igreja esteja à altura dos momentos que estamos a viver, que não são fáceis.
A Conferência Episcopal Portuguesa publicou, em maio, o seu relatório sobre a segunda fase da consulta sinodal, apelando a um maior discernimento sobre as questões ditas fraturantes. O novo documento de trabalho, divulgado pelo Vaticano, do qual já aqui falou, exclui questões controversas, remetendo-as para os grupos de estudo que o Papa criou. Entende esta opção?
Sim, entendo, neste momento. Quero dizer, exclui no sentido que não vão ser expressamente debatidas, mas não fecha os assuntos, não fecha os temas.
A ideia foi retirar da agenda do sinodal alguns temas mais polémicos?
Penso que a ideia foi, por um lado, ter em conta o necessário estudo aprofundado e especializado que estas questões exigem. Os dez grupos de trabalho que o Papa criou em fevereiro são constituídos por pessoas que estão dentro dos assuntos e que são capazes de refletir melhor do que o comum das pessoas, até o comum dos teólogos. Porque nós somos, por vezes, especialistas nesta área ou naquela, mas não somos especialistas em tudo.
Por outro lado, creio que é a consciência de que são questões que exigem maturação e que exigem que os cristãos vão tomando consciência delas, vão pensando, vão discernindo, vão amadurecendo a perceção daquilo que significam, face aos desafios que hoje acontecem. De resto, segundo as referências da Secretaria Geral do Sínodo, contidas também no próprio documento agora publicado, esses grupos de trabalho farão alguma referência ao estado da questão, digamos assim, ou ao estado das questões, nos trabalhos sinodais com informação à Assembleia.
Quem em 2021 foi consultado e chamado a dar a sua opinião, se calhar tinha expectativas… Dou um exemplo: a ordenação de homens casados. Olha para este instrumento de trabalho e não vê uma única referência. O que é que se diz a estas pessoas?
Eu creio que estas pessoas têm uma certa razão em pensar e em pedir que as instâncias eclesiais se movam mais depressa e que as estruturas da Igreja, no seu conjunto, as pessoas e as estruturas, sejam capazes de ir sinalizando respostas, mesmo que sejam respostas experimentais. Nós tivemos o Sínodo sobre a Amazónia e, nessa altura, essa questão em concreto também já foi levantada expressamente. Podemos dizer que foi, na altura, uma certa deceção entre as pessoas o facto de não se ter avançado para aquela região específica, no sentido de um caminho em que se poderia ir. Lendo este documento, verificamos que há um avanço qualitativo na referência aos contextos próprios em que o Evangelho tem de ser anunciado e a Igreja vive. Há uma referência também expressa, mais do que uma vez, para dizer que a Igreja não é uniforme, no sentido negativo da palavra, ou seja, uniforme em termos de que todos pensam da mesma maneira e a vida da Igreja é realizada sempre da mesma maneira. Pelo contrário, chama-se a atenção, precisamente, para essa diversidade de contextos.
Mas não terá de haver um momento em que se tome uma decisão?
Sem dúvida, sem dúvida...
O receio é mesmo esse? É que se protele no tempo?
Não excluo esse receio. Nesta matéria toda, não sou otimista repentino nem pessimista militante. Procuro ser realista e o realismo, aqui, é um realismo com esperança, no sentido de que este processo é, de facto, irreversível, não é só minha convicção, creio que os sinais são vários…
O caso específico da ordenação de homens casados?
Não, neste caso estou a falar do Sínodo, em geral, deste processo. Essa questão em particular até não será das mais difíceis, a não ser aqui nos nossos contextos europeus e limitados, porque, como se sabe, nas Igrejas Católicas Orientais já existem padres casados. É mais uma questão agora de oportunidade, de olhar para os sinais que daí podem resultar, de amadurecimento das questões. Eu vejo dois problemas, não sei qual é o principal, mas talvez o segundo...
O primeiro é que nós estamos sempre a lidar com pessoas e estruturas intermédias, ou seja, sendo assim um bocadinho direto demais - para também ser rápido - o ministério episcopal, tal como está a ser exercido muitas vezes, é tendencialmente monárquico. E os párocos, em geral, em muitos sítios, por inércia ou por dificuldades de tempo e outras, tendem a não dar os passos que podem ser dados e que são necessários. Aqui está um bloqueio, que acontece de muitas maneiras, em muitos lados e de várias formas.
O segundo aspeto, talvez mais importante, é que isto da sinodalidade não é uma questão de elites, sejam bispos, padres, teólogos ou leigos mais envolvidos nas paróquias. É uma questão que tem de ver com todo o povo de Deus. Neste sentido, o discernimento significa que olhemos para aquilo que o Espírito Santo nos diz, neste contexto e nesta situação atual que estamos a viver, na Igreja, mas, simultaneamente, que percebamos os sinais que vêm do mundo, das pessoas, das suas inércias, das suas necessidades de formação, etc.
Queria introduzir um tema que está em enorme destaque em todo este processo: a questão do papel das mulheres, da participação das mulheres nas comunidades católicas. Este documento fala especificamente nos processos de tomada de decisão, mas o tema que talvez seja mais polémico, o diaconado feminino, é remetido para um grupo de trabalho coordenado pela Doutrina da Fé. Quer dizer que o debate sinodal se vai concentrar em aspetos que são mais concretos do dia a dia das comunidades?
Eu creio que sim, e isso está de alguma maneira referido, de forma expressa, mas ainda que não com todas as letras, no "Instrumentum Laboris". Ou seja, a certa altura diz-se mesmo que, sem medidas concretas, corremos o risco de o processo sinodal não se explicitar, crescer e desenvolver-se e até de poder criar desalento em muitas pessoas. Portanto, essa consciência existe e espero que, relativamente a alguns pontos, como esse do papel da mulher na vida da Igreja, sejam dados não apenas sinais claros, mas se aponte uma ou outra medida concreta que seja realmente realizável já a curto prazo, sem que com isso se crie qualquer problema.
Neste momento, há a questão dos ministérios, chamados batismais, possibilidades de participação em instâncias de governo, que num caso ou outro já existe… Aliás, o documento também diz, e é verdade, que já há muitas possibilidades, mas não são aproveitadas, e o problema base é um problema de mentalidades.
Será uma forma de conduzir o debate para uma visão mais ampla relativamente à participação de todos na vida das comunidades católicas?
Eu espero que sim. Aliás, na reflexão que é feita sobre o papel da mulher, eu vejo no texto algumas referências já mais incisivas do que no próprio relatório de síntese. Agora, é preciso é que isso se concretize na Assembleia Sinodal e, depois, em indicações/normas canónicas que possam ser referidas. Mas o último parágrafo, se não me engano, nesse capítulo, chama a atenção que o problema da sinodalidade e da participação na igreja é também, e em muitos casos decisivamente, um problema dos homens, um problema dos cristãos do sexo masculino, que precisam de ser, na sua consciência cristã, na sua consciência batismal e nas responsabilidades, precisam de assumir de forma mais decisiva o seu lugar nas diversas instâncias, nos diversos lugares onde a igreja se realiza. Isto não é diminuir nada o papel da mulher. Pelo contrário, é dizer que a sinodalidade é realmente um esforço de reciprocidade, de diálogo, de partilha entre as pessoas.
Laudetur Iesus Christus
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