Caracciolo: "Trabalhar imediatamente por um cessar-fogo entre a Rússia e a Ucrânia"
ANDREA TORNIELLI
Uma trégua, uma parada na luta. Uma "não-guerra", situação muito distante da paz. Mas pelo menos cessariam os bombardeios e a contínua perda de vidas. É o que propõe Lucio Caracciolo, diretor da revista "Limes", que uma referência respeitada em análise geopolítica. Desde que iniciou a guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, "Limes" ofereceu aprofundamentos para entender o que está acontecendo também à luz da história recente. A mídia do Vaticano o entrevistou a partir das palavras de Francisco.
No Angelus de domingo, 3 de julho, o Papa Francisco pediu uma paz que não seja mais “baseada no equilíbrio de armamentos, no medo recíproco”. Por que parece tão difícil hoje se chegar a uma negociação?
Há uma diferença em relação ao período da Guerra Fria, quando comunistas, democratas liberais, capitalistas etc. se condenavam moralmente uns aos outros, mas se respeitavam mais. Hoje não há diferença ideológica, mas há uma desconfiança recíproca quase total: não se confia uns nos outros, enquanto na época da Guerra Fria, paradoxalmente, se confiava. Muitas vezes acontece hoje que algo é dito algo que é entendido de outra forma pelo interlocutor: não há mais aquela linguagem comum que de alguma forma garantia a paz no momento do confronto entre os Estados Unidos e a União Soviética. Americanos e soviéticos se entendiam muito melhor do que americanos e russos se entendem hoje.
A Rússia preparou e desencadeou esta guerra e agora parece difícil pará-la.
Certamente - e para perceber isso basta ler os jornais - há quem deseje que a Rússia, que a quis e a começou, saia enfraquecida desta guerra. E que seja desencorajada a tomar novas iniciativas de guerra, na esperança de que esse enfraquecimento russo favoreça os Estados Unidos na competição com a China, dado o atual alinhamento entre os russos e os chineses. Para compreender o contexto, devemos também levar em consideração toda uma gama de países da Europa centro-oriental, praticamente desde a península escandinava passando pela Polônia até a Romênia, que por razões ligadas à história de seus povos consideram a Rússia um perigo mortal.
Neste meio tempo, recomeçou a corrida ao rearmamento, que o Papa qualificou de loucura. Qual a sua opinião a respeito?
Eu tenho uma ideia diferente. Embora possa parecer um paradoxo, na verdade é um fato: um certo grau de armamento reciprocamente reconhecido é considerado um fator de dissuasão, ou seja, um sistema para a manutenção da paz ou pelo menos de "não guerra". É claro, em um mundo ideal - que espero que um dia se torne realidade - o apelo do Papa contra o rearmamento representa a meta. No entanto, como vivemos em um mundo bastante imperfeito, que tende a se tornar assim cada vez, eu me contentaria com uma "não guerra". E hoje esta "não guerra", dada a falta de confiança recíproca e a falta de comunicação que mencionei anteriormente, só pode ser baseada em alguma forma de dissuasão. O problema é que nesta fase pode-se duvidar que a dissuasão ainda exista, porque está surgindo uma nova ideia do uso da bomba atômica através das chamadas bombas atômicas táticas: como elas são um pouco menos poderosas, se quer justificar seu eventual uso. Isso seria realmente chocante! Ou seja, se isso acontecesse, se esses dispositivos atômicos fossem usados, estaríamos diante de um massacre total.
Que soluções de negociação você vê possíveis, para o presente e para o futuro, para parar a guerra na Ucrânia?
Infelizmente, há uma inércia das guerras e existe também uma economia de guerra. Existe a falta de comunicação e ódios que sugerem que esta guerra não terminará em breve. Minha impressão é que o conflito está destinado a durar muito tempo. Mas também estou convencido de que nos próximos dois ou três meses podemos e devemos tentar alcançar o objetivo de um cessar-fogo. Atenção: estou falando de uma trégua, não de um tratado de paz ou de uma decisão que põe em questão fronteiras e divisões territoriais. Estou apenas falando sobre a suspensão dos combates, para que se deixe de disparar e de bombardear. Com a esperança de que essa trégua possa então se tornar, por falta de alternativas, se não um dado permanente, pelo menos um dado muito prolongado, nos moldes coreanos.
