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O Papa: não a histórias falsas e destrutivas, contar o bem que une

Na 54ª Mensagem para as Comunicações Sociais sobre o tema "Para que possas contar e fixar na memória (Ex 10, 2). A vida faz-se história", Francisco se detém sobre o valor da narração. O Papa faz uma exortação urgente, também para o mundo católico, a vencer a tentação das histórias destrutivas

Alessandro Gisotti

As histórias “podem ajudar-nos a entender e a dizer quem somos” porque “o homem é um ser narrador” que precisa “revestir-se de histórias para custodiar a própria vida”. O Papa Francisco ressalta isso em sua Mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais de 2020, publicada esta sexta-feira (24/01) memória de São Francisco de Sales, padroeiro dos jornalistas.

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Uma mensagem que, todavia, abraça um horizonte bem mais amplo do que a profissão jornalística, como efetivamente Francisco nos habituou desde sua primeira Mensagem para as Comunicações Sociais, a de 2014, quando traçou uma união ideal entre a figura evangélica do Bom Samaritano e a missão realizada hoje pelos “bons comunicadores”.

Num tempo marcado pelo uso instrumental da palavra, utilizada para causar divisão, “doença” da qual infelizmente o mundo católico não é imune, o Papa nos recorda que a comunicação é autêntica se edifica, não se destrói. Se é “humilde” na “busca da verdade”, como já ressaltado na audiência de maio passado aos jornalistas da Associação Imprensa Estrangeira.

E diante do propagar-se de narrações “falsas e malvadas” – até a sofisticada aberração do deep fake (profunda falsificação) –, o Papa encoraja a fazer de modo que a narração fale “de nós e do belo que nos habita” ajudando “a reencontrar as raízes e a força para seguir adiante juntos”. Precisamos – é a sua exortação – “respirar a verdade das boas histórias”.

A Sagrada Escritura, uma “História de histórias”

Na Mensagem é citada a storytelling, técnica sempre mais em voga em vários ambientes da publicidade à política, mas a narração pensada por Francisco não segue lógicas mundanas. Tem um valor mais profundo que “recorda aquilo que somos aos olhos de Deus”. De resto, uma indicação reveladora daquilo que o Papa considera ser um modelo de narração vem já do tema escolhido para a Mensagem: “Para que possas contar e fixar na memória (Ex 10, 2). A vida faz-se história”.

A Sagrada Escritura, observa o Pontífice, é “uma História de histórias” e acrescenta que a Bíblia nos mostra “um Deus que é criador e ao mesmo tempo narrador”. Propriamente “através do seu narrar – prossegue – Deus chama as coisas à vida e, no ápice, cria o homem e a mulher como seus livres interlocutores”.

Na iminência da celebração do “Primeiro Domingo da Palavra de Deus”, instituída com a Carta Apostólica Aperuit Illis, Francisco nos convida, portanto, também com esta Mensagem, a fazer-nos próximos da Sagrada Escritura, a fazê-la nossa, recordando-nos que “a Bíblia é a grande história de amor entre Deus e a humanidade”. Por outro lado, como nos ensina o Livro do Êxodo – do qual o tema da Mensagem é extraído – aprendemos que “o conhecimento de Deus se transmite sobretudo contando, de geração em geração, como Ele continua se fazendo presente”.

A tentação das narrações falsas e malvadas

Uma parte importante do documento é dedicada pelo Papa às “histórias destrutivas” que descreve com palavras que recordam o caráter imediato das homilias feitas na Casa Santa Marta. Mais uma vez – como na Mensagem para as Comunicações de 2018 dedicada ao fenômeno das fake news -, Francisco chama a atenção para a tentação da serpente, narrada no Livro do Gênesis, que “insere na trama da história um nó difícil de desfazer-se”. O Papa denuncia aquelas histórias que “nos entorpecem, convencendo-nos de que para ser felizes precisamos continuamente ter, possuir, consumir”.

E, retomando um tema que tem muito a peito, estigmatiza a avidez de “boatos e mexericos” dos quais “quase não nos damos conta”, bem como a muita “violência e falsidade” que “consumimos”. A consequência última é o difundir-se de “histórias destrutivas e provocatórias que consumam e quebram os fios frágeis da convivência”. É colocada em risco a dignidade humana, lê-se na Mensagem, que é espoliada pela união de “informações não verificadas” com a repetição de “discursos banais e falsamente persuasivos” que golpeiam “com proclamações de ódio”.

A tudo isso, pede que se reaja com “coragem” para repelir tais ameaças. Num mundo que suporta “tantas dilacerações”, Francisco faz votos de que se possa “reconduzir à luz a verdade daquilo que somos, inclusive na heroicidade ignorada do cotidiano”.

Nenhuma história humana é insignificante aos olhos de Deus

Em seguida, o Papa dirige a atenção para a história de Jesus, que mostra como Deus cuidou do homem e que para Ele “não existem histórias humanas insignificantes ou pequenas”. Por obra o Espírito Santo – acrescenta – toda história, mesmo a mais esquecida”, pode “renascer como obra-prima, tornando-se um apêndice de Evangelho”. Cita algumas histórias que “admiravelmente encenaram o encontro entre a liberdade de Deus e a do homem” das Confissões de Agostinho e os Irmãos Karamazov.

Convida a ler as histórias dos santos e a partilhar aquelas “histórias que têm perfume de Evangelho” que cada um de nós conhece. “Contar a Deus a nossa história jamais é inútil”, reitera, porque “ninguém é um figurante na cena do mundo e a história de cada um é aberta a uma possível mudança”. Por isso, observa, “também quando contamos o mal” podemos reconhecer o bem e “dar-lhe espaço”.

A Mensagem conclui-se com uma oração a Maria a fim de que possa ouvir nossas histórias, possa custodiá-las. Evocando uma imagem querida para Francisco e presente também na Casa Santa Marta, pede à Virgem que desfaça “o cúmulo de nós em que é emaranhada a nossa vida”, ajudando-nos a “construir histórias de paz e de futuro”.

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24 janeiro 2020, 12:10