Missionário na Síria: continuamos trabalhando por um mundo melhor e rezando pela paz

Padre Hugo Alaniz, missionário argentino do Instituto do Verbo Encarnado, residente na Síria há 7 anos, descreve o cenário atual da vida das pessoas em Aleppo após a queda de Bashar al Assad: “Há incerteza sobre o futuro, nós precisamos de orações”.

Vatican News

“Aos poucos a vida vai retomando o seu curso, mas ainda dá para respirar um certo ar estranho por tudo o que aconteceu, pelo medo que as pessoas passaram nesse período.” “Há uma certa incerteza sobre o tempo que virá.” É assim que o padre Hugo Alaniz, missionário argentino do Instituto do Verbo Encarnado, residente em Aleppo, descreve a situação atual na cidade síria, neste período pós-regime.

Aos microfones do Vatican News, o religioso comprometido com o país do Oriente Médio fala também do trabalho realizado pela Igreja local para ajudar a população e sublinha a esperança do povo sírio, ansioso por um futuro de paz e estabilidade.

Padre Alaniz, qual é a situação dos cristãos na Síria e para onde vai o país com os novos governantes?

A situação dos cristãos na Síria não mudou. Antes, sob o governo de Bashar al Assad, sempre houve muito respeito pelas comunidades cristãs, pelas minorias. E agora estamos tentando nos adaptar a esta nova situação, é algo muito novo e não podemos fazer um julgamento ainda. Neste momento estamos bem, graças a Deus, e pedimos orações de todos, de todas as nossas comunidades, familiares, amigos, orações para que isso não seja apenas algo temporário, mas para que essa paz possa ser estabelecida. Sim, há incerteza, procuramos ser cautelosos, porque não sabemos, a situação é muito nova.

As novas autoridades estão tentando – embora tenha havido problemas especialmente em Damasco e noutras cidades – estão tentando passar uma boa imagem e têm mantido uma comunicação muito boa com os responsáveis ​​da Igreja. Uma das primeiras coisas que fizeram, não só aqui em Aleppo, mas também no restante das províncias e cidades e povoados importantes, foi dar-se a conhecer, apresentando-se às autoridades religiosas, transmitindo também essa mensagem, de que as pessoas estão tranquilas, mas devem ficar em casa porque é um momento de caos e outros pequenos grupos podem se aproveitar desse momento para tirar proveito.

Infelizmente, também aconteceu que famílias que tinham abandonado as suas casas, ao regressarem, as encontraram roubadas. Tivemos a oportunidade de nos encontrar com eles em mais de uma ocasião. Juntamente com dom Hanna Jallouf, vigário apostólico Latino de Aleppo, fomos dos primeiros a encontrar um dos líderes, o segundo mais importante.

Quando começou a invasão de Aleppo, isto foi na quarta-feira, dia 27, três dias depois a cidade já era deles. Dom Jallouf e eu saímos de carro e depois soube que íamos procurar os responsáveis, os dirigentes. Não os encontramos e no dia seguinte, domingo, o número dois veio nos visitar no bispado. Éramos apenas eu e o monsenhor porque havíamos enviado as irmãs e as moças da residência que ali moram, no mesmo prédio do bispado, nas residências universitárias, para uma área mais segura. Eles se conheciam, porque dom Hanna, até sua nomeação como bispo em setembro de 2023, trabalhou como pároco na província de Idlib e conheceu os líderes de todos estes grupos, e também aqueles que lideravam a revolução atual. Por meio de dom Jallouf também foram organizados outros encontros com os bispos, e em todos esses encontros eles se manifestaram com muito respeito e pedindo que transmitíssemos esta mensagem aos cristãos: que as tradições das igrejas sejam respeitadas.

Qual é o papel que a Igreja desempenha no acolhimento de pessoas deslocadas internamente?

Estamos trabalhando esses dias, tem havido muito movimento. Antes de acolher os deslocados que procuravam um lugar mais seguro, especialmente famílias com filhas, recebemos nas pequenas salas do nosso centro muitas famílias que procuravam um lugar seguro porque, naqueles primeiros dias, ninguém sabia quem eram aqueles que tinham invadido. Então, havia muito medo, um medo generalizado. Outros, nesses primeiros dias, partiram, abandonaram Aleppo em busca de segurança em outras cidades, mas com o passar do tempo essas cidades foram tomadas pelos rebeldes. Tentamos manter contato com famílias conhecidas que estavam em outras cidades para ajudá-las de alguma forma, por meio de contatos de sacerdotes. Nos dias seguintes, procuramos transmitir alguma tranquilidade às pessoas com base no que já sabíamos a respeito destas autoridades, transmitir alguma tranquilidade para que pudessem regressar às suas cidades, às suas casas.

Às portas do Natal e do início do Jubileu de 2025, qual seria a sua mensagem de esperança para os cristãos que permaneceram no país dando testemunho da sua fé?

Moro aqui há sete anos e cheguei a Aleppo nos últimos anos de conflito. Em 2020, Aleppo foi completamente libertada, começou a pandemia, os terremotos de 2023, o bloqueio econômico de 2019, que fez com que as pessoas, que já se encontravam numa situação econômica muito ruim, ficassem em pior situação. Quem mais sofreu foi o povo. Chegamos a estar a 92% abaixo do nível de pobreza. É muito. Durante todos estes anos acompanhamos a população ao longo deste período de provações: as famílias que abandonam o país, as crianças que foram convocadas para o exército obrigatório de oito anos, a grave situação econômica... Tudo isto fez com que as famílias preferissem enviar os seus filhos ou toda a família foi embora.

Dos mais de 200 mil cristãos que viviam aqui em Aleppo, cerca de 25 mil permaneceram. Em todo este tempo de provações, foram eles que nos transmitiram a mensagem de esperança. Estas pessoas, que descendem dos primeiros cristãos, sabem muito bem o que é a fé, a fé vivida. Como experiência vivida de fé, o que nos transmitiram ao longo deste tempo foi muito forte. O que passamos nessas últimas três semanas é mais um entre muitos. E as pessoas, graças a Deus, continuam firmes na fé. Porque têm a certeza de que Deus nos acompanha, Deus conhece as nossas provações. Experimentam também o conforto da presença de Deus, fruto da fé e da esperança.

Que mensagem o senhor deseja enviar da Síria à comunidade internacional e aos crentes de todo o mundo?

É precisamente a mensagem do Natal, da esperança, da presença de Emanuel, Deus conosco. Que procuremos ser boas pessoas, ou seja, que além da fé de cada um, continuemos trabalhando por um mundo melhor: que tanto aqueles que têm responsabilidades importantes como cada um de nós procurem ser boas pessoas. Infelizmente, muitas vezes, nestes países onde vivemos vemos que existem muitos interesses de outras nações que não visam ao bem comum do nosso povo.

E no que diz respeito aos crentes de todo o mundo, pediria a eles que dêem ao Espírito Santo a possibilidade de trabalhar mais nos seus corações. Podemos ser melhores, porque acreditamos na presença de Deus neste mundo, que muitas vezes está em trevas. Ao mesmo tempo, existem muitas pessoas boas que acreditam que algo melhor é possível. Portanto, devemos continuar a pedir a paz, especialmente para aqueles de nós que mais precisam de orações.

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23 dezembro 2024, 16:27