O que você propõe, no entanto, significaria de alguma forma "congelar" uma ordem, que é a atual da situação de guerra e que vê o exército russo controlar uma parte do território ucraniano após invadi-lo ...
Sim, mas o "congelamento" de que falo não seria um fim em si mesmo, mas sim um meio para diminuir a tensão e assim evitar a perda de outras vidas humanas e bens materiais. No entanto, também poderia se tornar um primeiro passo para finalmente iniciar um diálogo e alcançar a paz. No entanto, gostaria de acrescentar que, na minha opinião, a paz é muito difícil nas condições atuais: há falta de confiança e também falta de certeza, quer para Putin como para Zelensky, sobre seu futuro após a eventual negociação. Com essas premissas, mesmo um cessar-fogo por si só não será fácil de ser aceito, tanto para um quanto para outro. No entanto, neste momento, a trégua é uma necessidade e uma possibilidade: ambos os países estão de fato bastante exaustos do ponto de vista militar.
O que a Europa poderia fazer a mais para alcançar este resultado?
Infelizmente, percebe-se uma ausência... é um fato que tendemos a mimetizar com a retórica da Europa, que no entanto acaba se confrontando com a realidade: falta um sujeito geopolítico europeu. Aliás, nunca como neste caso, infelizmente, vemos quão diferentes são as posições e interesses que dividem os países europeus. Há certamente um bloco anti-russo. E depois há um bloco que seria um erro definir pró-russo, mas que parece mais inclinado a entrar em negociações e que inclui Itália, França, Alemanha e, em geral, a Europa Ocidental. Depois, há a posição húngara que é abertamente pró-russa. Novamente, há a posição inglesa que é semelhante à americana, porém um passo à frente. E, finalmente, queremos falar sobre a Turquia? Em suma, no espaço europeu e especificamente no da União Europeia e no da OTAN, há muitas posições diferentes. No entanto, estou convencido de que nada disso pode ser realmente conclusivo. Porque acredito que os Estados Unidos são quem realmente pode persuadir russos e ucranianos à paz.
Seria no entanto desejável uma posição unitária por parte Europa?
Não é um tempo de auspícios, mas de fatos. Então, um dia, quem sabe, talvez veremos uma Europa unida falando a uma só voz. Mas como esse objetivo não me parece existir no horizonte, pelo menos nos próximos anos, acredito que devemos agir imediatamente e, então, cada país europeu pode desempenhar um papel. A Turquia certamente também está desempenhando um. Mas, em última análise, estou convencido de que, do ponto de vista estratégico, o que se desencadeou com a invasão da Ucrânia pelo exército russo pode ser considerada, de alguma forma, uma guerra indireta e não declarada entre russos e americanos, tendo no meio também a China como oponente dos Estados Unidos e alinhada com a Rússia. E, portanto, sua solução é uma questão para as grandes superpotências e não para as potências médias ou em qualquer caso para as potências europeias. Acredito que apenas os telefonemas entre Putin e Biden e entre Biden e Zelensky, enfim, uma triangulação com Washington, poderiam dar luz verde a uma negociação.
Você acha que o atual governo russo possa implodir, como afirmam alguns analistas?
A questão é mais complicada do que se possa acreditar, porque quando um governo implode na Rússia, também implode o Estado. Vimos isso na Revolução de Outubro, vimos com o fim gorbacheviano da União Soviética. Nunca é apenas uma simples mudança de regime: muda o Estado no sentido estrito do termo, mudam as fronteiras, mudam as instituições, mudam as estruturas. Assim, se por hipótese Putin perdesse o poder devido a uma guerra e não simplesmente porque foi derrotado nas eleições - esta última circunstância que neste momento me parece um pouco difícil - nesse ponto seria provável que o colapso da Federação seguiria. Não devemos esquecer que a Federação Russa não foi criada por alguém com algum propósito: é simplesmente o resultado da decomposição da União Soviética. Basicamente, a Rússia e a Ucrânia são dois Estados pós-soviéticos que, no final daquela operação de desmantelamento da URSS que ocorreu entre o final dos anos 1980 e o início dos anos 1990, se encontravam em uma condição que ambos consideram temporária.
