Papa Francisco: a oração dos cristãos seja o respiro da Igreja
Texto inédito de Papa Francisco
O batismo é o início da vida nova. Mas o que quer dizer vida nova? A vida nova do batismo não é nova como quando trocamos de trabalho ou nos transferimos para uma outra cidade e dizemos: comecei uma nova vida. Nesses casos, claro, a vida muda, talvez até muito, é diferente daquela precedente: melhor ou pior, mais interessante ou trabalhosa, depende dos casos. As condições, o contexto, os colegas, os conhecidos, talvez até as amizades, a casa, o salário são diferentes. Mas não é uma vida nova, é a mesma vida que continua.
A vida nova do batismo é diferente inclusive de viver uma mudança radical dos nossos sentimentos por uma paixão ou uma decepção, uma doença, um imprevisto importante. Coisas do gênero podem nos acontecer como um terremoto, interior e exterior: podem mudar os valores, as escolhas primárias: afetos, trabalho, saúde, serviço aos outros… Antes, talvez, se pensava na carreira e, depois, se começava a fazer voluntariado, de fato, até mesmo em fazer da própria vida um dom para os outros! Primeiro não se pensava em construir uma família; depois se experimenta a beleza do amor conjugal e familiar.
Até essas, que são mudanças grandes, extraordinárias, são ainda “só” transformações. São alterações que nos levam a uma vida mais bonita e dinâmica, ou mais difícil e trabalhosa. Não é um caso que, quando as contamos, usamos sempre o mais e o menos. Dizemos que fizeram a nossa existência mais bonita, mais alegre, apaixonante. É porque ainda estamos fazendo comparações entre coisas mais ou menos semelhantes. É como se dimensionássemos as coisas sob uma escala de valores. A vida antes era alegria 5, agora é alegria 7; a saúde antes era 9, agora é 4. Mudam os números, mas não a essência da vida!
Mas a vida nova do batismo não é nova só em relação ao passado, à vida precedente, à vida de antes. Nova não quer dizer recente, não quer dizer que houve uma alteração, uma mudança.
A vida de Deus é comunhão e nos foi dada como uma amizade
A vida nova de que fala São Paulo nas suas cartas nos lembra o mandamento novo de Jesus (cfr. Jo 13, 34); nos lembra o vinho novo do Reino (cfr Mc 14,29), o canto novo que os salvos cantam diante do trono de Deus (cfr Ap 5,9): das realidades definitivas, diríamos, com uma palavra teológica, escatológicas.
Então entendemos que, para a vida nova, não é possível fazer comparações. Podem ser comparadas a vida e a morte, ou a vida antes e depois do nascimento? Cristo não se fez um de nós, não viveu a sua Páscoa de paixão, morte e ressureição para “melhorar” a nossa vida, para torná-la mais bonita, mais saborosa, maior, mais intensa, fácil e feliz. Ele veio, como nos disse, para que tenhamos vida em abundância (cfr Jo 10,10).
Essa é a vida nova, a vida que Deus Pai nos presenteia no batismo. É nova porque é uma outra vida em relação à nossa porque é realmente a Sua, é a própria vida de Deus. Esse é o grande presente que nos deu e que nos dá Jesus! Participar do amor do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Participar do amor que Eles têm por todos os homens e por toda a criação. A vida nova é a vida de Deus presenteada a nós!
Desde sempre nós, cristãos, buscamos imagens e símbolos para expressar esse presente imenso. Somos muitos, diferentes, e, mesmo assim, somos uma coisa só, somos a Igreja. E essa unidade é aquela do amor, que não obriga, não humilha, não nos limita, mas nos reforça, nos constrói todos juntos e nos torna amigos.
Jesus tem uma expressão belíssima no Evangelho: “E a vida eterna é esta: que te conheçam, a ti só, por único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste.” (Jo 17,3). É Ele mesmo a nos dizer assim que a vida verdadeira é o encontro com Deus; e que o encontro com Deus é o conhecimento de Deus.
Sabemos, depois, da Bíblia, que não se conhece uma pessoa só com a cabeça, porque conhecer significa amar. E essa é a vida de Deus que nos foi doada: o amor que vira nosso e, devagar, nos faz crescer, graças ao Espírito Santo (Rm 5,5), e ilumina também nossos pequenos “obrigado, posso?, desculpa” de todos os dias.
Mesmo que as palavras sejam inadequadas, pode-se dizer que a vida nova é descobrir-se de Alguém, pertencentes a Alguém e n’Ele pertencer a todos. Pertencentes quer dizer que todo mundo é para o outro.
Isso me lembra aquilo que diz a esposa do Cântico dos cânticos: “O meu amado é meu e eu sou sua” (Ct 2, 16). Eis que, dia após dia, o Espírito Santo está realizando a oração de Jesus ao Pai: “Minha oração não é apenas por eles. Rogo também por aqueles que crerão em mim, por meio da mensagem deles,
para que todos sejam um, Pai, como tu estás em mim e eu em ti. Que eles também estejam em nós” (Jo 17,20-21).
Uma das imagens mais antigas – usada já por São Paulo, para expressar essa pertença, essa com-vida – é aquela do corpo, em que Cabeça é Cristo e nós somos os membros (“Ora, vocês são o corpo de Cristo, e cada um de vocês, individualmente, é membro desse corpo”: 1Cor 12,27).
O símbolo do corpo
Há no corpo humano algumas funções essenciais como o batimento do coração e a respiração. Eu gosto de imaginar que a oração pessoal e comunitária de nós, cristãos, seja o respiro, o batimento cardíaco da Igreja que infunde a própria força no serviço de quem trabalha, de quem estuda, e quem ensina; que torna fecundo o conhecimento das pessoas instruídas e a humildade das pessoas simples; que dá esperança à persistência de quem combate a injustiça.
A oração é o nosso dizer sim ao Senhor, ao seu amor que nos alcança; é acolher o Espírito Santo que, sem nunca se cansar, derrama amor e vida sobre todos.
Dizia São Serafim de Sarov, um grande mestre espiritual da Igreja russa: “receber o Espírito Santo de Deus é, então, o verdadeiro fim da nossa vida cristã ao ponto que, a oração, as vigílias, o jejum, a esmola e as outras ações virtuosas feitas em Nome de Cristo não são que meios para esse fim” (São Serafim de Sarov, Diálogo com Motovilov). Nem sempre temos consciência de respirar, mas não se pode parar de respirar.
Francisco
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