Texto integral do encontro com os católicos da Bulgária
Nesta segunda-feira (06/05) depois do almoço com os bispos da Bulgária na igreja do Sagrado Coração de Rakovsky o Papa Francisco foi até a igreja católica de São Miguel Arcanjo para um encontro com a comunidade católica, durante o encontro o Santo Padre proferiu o seguinte discurso:
Queridos irmãos e irmãs,
Boa tarde! Agradeço-vos a calorosa receção, as danças e os testemunhos. É sempre motivo de alegria poder encontrar o Povo santo de Deus com os seus mil rostos e carismas.
O Bispo D. Iovcev pediu-me para vos ajudar a «ver com olhos de fé e amor». Antes de tudo, quero agradecer-vos porque me ajudastes a mim a ver melhor e a compreender um pouco mais o motivo pelo qual esta terra foi tão amada e significativa para São João XXIII, onde o Senhor estava a preparar algo que haveria de ser um passo importante no nosso caminho eclesial. No vosso meio, germinou uma forte amizade com os irmãos ortodoxos e isso impeliu-o por uma estrada capaz de gerar a tão suspirada e frágil fraternidade entre as pessoas e as comunidades.
Ver com os olhos da fé. Desejo recordar as palavras do «Papa bom», que soube sintonizar de tal modo o seu coração com o Senhor, que pôde dizer que não estava de acordo com as pessoas que ao redor de si mesmas só viam mal, chamando-as profetas da desgraça. Segundo ele, era preciso ter confiança na Providência, que nos acompanha continuamente e, no meio das adversidades, é capaz de realizar desígnios superiores e inesperados (cf. Discurso de abertura do Concílio Vaticano II, 11 de outubro de 1962).
Os homens de Deus são aqueles que aprenderam a ver, confiar, descobrir e deixar-se guiar pela força da ressurreição. Reconhecem – é verdade! – que existem situações ou momentos dolorosos e particularmente injustos, mas não ficam ociosos, assustados ou, pior ainda, alimentando um clima de incredulidade, mal-estar ou aborrecimento, porque isto nada mais faz do que prejudicar a alma, debilitando a esperança e impedindo qualquer solução possível. Os homens e as mulheres de Deus são aqueles que têm a coragem de dar o primeiro passo e, com criatividade, procuram colocar-se na linha da frente, testemunhando que o Amor não está morto, mas venceu todos os obstáculos. Arriscam, pois aprenderam que, em Jesus, arriscou o próprio Deus. Arriscou a própria carne, para que ninguém pudesse sentir-se sozinho ou abandonado.
Neste sentido, quero partilhar convosco uma experiência vivida algumas horas atrás. De manhã, tive a alegria de encontrar, no campo de refugiados de Vrazhedebna, deslocados e refugiados que vieram de vários países do mundo para encontrar uma situação de vida melhor daquela que deixaram, e também voluntários da Cáritas. Disseram-me lá que o coração do Centro é constituído pela consciência de que toda a pessoa é filha de Deus, independentemente da etnia ou confissão religiosa. Para amar alguém, não é preciso pedir-lhe o seu currículo; o amor precede, antecipa-se. Porque é gratuito. Naquele Centro da Cáritas, são muitos os cristãos que aprenderam a ver com os próprios olhos do Senhor, o Qual não se detém nos adjetivos, mas procura e atende a cada um com olhar de Pai. Ver com os olhos da fé convida-nos a passar a vida, não colando etiquetas nem classificando quem é digno de amor e quem não o é, mas procurando criar as condições para que cada pessoa possa sentir-se amada, sobretudo quem se sente esquecido por Deus porque é esquecido pelos seus irmãos. Quem ama, não perde tempo em lamentos, mas procura sempre algo de concreto que possa fazer. Naquele Centro, aprenderam a ver os problemas, reconhecê-los, enfrentá-los; deixaram-se interpelar e procuraram discernir com os olhos do Senhor. Como disse o Papa João, «nunca conheci um pessimista que tenha concluído algo de bom». O Senhor é o primeiro a não ser pessimista e procura continuamente abrir, para todos nós, caminhos de Ressurreição. Como é belo quando as nossas comunidades lembram um canteiro de obras de esperança!
Mas, para adquirir o olhar de Deus, precisamos dos outros, precisamos que nos ensinem a olhar e sentir como Jesus olha e sente; que o nosso coração possa palpitar com os próprios sentimentos d’Ele! Por isso, gostei de ouvir Mitko e Miroslava, com o seu anjinho Bilyana, dizer-nos que, para eles, a paróquia sempre foi a segunda casa, o lugar onde sempre encontram, graças à oração comunitária e ao apoio das pessoas amigas, a força para prosseguir.
Assim, a paróquia transforma-se numa casa no meio de todas as casas e é capaz de tornar presente o Senhor precisamente lá onde cada família, cada pessoa procura diariamente ganhar o seu pão. Lá, na encruzilhada das estradas, encontra-Se o Senhor, que não quis salvar-nos com um decreto, mas entrou e deseja entrar no mais íntimo das nossas famílias para nos dizer, como aos discípulos, «a paz esteja convosco!»
