As Igrejas que seguem o Calendário Juliano celebram a Dormição da Mãe de Deus em 28 de agosto. As Igrejas que seguem o Calendário Juliano celebram a Dormição da Mãe de Deus em 28 de agosto.  (©Pavle - stock.adobe.com)

No lugar da Assunção de Maria, onde rezam cristãos e muçulmanos

Proclamado por Pio XII em 1º de novembro de 1950, o dogma da Assunção tem a sua origem na Sagrada Escritura. E em Jerusalém, ainda hoje, é possível ver e “tocar” alguns elementos que há quase setenta e cinco anos levaram à publicação da Constituição Apostólica Munificentissimus Deus.

por Fábio Beretta

Para os cristãos a data de 15 de agosto não é um dia de festa como os outros. Celebra-se, de fato, a Assunção de Maria ao Céu, um dos quatro dogmas marianos da Igreja Católica. Proclamado por Pio XII em 1º de novembro de 1950, o dogma da Assunção tem a sua origem na Sagrada Escritura. E em Jerusalém, ainda hoje, é possível ver e “tocar” alguns elementos que há quase setenta e cinco anos levaram à publicação da Constituição Apostólica Munificentissimus Deus.

Na Cidade Santa, como recorda padre Claudio Bottini, professor emérito ainda em atividade na Faculdade de Ciências Bíblicas e Arqueológicas do Studium Biblicum Franciscanum da Terra Santa, “a festa da Assunção é celebrada em duas datas distintas: os cristãos pertencentes a a Igreja Latina, a de Roma, celebra o aniversário no dia 15 de agosto segundo o calendário habitual. Depois há os ortodoxos, mas também os armênios, os coptas, os sírios que celebram a Assunção em um dia diferente, segundo o Calendário Juliano”.

Para todos os cristãos da Terra Santa, sublinha o frade, a da Assunção é “a celebração mais sentida após a da Páscoa. Nestes dias os fiéis expressam o seu fervor e a sua fé com liturgias e procissões”. Esta grande participação é devida, em parte, “ao clima de verão que favorece um grande número de participantes. Mas – continua padre Bottini – em Jerusalém, essas grandes procissões, que chamam a atenção de todos, só são vistas para os ritos da Semana Santa e da Assunção”.

Estes atos de devoção popular se desenvolvem pelas ruas que ligam dois pontos da cidade, ou melhor, duas igrejas: a da Dormitio Virginis, no Monte Sião, onde a comunidade cristã acredita que Nossa Senhora “adormeceu no sono da morte”; e a do “túmulo de Maria”, construída na zona do cemitério do Vale do Cedron, onde segundo a tradição judaica terá lugar o Juízo Final.

“As escavações realizadas nos anos 70 – conta o frade – confirmam a descrição contida na narativas da tradição e em alguns escritos populares que remontam ao século II d.C.”. Estas escavações iniciaram após uma enchente que alagou completamente a igreja construída no local onde, segundo a tradição, estava o túmulo vazio de Nossa Senhora, perto do Getsêmani. Os danos provocados ​​pela natureza obrigaram os greco-ortodoxos e armênio-ortodoxos, custódios do santuário, a desmontar todas as superestruturas que escondiam o túmulo de Maria e a realizar trabalhos de restauração.

“Graças ao ecumenismo feito de pequenos e silenciosos gestos – explica o professor –, os ortodoxos convidaram o padre Bellarmino Bagatti, decano dos arqueólogos franciscanos na Terra Santa, para visitar e estudar o túmulo e o conjunto sepulcral e arquitetônico que o rodeia. Mas Bagatti não se limitou a examinar o monumento. Ele o 'releu' cuidadosamente à luz da literatura antiga sobre a morte e sepultamento de Nossa Senhora".

O Novo Testamento fala de Maria pela última vez depois da Ascensão de Jesus, apresentando-a rodeada pelos Apóstolos e pela comunidade cristã primitiva (cf. Act 1, 14). “Nenhum texto canônico – destaca Bottini – nos diz como Maria passou seus últimos anos e como deixou a terra. Vários escritos intitulados Ciclo sobre a Dormição de Nossa Senhora, muito difundidos no mundo cristão, transmitem toda uma série de informações que, quando submetidas ao escrutínio da crítica histórica e teológica, revelam-se da maior importância”.

Esses textos seriam “todos relacionados a um documento original, a um protótipo judaico-cristão elaborado por volta do século II no contexto da Igreja Mãe de Jerusalém, para a comemoração litúrgica anual junto ao túmulo da Virgem. Na redação da Dormição atribuída ao Apóstolo evangelista João, conhecido como o Teólogo, lê-se: «...os apóstolos transportaram a liteira e depositaram o seu santo e precioso corpo en um túmulo novo no Getsêmani».

