Francisco, peregrino da paz no Iraque
Rui Saraiva
De 5 a 8 de março, a 33ª Viagem Apostólica do pontificado, foi uma viagem histórica e verdadeiramente missionária. Na missão de estar próximo de quem tanto tem sofrido e ansiava pela presença do Papa há tanto tempo, Francisco insistiu e, não obstante as dificuldades da pandemia e o perigo do terrorismo, foi o primeiro pontífice a visitar o Iraque. O Papa esteve na terra natal de Abraão onde o cristianismo está presente desde o século I.
Era preciso fazer pontes de diálogo inter-religioso e enxugar as lágrimas de tantos cristãos que têm vivido o martírio da guerra e do terror. Francisco, peregrino da paz, foi ao encontro de um povo sofrido que desde a Guerra do Golfo em 2003 perdeu mais de um milhão de cristãos. “Sois todos irmãos”, foi o lema da Visita.
Calem-se as armas!
O primeiro discurso do Papa Francisco no Iraque foi às autoridades, à sociedade civil e ao Corpo Diplomático. Após a cerimónia oficial de boas-vindas e da visita de cortesia ao presidente do país, Barham Salih, o Papa teve oportunidade de discursar no Palácio Presidencial, em Bagdad.
Recordou o flagelo da guerra e destacou o sofrimento das minorias como os yazidis. Pediu harmonia social salientando a responsabilidade dos políticos para contrastar a corrupção, os abusos de poder e a ilegalidade. O Papa apelou ao fim da violência:
“Venho como penitente que pede perdão ao Céu e aos irmãos por tanta destruição e crueldade. Venho como peregrino de paz, em nome de Cristo, Príncipe da Paz. Quanto rezamos ao longo destes anos pela paz no Iraque! S. João Paulo II não poupou iniciativas, e sobretudo ofereceu súplicas e sofrimentos por isso. E Deus escuta; escuta sempre! Cabe a nós ouvi-Lo. Calem-se as armas! Limite-se a sua difusão, aqui e em toda a parte!”
Na Catedral recordando as vitimas do atentado
Ainda no dia 5 de março o Papa Francisco homenageou em Bagdad as vítimas do atentado terrorista que matou 48 pessoas, na Catedral siro-católica de Nossa Senhora da Salvação no dia 31 de outubro de 2010. Esta Catedral é uma das maiores da capital iraquiana e tem hoje um memorial dedicado às vítimas do atentado.
Francisco foi recebido pelo patriarca de Antioquia dos sírios, Inácio III Younan, e outros responsáveis católicos, tal como o cardeal Louis Sako, patriarca de Babilónia dos Caldeus que preside à Assembleia dos bispos católicos do Iraque que reúne responsáveis da Igreja de rito caldeu, siro-católico, arménio-católico, melquita e latino.
O cardeal Sako recordou o atentado de 2010 e referiu que devido às investidas do autoproclamado Estado Islâmico fugiram da planície de Nínive e Mosul cerca de 120 mil cristãos. Assinalou que devido à libertação em 2017 dessas áreas, 50 % da população já regressou.
No seu discurso, o Papa Francisco referiu-se às vítimas do atentado de 2010 naquela Catedral:
“A sua morte lembra-nos fortemente que o incitamento à guerra, os comportamentos de ódio, a violência e o derramamento de sangue são incompatíveis com os ensinamentos religiosos. Quero recordar todas as vítimas de violência e perseguição pertencentes a qualquer comunidade religiosa” – declarou Francisco.
Com Al-Sistani o apelo ao respeito mútuo e diálogo
No dia 6 de março, pela manhã, aconteceu em modo privado na cidade de Najaf um histórico encontro entre Francisco e o Ayatola Ali Al-Sistani, líder supremo do ramo xiita do Islão no Iraque. Uma nota da Sala de Imprensa da Santa Sé realça a “importância da colaboração e amizade entre as comunidades religiosas para que, cultivando o respeito mútuo e diálogo, se possa contribuir para o bem do Iraque, da região e de toda a humanidade”.
No encontro o Papa agradeceu a Al-Sistani e à comunidade xiita por se terem manifestado em defesa “dos mais fracos e perseguidos, afirmando a sacralidade da vida humana e a importância da unidade do povo iraquiano”.
O gabinete de Al-Sistani emitiu um comunicado, após o encontro, referindo que o grande Ayatola defende “paz e segurança” para os cristãos no Iraque, “em pleno cumprimento dos seus direitos constitucionais”.