Fico feliz em saber que considerais boa esta «máxima» que gosto de partilhar com os cônjuges: «Nunca vades dormir zangados, nem uma noite sequer» (e convosco, pelo que vejo, funciona). Uma máxima, que pode servir também para todos nós, cristãos. Como contastes vós mesmos, é verdade que se passa através de várias provas; por isso, é necessário estar atentos para que a ira, o ressentimento ou a amargura nunca se apoderem do coração. Nisto, devemos ajudar-nos uns aos outros, cuidar uns dos outros, para que não se apague a chama que o Espírito acendeu no nosso coração.
Reconheceis – e disso vos sentis agradecidos – que os vossos sacerdotes e irmãs cuidam de vós. Mas, quando vos ouvia, impressionou-me aquele sacerdote que falou, não da sua boa prestação durante estes anos de ministério, mas das pessoas que Deus colocou junto dele para o ajudar a tornar-se um bom ministro de Deus.
O povo de Deus agradece ao seu pastor, e o pastor reconhece que aprende a ser crente com a ajuda do seu povo, da sua família e no meio deles. Uma comunidade viva que apoia, acompanha, integra e enriquece. Nunca separados, mas unidos é que cada um aprende a ser sinal e bênção de Deus para os outros. Sem o seu povo, o sacerdote perde a identidade, e, sem os seus pastores, o povo pode fragmentar-se. A unidade do pastor que apoia e luta pelo seu povo, e este que apoia e luta pelo seu pastor. Cada qual dedica a sua própria vida aos outros. Ninguém pode viver apenas para si mesmo; vivemos para os outros. É o povo sacerdotal que pode dizer com o sacerdote: «Este é o meu corpo, que será entregue por vós». Assim, aprendemos a ser uma Igreja-família-comunidade que acolhe, escuta, acompanha, preocupa-se com os outros, revelando o seu verdadeiro rosto, que é rosto de mãe. Igreja-mãe que vive e assume os problemas dos filhos, não dando respostas pré-fabricadas, mas procurando em conjunto caminhos de vida, de reconciliação; procurando tornar presente o Reino de Deus. Igreja-família-comunidade que se ocupa dos nós da vida, tratando-se muitas vezes de grandes emaranhados e, antes mesmo de os desfazer, assume-os, ocupa-se deles e ama-os.
Uma família entre as famílias, disponível – como nos dizia a irmã – para testemunhar ao mundo de hoje a fé, a esperança e o amor ao Senhor mas também àqueles que Ele ama com predileção. Uma casa com as portas abertas...
Neste sentido, tenho uma incumbência para vós. Na fé, sois filhos das grandes testemunhas que foram capazes de testemunhar com a sua vida o amor do Senhor nestas terras. Os irmãos Cirilo e Metódio, homens santos e com grandes sonhos, convenceram-se de que a forma mais autêntica para falar com Deus era fazê-lo na sua própria língua. Isto deu-lhes a audácia necessária para se decidirem a traduzir a Bíblia, a fim de ninguém ficar privado da Palavra que dá vida.
Hoje, ser uma casa com as portas abertas, na esteira de Cirilo e Metódio, requer também saber ser audazes e criativos interrogando-se como será possível traduzir, de maneira concreta e compreensível para as gerações jovens, o amor que Deus tem por nós. Sabemos e experimentamos que, «nas estruturas habituais, muitas vezes os jovens não encontram resposta para as suas inquietudes, necessidades, problemas e feridas» (Francisco, Exort. ap. pós-sinodal Christus vivit, 202). E isto pede-nos um novo esforço de imaginação nas nossas ações pastorais, para procurar o modo de alcançar o seu coração, conhecer as suas expetativas e encorajar os seus sonhos, como comunidade-família que apoia, acompanha e convida a olhar o futuro com esperança. Uma grande tentação enfrentada pelas novas gerações é a falta de raízes que as sustentem, levando-as ao desenraizamento e a uma grande solidão. Os nossos jovens, no momento em que são chamados a expressar todo o potencial que possuem, muitas vezes ficam a meio do caminho por causa das frustrações ou das desilusões que sentem, pois não têm raízes onde apoiar-se para olhar em frente (cf. ibid., 179-186). E isto agrava-se, quando são forçados a deixar a própria terra, a sua pátria, a própria família.
Não tenhamos medo de aceitar novos desafios, desde que nos esforcemos com todos os meios por fazer com que o nosso povo não fique privado da luz e consolação que brotam da amizade com Jesus, não fique privado duma comunidade de fé que o sustente e dum horizonte sempre estimulante e renovador que lhe dê sentido e vida (cf. Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium, 49). Não esqueçamos que as páginas mais belas da vida da Igreja foram escritas quando, com criatividade, o Povo de Deus se colocava em movimento procurando traduzir o amor de Deus em cada momento da história, com os desafios que pouco a pouco ia encontrando. É belo saber que podeis contar com uma grande história vivida, mas mais belo ainda é tomar consciência de que vos foi concedido, a vós, escrever aquilo que vai vir. Não vos canseis de ser uma Igreja que continua a gerar, por entre contradições, amarguras e necessidades, os filhos de que esta terra precisa hoje, nos começos do século XXI, mantendo um ouvido atento ao Evangelho, e o outro ao coração do vosso povo.
Agradeço-vos por este maravilhoso encontro e, pensando no Papa João, gostaria que a bênção, que agora vos dou, seja uma carícia do Senhor para cada um de vós.
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