Padre Tony Neves em Tefé, Amazónia dentro
Padre Tony Neves – Tefé
Levantei voo em Manaus rumo a Tefé, seguindo o Rio Solimões na direção da nascente, entrando no coração da Amazónia. Lá de cima, vê-se bem que é tempo de chuvas, pois as florestas estão alagadas e só se vê água e árvores. Aterrei em Tefé, uma cidade ribeirinha, com um calor abafado e difícil de suportar, a capital da castanha do Pará (como provam as estátuas), construída há 168 anos (como dizem os cartazes), junto ao lago com o mesmo nome, uma espécie de baía do grande Solimões.
Os primeiros três dias vivi-os no Bom Jesus, um dos bairros periféricos pobres da cidade, cuja paróquia foi fundada pelos Espiritanos e continua animada por eles. As casas são muito pobres, as ruas fracas, sempre a abarrotar de gente, motas, cães e, lá por cima, bandos de urubus (espécie de abutres) cuja missão - contou-me a gozar uma líder da comunidade – é assegurar a limpeza dos lixos no bairro! Segundo se percebe, são os funcionários mais eficazes e baratos da Prefeitura, pois trabalham de graça 24 sobre 24 horas! Tive direito a entrar em diversas casas onde sempre oferecem algo de típico para comer (como o ingá, tapioca de madioca…) ou de beber (sumo de camucamu). Mas passemos adiante: há sempre música no ar e as pessoas saúdam ao passar, dando aquele feliz ar de aldeia.
A área da Paróquia tem uma extensão que parece não acabar mais. Assim, primeiro de jeep, depois de mota, acompanhei o P. Emmanuel Chuwa, tanzaniano, nas visitas a algumas comunidades da floresta, para a celebração das Missas. Nesta estação das chuvas, o calor é fortíssimo e acho que o meu corpo mudou de água diversas vezes! Gostei muito da festa de S. João, na comunidade de Boa Vista. Nada de sardinhas, manjericos, marchas ou martelos! Mas havia foguetes (muito artesanais), um mastro que ostentava uma bandeira de São João e estava cheio de cocos, pacotes de batatas fritas, biscoitos ou rebuçados, que fizeram as delícias das muitas crianças quando, no fim da missa, foi deitado abaixo a golpes de machado. Também se acendeu a fogueira e se distribuiu comida e bebida pelo povo. Tive que provar o tacácá, uma espécie de sopa, muito quente e muito agressiva pelo picante que nos deixa a boca a arder e fumegar!
No dia seguinte, voltamos aos caminhos lamacentos da floresta. Depois de alguns kms de carro, tivemos que o deixar e seguir o resto do percurso a pé, até chegarmos à Fazenda da Esperança, uma instituição que acolhe e tenta recuperar jovens presos à droga e ao álcool. Transpirei que chegue, mas tal não impediu uma missa muito animada, um almoço fraterno com os jovens e até um jogo de ping pong e alguns minutos de descanso de guerreiro, numa rede feita com bocados de ramos de árvores. Regressamos a pé até ao carro, com a minha cabeça sempre a processar a conversa de um dos jovens que dizia ter medo das serpentes que atacam o galinheiro por causa dos ovos e as onças que vão vir, mais dia menos dia, atrás das galinhas! De facto, escolheram um local muito isolado do mundo, conquistando um terreno à floresta. É um paraíso, pela beleza, mas os riscos que correm também são grandes.
A Missa de domingo à tarde foi na Igreja Matriz do Bom Jesus, com o P. Flávio Gonzaga, novamente de regresso ao coração do bairro. Após a solene e viva Eucaristia, participei na festa joanina da Paróquia, no grande adro da Igreja. Jantar, bingo, quadrilha (uma espécie de rancho folclórico) e karimbó (dança de mulheres adultas com vestidos compridos e muito coloridos). Foi festa da rija, até às tantas.
Segunda entrei na cidade do Tefé para o encontro dos Superiores Espiritanos de toda a América Latina do Sul. Aqui se avaliaram os passos dados e se lançaram bases para compromissos futuros, nestes tempos que são desafiantes. A gastronomia ‘mata-me’ sempre: não resisti a um pirarucu frito (peixe enorme e muito saboroso), a um tambaqui (outro peixe fantástico), a um mingau de banana (cozido, batido e servido morno), a uma mousse de cupuassu (fruto parecido com o cacau), a um açaí (fruto de uma palmeira, moído para sair líquido) com tapioca. E, claro, em cima de todas as comidas se coloca farinha de macaxeira, uma espécie de mandioca.
Agora chegou o tempo de deixar a cidade, os seus bairros e as florestas, Vou-me fazer ao Lago, de canoa, de lancha ou de catraia e os próximos dias vou passa-los no Rio ou nas suas margens. Se tiverem paciência, vou pôr-vos a par destas ‘missões’ rio adentro!
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