Você concorda com a decisão dos governos ocidentais de enviar armas para fins defensivos à Ucrânia atacada?
Considero que tenha sido correto enviar armas para a Ucrânia atacada e que é correto continuar a fazê-lo, dentro de certos limites e sob duas condições. A primeira é que através desse fato de solidariedade prática, pragmática, ou seja, de armar a parte mais fraca e mais atacada do campo, podemos influenciar de alguma forma quem estamos ajudando. E a segunda condição é que a Ucrânia não deve, na minha opinião, pedir armas e depois usá-las para atacar diretamente a Rússia ou outro país. Para se defender, tudo bem, mas além disso, não. Por último, gostaria de acrescentar que, apesar de toda a ajuda militar que nós, ocidentais, enviámos, esta não se revelou decisiva. Porque agora, o que os ucranianos precisam, além de armas e ainda mais armas, são homens, são soldados. E esses chegam em quantidades limitadas e essencialmente na forma de mercenários.
No entanto, continuamos a comprar gás russo, sem o qual teríamos dificuldade em aquecer as nossas casas. Então, de fato, como apontou Gaël Giraud na entrevista anterior, financiamos indiretamente a guerra de Putin...
Não há duvidas. Mas também é verdade que temos que viver e, se não houver gás, nossos países estão praticamente acabados. A situação na Alemanha é particularmente grave; na Itália talvez menos, mas claramente a energia é absolutamente existencial para nossos países, não é um bem supérfluo. Por outro lado, a Ucrânia também compra reservas de gás dos russos. Durante a Guerra Fria, a União Soviética e os países europeus da OTAN venderam e compraram gás. Em suma, este não é tanto o ponto. Por outro lado, um cessar-fogo deve ser alcançado rapidamente, o que também implica uma redução de sanções e contra sanções. Porque não há apenas guerra no terreno, há também uma guerra econômica que corre o risco de ter efeitos devastadores para a humanidade como um todo, e para as partes mais fracas da humanidade ainda mais do que as causas da guerra.
O Papa, citando um chefe de Estado, falou dos "latidos da OTAN nas fronteiras russas", palavras que provocaram discussão. Qual é a sua reflexão sobre isso?
Acredito que o que caracteriza esta guerra é a prevalência total da propaganda sobre a análise realista. A análise realista não significa de forma alguma justificar o agressor. Em vez disso, significa tentar se colocar no lugar dele, tentar raciocinar como ele pensa e entender por que ele faz certas coisas e não outras. Agora, não resta dúvidas de que quando decidimos levar a OTAN para dentro do espaço pós-soviético e talvez até perto dos muros do Kremlin, o fizemos por duas razões principais. A primeira é que, do nosso ponto de vista, ter espaços vazios entre nós e a Rússia não era o ideal. E a segunda é ter pensado que dessa forma poderia ser criada uma pressão permanente sobre a Rússia, sem, no entanto, uma clareza básica sobre o que se desejava realmente alcançar. Ampliamos a OTAN sabendo como pensam os russos. Independentemente do regime que a governa - seja czarista, democrata, fascista ou comunista - a Rússia se sentiu e se sente de alguma forma cercada pelo Ocidente e sem fronteiras naturais. Os russos acreditam que um espaço bastante grande entre Moscou, ou São Petersburgo, e os possíveis "invasores" é indispensável. Sabíamos disso e não consideramos. Mas quero dizer muito claramente que o que foi dito acima não pode de forma alguma justificar - e de fato torná-la ainda mais estúpida e criminosa - a agressão contra a Ucrânia, que acabou reduzindo o poder russo em vez de aumentá-lo.
• A mídia vaticana publica insights sobre as palavras do Papa Francisco sobre a guerra na Ucrânia e sobre possíveis soluções para uma negociação: os entrevistados expressam suas opiniões que não são atribuíveis à Santa Sé
Obrigado por ter lido este artigo. Se quiser se manter atualizado, assine a nossa newsletter clicando aqui e se inscreva no nosso canal do WhatsApp acessando aqui