Testemunho do Haiti: "Corremos o risco de sequestro todos os dias"
Vatican News
Responsável por uma casa família da Comunidade João XXIII, Velentina Cardia decidiu lançar um grito de alarme para chamar a atenção ao país que ela ama tanto. Escreveu uma longa carta a um jornal italiano, L’Avvenire, na qual denuncia a situação que o Haiti está atravessando. A carta se destaca pelo cuidado e detalhes de quem exige mudanças antes que seja tarde demais.
Repatriações forçadas
"O pequeno país caribenho onde o Presidente Moïse foi assassinado em 7 de julho, e onde, em 14 de agosto, um terremoto de magnitude 7,2 matou 2.200 pessoas e feriu 30.000 está passando por uma crise humanitária nunca vista antes. Em sua carta, Valentina expõe claramente o que o Haiti é hoje. Ela o faz denunciando as condições de vida dos muitos migrantes forçados a retornar a este país. “O mundo", escreve, "está conhecendo o desespero de milhares de pessoas em busca de um futuro na fronteira entre o México e os Estados Unidos, muitos dos quais são haitianos. Pelo menos 14 mil. Entre eles, muitos sofreram repatriação forçada". A situação destes indivíduos é dramática, mas Valentina não perde a esperança e conclui sua carta esperando que logo sejam abertos "corredores humanitários, viagens legais e seguras, que possam dar um futuro a tantas pessoas cuja única culpa é ter nascido no lugar errado".
O medo de sequestros
Telefonamos para Valentina Cardia no Haiti. O tom de sua voz não é brilhante, mas suas palavras carregam peso, como as de alguém que sabe bem do que ela está falando. Uma das maiores preocupações", fala à Rádio Vaticano, "é a questão dos sequestros". Eu arrisco, você arrisca, todos nós, mesmo em nossos próprios bairros, ao sair de casa. Na verdade, o principal problema são as gangues armadas, cada vez mais pessoas estão em posse de armas", denuncia. Seu medo é para com seus filhos. "Casei-me aqui, tenho filhos e com meu marido acolhemos mais três". Portanto, para mim é normal ver um futuro juntos aqui, no Haiti, mas agora o limite foi superado. Não posso mais escolher por mim mesma, devo escolher por minha família. A escolha é se ficar ou partir.
Os mais frágeis
"Muitos haitianos já chegam sem documentos na República Dominicana, que é a primeira passagem para os que tentam ir para a América do Norte. Vivem em condições péssimas, o relacionamento com os habitantes locais é terrível", explica Valentina. Depois há o drama dentro do drama, a extrema fragilidade dos que são forçados a retornar ao Haiti. "Estas pessoas voltam a um país onde a situação é devastadora e especialmente os mais jovens acabam se juntando a uma das muitas gangues armadas que precisam de soldados, pessoas que estão dispostas a fazer qualquer coisa mesmo por um pouco de dinheiro", afirma. O risco é que este fenômeno migratório de retorno leve "à superação de todos os limites humanos", continua, "falo como uma pessoa que ama o Haiti, que tem tudo aqui".
Corrupção
Neste contexto, a corrupção está em toda parte. “Estamos preparando a documentação para a guarda legítima destas crianças e onde vamos nos pedem muito dinheiro", reclama Valentina, "até mesmo 600 dólares por um passaporte, quando o custo é seis vezes menor". Mas esta é a única maneira de continuarmos a cumprir nossa missão. Estamos vivendo tudo isso com profunda tristeza, porque", conclui, "me sinto haitiana, as pessoas sofrem de uma maneira incrível e a nossa ajuda, a nossa missão, está viva, mas limitada. Poderíamos fazer mais, mas demasiados interesses, que talvez nem saibamos, não permitem mudanças, fazendo com que o Haiti continue sempre assim”.
Obrigado por ter lido este artigo. Se quiser se manter atualizado, assine a nossa newsletter clicando aqui e se inscreva no nosso canal do WhatsApp acessando aqui