Em outro texto preservado em siríaco, há indicações topográficas ainda mais precisas: «Esta manhã peguem a Senhora Maria e saiam de Jerusalém pela via que conduz à cabeceira do vale além do Monte das Oliveiras, onde existem três grutas: uma grande externa, depois outra dentro e uma pequena câmara interna com um banco elevado de argila na parte oriental. Vão e coloquem a Bem-Aventurada sobre aquele banco e coloquem-na lá e sirvam-a até que eu diga o contrário."

Ao verificar os fatos, o padre Bagatti “demonstrou que a concordância entre documento e monumento não poderia ser maior. Com efeito, o túmulo de Maria no Getsêmani – sublinha o professor – está localizado em uma área de cemitério em uso no século I. Corresponde muito bem quer ao tipo de túmulos utilizados na Palestina naquela época como aos dados topográficos indicados nas diferentes narrativas da Dormição da Virgem, especialmente no que diz respeito à nova câmara mortuária e à sua posição em relação às outras. O fato de encontrar-se junto ao Horto das Oliveiras e à Gruta onde Jesus costumava passar a noite (cf. Jo 18, 2), sugere que o anônimo discípulo proprietário do local também acolheu ali a sepultura de Maria. O túmulo, guardado e venerado pelos judeus-cristãos até finais do século IV, altura em que passou para as mãos dos gentios cristãos, foi isolado dos restantes e encerrado em uma igreja”.

Hoje, das várias igrejas construídas no local ao longo dos séculos, «só resta a cripta que, através de uma grande escadaria de quarenta e oito degraus, conduz ao túmulo por um desnível de cerca de quinze metros em relação à estrada . A edícula que contém a câmara funerária com o banco rochoso ainda visível é pouco iluminada pela luz que filtra do exterior e pelas lamparinas a óleo. No seu interior respira-se o ambiente típico das igrejas orientais, caracterizadas pelo forte perfume de incenso, pelas numerosas imagens e pelas muitas velas e lamparinas a óleo”.

“Quem visita esses lugares sente algo especial dentro de si. Ao acompanharem homens de cultura ou jornalistas a estes lugares, eles próprios percebem, mesmo que não sejam crentes, que estão diante de algo sério. Não se pode falar de conversões verdadeiras, mas todos ficam admirados”, revela Bottini.

Mas como os católicos vivem a festa de 15 de agosto? “Primeiro celebram a Missa na Basílica do Getsêmani, mais conhecida como Basílica das Nações (a estrutura moderna celebra este ano cem anos de sua consagração). Depois, em procissão, dirige-se à igreja do túmulo, se desce à cripta e reza-se com cantos e hinos”. Aos olhos mais atentos não passa desapercebido que na cripta onde está preservado o túmulo vazio existe um nicho: “Usavam-no e o usam os muçulmanos – explica o professor –. Anteriormente, muitos grupos religiosos islâmicos visitavam o túmulo, agora fazem-no em privado. Também para eles Maria é uma figura importante e o nicho está orientado para Meca.”

Também os cristãos das Igrejas Orientais vivem a festa neste lugar: “Por oito dias, os cristãos orientais descem todos os dias à cripta, levando crianças, idosos e pessoas com deficiência. O túmulo é decorado com ervas aromáticas, como o basílico, e rezam diante do ícone da Dormitio que normalmente se encontra na Basílica do Santo Sepulcro. O ícone é levado solenemente em procissão até o túmulo e recolocado em seu lugar. E é como uma grande festa."

Uma festa que este ano, devido à guerra que continua a dilacerar a Terra Santa, “será em dimensão menor. Mas como no passado, a celebração acontecerá”, conclui padre Bottini. “Já vi tantas crises neste país. Tudo acontece em escala reduzida, mas não desaparece. Celebraremos a festa da Assunção como celebramos a Páscoa. São momentos trágicos, mas conseguimos rezar com maior intensidade. Nestas celebrações com maior recolhimento, como sempre fazemos, rezaremos pelo retorno dos peregrinos e sobretudo pelas soluções de paz. Não só em nossa casa, mas também para o mundo. E faremos isso duas vezes, dada a dupla data dos Calendários Juliano e Gregoriano. Os homens são capazes de coisas atrozes, mas aqui há muitas pessoas de boa vontade que continuam a acreditar, a esperar e a rezar por um mundo melhor. É uma semente de esperança que certamente crescerá”.

*Agência Fides

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15 agosto 2024, 07:42