Inclusão de pessoas com TEA na família, escola e sociedade
Profa. Dra. Sumaia Medlej Pimentel Sá
Prof. Pe Dr. Rafael Cerqueira Fornasier
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) expressa uma condição de saúde. Há um desvio no desenvolvimento que acarreta prejuízos na interação social e na linguagem, afetando o desenvolvimento como um todo. Embora seu diagnostico não indique necessariamente que a pessoa é doente, o TEA vem carregado de estigma e discriminação, sendo com frequência assimilado pela família e pela sociedade como sinônimo de dependência. A crença de que a pessoa com TEA é incapaz de auto gerir-se e auto cuidar-se deixa transparecer a maneira como a sociedade lida com a diversidade.
Devemos pensar no TEA enquanto manifestação da diversidade humana, e na diversidade como uma forma própria de estar no mundo. Sempre que enxergamos as diferenças existentes na sociedade de forma negativa, nós as reduzimos a incapacidades. Com efeito, O Papa Francisco, na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (Alegria do Evangelho, n. 66, recorda que a família, “célula básica da sociedade”, é “o espaço onde se aprende a conviver na diferença [...]”.
O preconceito que acompanha o diagnóstico de TEA impacta significativamente sua família e seu grupo social. A família sente-se “ameaçada” na sua unidade, pois cada um vivencia o fato de ter um de seus membros com TEA com sentimentos e afetos diversos. Se, por um lado, a simples presença da pessoa com TEA causa um estresse por modificar a dinâmica, a rotina, as relações familiares e reduzir os contatos sociais, por outro, faz com que cada membro da família possa repensar atitudes e valores. Cabe, portanto, à família se reposicionar e construir sua própria história, através das experiências vivenciadas pela convivência e pelo cuidar da pessoa com TEA. A família pode e deve ativar a sua reflexividade relacional diante desta convivência, orientando-se, assim, a assumir atitudes, posturas, ou virtudes de cooperação, reciprocidade, confiança e também de resiliência.
O cuidado, a atenção e o afeto dispensados pela família a seu membro com TEA é essencial para que ele possa ter seu desenvolvimento otimizado. Podemos afirmar que sendo a família o primeiro e principal locus do desenvolvimento, é nela e por ela que o processo de inclusão das pessoas com TEA se inicia e se fortalece. É ela que se torna o alicerce sobre o qual são construídas as habilidades necessárias para a socialização da pessoa com TEA.
Tradicionalmente, o cuidar tem raízes na família, sendo este feminino. Às mulheres é confiado o cuidado intergeracional. Com frequência, mães, e, mais recentemente, avós têm assumido o cuidar das pessoas com TEA, desenvolvendo mecanismos próprios de enfrentamento que variam de acordo com suas crenças e recursos disponíveis. O desafio para essas mães/ mulheres cuidadoras é conhecer mais sobre o TEA, pois a falta de conhecimento faz com que ela se veja frente a algo que lhe é estranho, e o que não conhecemos, frequentemente negamos e nos afastamos.
No processo de inclusão, a falta de recursos e de acessibilidade à saúde, ao lazer e à educação tornam-se obstáculos a serem transpostos pela pessoa com TEA e sua família. Se por um lado esses obstáculos tornam-se risco para a ineficiência do processo de inclusão, podendo desencadear problemas emocionais e estresse familiar, por outro lado, vivenciar as dificuldades da convivência com a diversidade pode fazer com que a família desenvolva maior cooperação entre si, e lide melhor com conflitos e com preconceitos, lutando contra o capacitismo e, consequentemente, contribuindo para a relação deste membro familiar com a sociedade, a qual, ao contrário da família, que quase sempre é receptiva à pessoa com TEA, frequentemente é excludente.
A família funciona como apoio e proteção. O acolhimento da família a esse membro que é diferente, quando permeado de amor e respeito à sua individualidade, é facilitador da sua inserção na comunidade. A discriminação, por sua vez, impede a participação social das pessoas com TEA. As barreiras encontradas por estas pessoas e suas famílias não são apenas sociais e educacionais, são principalmente atitudinais. A rede social formada por parentes e amigos é imprescindível para prestar apoio e auxiliar na resolução das dificuldades minimizando o estresse familiar.
O acesso à educação da pessoa com TEA é garantido pela Lei nº. 12.764/2012, que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. Porém, o acesso nem sempre é acompanhado de acolhimento às diferenças individuais. Incluir pessoas com TEA no ambiente escolar é importante não somente por estimular habilidades e competências, mas também por favorecer as interações sociais. A inclusão de pessoas com TEA no ambiente escolar pode favorecer esses contatos sociais e contribuir não só para o seu desenvolvimento, como também para o das outras pessoas, ditas típicas, na medida em que estas aprendem a conviver com a diversidade.
Por fim, incluir é aceitar as diferenças, valorizar a pessoa humana, acreditar que todos têm direito à participação social e contribuem de algum modo com o desenvolvimento da sociedade. É proporcionar igualdade de oportunidade para todos, garantindo o acesso à saúde, educação e lazer. Para tanto, há que se eliminar preconceitos, discriminações injustas, barreiras sociais e atitudinais. Ao acolher as pessoas como elas são, podemos não somente ajudá-las a desenvolver seu potencial, como também somos ajudados por elas a nos tornar seres mais humanos.
“Eu sei que você e eu
Nunca fomos iguais.
E eu costumava olhar para as estrelas à noite
E queria saber de qual delas eu vim
Porque eu pareço ser parte de um outro mundo
E eu nunca saberei do que ele é feito.
A não ser que você me construa uma ponte.
Construa-se uma ponte,
Construa-me uma ponte de amor.”
(Mc Kean, 1994, Autista, 28 anos, escritor)
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