Extremismo e violência são traições
O encontro inter-religioso na planície de Ur, na terra de Abraão, marcou profundamente a Visita de Francisco no dia 6 de março. Na pátria do Patriarca que une o destino de judeus, cristãos e muçulmanos foi intensa a oração em palavras pronunciadas junto às ruínas consideradas como a casa de Abraão. Em árabe foram evocados para o futuro os valores do perdão, da reconciliação e da paz por uma “sociedade mais justa e fraterna”.
Francisco declarou que o extremismo e a violência são traições da religião: “Hostilidade, extremismo e violência não nascem dum ânimo religioso: são traições da religião. E nós, crentes, não podemos ficar calados, quando o terrorismo abusa da religião. Antes, cabe a nós dissipar com clareza os mal-entendidos. Não permitamos que a luz do Céu seja ocultada pelas nuvens do ódio!” – disse o Papa.
Maior é quem é pobre, manso e misericordioso
No final da tarde de sábado, 6 de março, o Papa celebrou Eucaristia na Catedral de S. José (Bagdad), uma igreja que foi alvo de um atentado terrorista perpetrado pela Al-Qaeda em 2010. Francisco foi o primeiro Papa a presidir em rito caldeu, um dos principais do oriente católico.
O Santo Padre rezou pelos mártires do último século e os que sofrem perseguições por causa da fé em Jesus. Na sua homilia, Francisco ressaltou a importância das bem-aventuranças, sublinhando que a lógica cristã é diferente das prioridades de sucesso, poder e dinheiro da sociedade:
“A inversão é total: os pobres, os que choram, os perseguidos são declarados bem-aventurados. Como é possível? Bem-aventurados, para o mundo, são os ricos, os poderosos, os famosos! Vale quem tem, quem pode, quem conta. Para Deus, não: não é maior quem tem, mas quem é pobre em espírito; não quem pode tudo sobre os outros, mas quem é manso com todos; não quem é aclamado pelas multidões, mas quem é misericordioso com o irmão” – afirmou.
Fraternidade é mais forte do que o fratricídio
No domingo, 7 de março, o Papa esteve em Mosul, o antigo bastião do autoproclamado Estado Islâmico no norte do Iraque. Presidiu a uma oração na praça das Igrejas. Neste local há quatro igrejas danificadas ou destruídas entre 2014 e 2017, pertencentes à comunidade siro-católico, arménio-ortodoxa, siro-ortodoxa e caldeia. Francisco rezou pelas vítimas da guerra e do terrorismo:
“Hoje afirmamos a nossa convicção de que a fraternidade é mais forte do que o fratricídio, que a esperança é mais forte do que a morte, que a paz é mais forte do que a guerra. Esta convicção fala com uma voz mais eloquente do que a do ódio e da violência e jamais poderá ser sufocada no sangue derramado por aqueles que pervertem o nome de Deus ao percorrer caminhos de destruição” – disse o Santo Padre.
Mais tarde, o Papa visitou a cidade cristã de Qaraqosh, no norte do Iraque. Aí deixou uma mensagem de esperança às populações atingidas pela violência. Francisco a todos encorajou afirmando que aquele encontro do Papa com os cristãos na Catedral da Imaculada Conceição “demonstra que o terrorismo e a morte nunca têm a última palavra”. Esta Catedral tinha sido vandalizada e queimada pelo Estado Islâmico e foi agora restaurada em 2020.
Iraque fica no meu coração
Grande celebração eucarística no Estádio Franso Hariri, em Erbil, na tarde de domingo 7 de março. Presentes o arcebispo caldeu de Erbil, D. Bashar Warda, e o patriarca da Igreja Assíria do Oriente, o ‘catholicos” Mar Gewargis III.
O Papa Francisco recordou que nestes dias no Iraque ouviu “vozes de sofrimento e angústia”, mas também “vozes de esperança e consolação”. Declarou que o Iraque ficará sempre no seu coração:
“Aproxima-se o momento de voltar para Roma. Mas o Iraque ficará sempre comigo, no meu coração. Peço a todos vós, queridos irmãos e irmãs, que trabalheis juntos em unidade por um futuro de paz e prosperidade que não deixe ninguém para trás nem discrimine ninguém. Asseguro-vos as minhas orações por este amado país” – disse Francisco na Missa a que presidiu em Erbil, capital do Curdistão Iraquiano, no final da sua Visita Apostólica ao Iraque.
Laudetur Iesus Christus
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