Encontro e Oração pela paz no Coliseu, em 7 de outubro de 2021 Encontro e Oração pela paz no Coliseu, em 7 de outubro de 2021 

"Crislã" não existe: juiz egípcio alerta para fake news sobre o Documento de Abu Dhabi

"Se nós fiéis não somos capazes de nos dar as mãos, abraçar-nos, beijar-nos e também rezar, a nossa fé será vencida. Esse documento nasce da fé em Deus que é Pai de todos e Pai da paz. Condena toda destruição, todo terrorismo, desde o primeiro terrorismo da história que é o de Caim. É um documento que se desenvolveu em quase um ano, com idas e voltas, orações. Para amadurecer, ficou um pouco confidencial, para não dar à luz a criança antes do tempo. Para que seja maduro.” (Papa Francisco)
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As campanhas promovidas no Ocidente e nos países árabes para fazer crer que o Documento sobre a Fraternidade Humana (assinado em Abu Dhabi pelo Bispo de Roma e pelo Grão Imame de al Azhar) visaria fundir as diferentes fés em uma "religião mundial unificada" devem, na realidade, ser rejeitadas como "falsas narrativas", construídas com esmero, manipulando os dados da realidade.

É o que afirma com veemência o juiz do Conselho de Estado egípcio, Mohamed Mahmoud Abdel Salam, em um articulado discurso relançado em árabe também pelo site abouna.org.

O juiz escreve com pleno conhecimento de causa: na qualidade de Conselheiro do Grão Imame de al Azhar, Xeque Ahmed al Tayyeb, esteve pessoalmente envolvido - juntamente com o sacerdote egípcio Yoannis Lahzi Gaid, na época secretário pessoal do Pontífice - no processo de redação do Documento sobre a Fraternidade Humana em prol da Paz Mundial e da Coexistência Comum, assinado em Abu Dhabi em 4 de fevereiro de 2019. Em agosto do mesmo ano, Mahmud Salam tornou-se secretário do Comitê Superior para a Fraternidade Humana, órgão criado para promover iniciativas inspiradas no conteúdo do Documento de Abu Dhabi.

Em seu discurso, o juiz egípcio - que também contribuiu para a elaboração de dispositivos legais para combater a violência e os abusos cometidos em nome da religião – repropõe o contexto em que amadureceu o Documento de Abu Dhabi e as razões que levaram à sua publicação.

 

Durante décadas - observa Mahmud Salam - a mídia ocidental tem representado o Oriente em geral, e o mundo árabe em particular, como áreas infestadas de intolerância e perseguição religiosa. Por muito tempo, nessas regiões, as contrastantes agendas políticas das forças em conflito visaram explorar a religião para perseguir seus próprios objetivos. Argumentos religiosos foram explorados por diversos projetos de hegemonia e dominação para justificar assassinatos, deportações, expropriações ilegais de terras. E apesar de tudo isso, mesmo nas regiões do Oriente Médio em muitas fases da história "prevaleceu a tolerância e a coexistência".

O Documento de Abu Dhabi - observou o juiz egípcio - foi concebido como um apelo à paz e à convivência "dirigido a todos os seres humanos, crentes e não crentes". Mas em torno a tal iniciativa desenvolveu-se nos últimos tempos uma tentativa de criar “uma nova religião, chamada 'religião abraâmica'”.

Esta pseudo-narrativa, alimentada por círculos que operam tanto no Ocidente como no Oriente Médio, tem principalmente como alvo e pretexto de suas campanhas a "Casa da Família Abraâmica", um complexo inter-religioso em construção em Abu Dhabi por inspiração do Comitê para a Fraternidade Humana que verá uma igreja, uma mesquita, uma sinagoga e um centro cultural construídos no mesmo terreno.

"Alguns sites e mídias sociais - explica Mahmud Salam em seu discurso – atacam este projeto com a falsa alegação de que a iniciativa é uma tentativa de unificar todas as religiões abraâmicas e promover uma 'religião mundial unificada'".

 

O juiz egípcio também se refere à expressão "Crislã", usada em campanhas de manipulação da mídia para delirar sobre supostos planos de "fundir" cristianismo e islamismo em um único credo. Para refutar as falsas narrativas postadas on-line - aponta Mahmud Salam - bastaria olhar com um mínimo de atenção o próprio projeto da "Casa da Família Abraâmica" em construção: descobrir-se-ia de fato que os três lugares de culto - mesquita, igreja e sinagoga - surgirão em três prédios distintos, e cada um deles expressará claramente a sua ligação com a respectiva comunidade de fé. Nas três construções, os ritos e as liturgias decorrerão de acordo com as suas respectivas tradições, como já acontece há séculos em muitas cidades do Médio Oriente, onde muitas vezes se encontram lado a lado, na mesma área, igrejas, sinagogas e mesquitas.

As diferentes tradições de fé - continua o juiz egípcio - compartilham muitas vezes as mesmas aspirações de paz e justiça, e certamente a Casa da Família abraâmica - que no próprio nome se refere ao vínculo que une judeus, cristãos e muçulmanos ao Patriarca Abraão, pai de todos os crentes - certamente vai querer representar um sinal desta partilha. O que não diminui a especificidade e riqueza das tradições de cada comunidade de crentes.

Em 8 de novembro, participando do décimo aniversário da fundação da Casa da família egípcia - um órgão de ligação inter-religiosa ativo há alguns anos para prevenir ou mitigar conflitos sectários -, o próprio Xeque Ahmed al Tayyeb alertou contra aqueles que propagam uma falsa imagem de fraternidade entre religiões segundo as quais judaísmo, cristianismo e islamismo são apenas correntes de uma única religião "abraâmica", evidenciando a pretensão violenta que se esconde em toda tentativa teórica de querer necessariamente unir todos os homens em uma única pertença religiosa.

Recentemente, também o Patriarca copta ortodoxo Tawadros II tomou distância das fórmulas e teorias que tendem a prefigurar a existência de uma hipotética "religião abraâmica", na qual convergiriam o judaísmo, cristianismo e islamismo. Esta ideia - salientou ele - parece "categoricamente inaceitável", representa uma negação das três fés monoteístas e é teorizada e utilizada apenas em chave política, para apagar as características do judaísmo, cristianismo e islamismo.

*Com Agência Fides

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17 janeiro 2022, 11:23