Kinshasa animada com a visita do Papa. Núncio: um bálsamo para as feridas do povo
Salvatore Cernuzio – Enviado a Kinshasa
"Pape François engumba Kinshasa eyambi yo na esengo". Pelas estradas poeirentas de Kinshasa, espremidas pelo tráfego de caminhonetes amarelas que impedem a passagem de mulheres com cestos de fruta na cabeça e dos mototáxis com quatro passageiros a bordo, o rosto de Francisco aparece por todo o lado, acompanhado das palavras "Bienvenue. Bem-vindo". Bandeiras, cartazes, painéis (muitos com o rosto do Papa e de políticos locais), mas também bancas com bandeiras, camisetas e outros objetos celebram a chegada do Papa à República Democrática do Congo, nesta quarta-feira (31/01), trinta e sete anos depois da visita de João Paulo II. Uma viagem desejada pelo Papa há algum tempo, marcada para julho passado, depois adiada por motivos de saúde. A primeira de 2023. Depois, Francisco seguirá para o Sudão do Sul.
As feridas no leste do país
Jorge Mario Bergoglio cumpriu sua promessa de visitar esta população de cerca de 100 milhões de pessoas, 49% das quais de fé católica, atormentadas pela pobreza endêmica que toma a forma de lojas e mercados de alimentos arruinados e casas submersas na lama, e pela poluição que ofusca as cores desta grande periferia africana. No entanto, é no Leste que as feridas do país mais sangram, onde os interesses das potências mundiais e as guerras com os países vizinhos por causa de minerais e ódios étnicos dilaceram a vida das pessoas. "Pessoas massacradas", disse um motorista congolês, que, desviando-se de carros lotados além de sua capacidade e vendedores ambulantes que oferecem bananas, garrafas de água, lenços, bastões para selfie e cigarros, dirige do aeroporto de Ndolo (lugar onde o Papa celebrará a missa amanhã, na qual se espera cerca de 2 milhões de pessoas) até o município de Gomba. Nesta área de Kinshasa, considerada o bairro 'requintado' da capital, estão as sedes das instituições, incluindo a Nunciatura Apostólica. "Uma das maiores Nunciaturas da África", explicam, um impressionante prédio colonial, cercado por vários hectares de jardim, que será a residência do Pontífice durante sua estada na República Democrática do Congo até 3 de fevereiro.
Encontro com as vítimas, "dispostas a perdoar"
Na Nunciatura se realizará um dos eventos mais significativos da viagem: o encontro com as vítimas do leste da República Democrática do Congo, seguido do diálogo com voluntários e beneficiários das obras de caridade. "São representantes das dioceses mais assoladas pela violência. Ouviremos testemunhos reais que dão uma ideia da realidade do país e veremos pessoas que interiorizaram tudo isso, mas estão dispostas a perdoar", disse o núncio Ettore Balestrero, que estará ao lado do Papa durante toda a etapa de Kinshasa. "Há uma grande necessidade de que esse rio de ódio e violência entre num mar maior, como faz o rio Congo. O mar da justiça que deve ser feita, mas também o mar da reconciliação".
A experiência da caridade
O arcebispo encontra o Vatican News no salão onde se realizará o encontro, decorado com painéis e bandeiras, enquanto a "família" da Nunciatura arruma as poltronas para os diversos convidados. Depois das vítimas, no mesmo local Francisco encontrará os representantes das obras caritativas do país, uma demonstração viva “de que a Igreja está presente em todos os âmbitos da vida social e educativa”, assinala Balestrero. "40% das obras de saúde são administradas por agentes católicos. Quase 7 milhões de alunos frequentam escolas públicas administradas por religiosos católicos".
Sob o abraço do Papa estarão deficientes, leprosos, doentes de AIDS, surdos-mudos, crianças abandonadas e as irmãs contemplativas, “porque a oração é uma forma muito elevada de caridade”, explica Balestrero. “Haverá crianças cegas que cantarão e outras que frequentam uma escola aqui em Kinshasa e que contarão sua experiência, ou melhor, o que viveram nas obras de caridade católica das quais se aproximaram. Descobriremos, portanto, como a caridade não é apenas anunciada, mas vivida e como a carne de Cristo que, como nos ensina o Papa, são todas essas pessoas, é realmente tocada, cuidada e acolhida por tantas pessoas – congolesas ou de fora – que vêm doar-se e gastar-se pelos sofredores deste país".
Jovens envolvidos nos preparativos
Balestrero também comenta a expectativa dessas horas para a chegada do Pontífice, com preparativos que estão em andamento há semanas e que envolveram jovens, crianças, que caso contrário, andam pelas ruas em busca de trabalhos ocasionais e diurnos. “Não é mais uma espera, mas uma animação. As pessoas nas ruas cantam a música composta especialmente para o Papa, há cartazes que se multiplicam, muitos fiéis chegam de outras partes do Congo e dos países vizinhos”.
Consolação
O fato é que a presença do Papa é "uma grande consolação" para o Congo, "porque é um país que sofre, é vítima de tanta violência e agora por pelo menos 3-4 dias, sente o Papa derramar o unguento, o bálsamo em suas feridas, infelizmente muito profundas". "Há também – e isso me enche de alegria – uma comunidade católica que realmente quer dar espaço a Deus em sua vida, mas que precisa receber um estímulo do Papa para evitar uma dicotomia entre a fé proclamada e a vida vivida”, diz o núncio. A visita do Pontífice "pode ser um marco para receber orientações para evangelizar cada vez melhor e em profundidade".
Reconciliação
O Papa Francisco incentivará os sacerdotes, consagrados e religiosos com os quais se encontrará no dia 2 de fevereiro, na catedral de Notre Dame du Congo, a poucos metros da Nunciatura. Chega-se de carro e da estrada destaca-se a enorme faixa vertical com o logotipo e lema da viagem papal que cobre toda a torre do sino. Dois jovens subiram no andaime para os últimos retoques, enfrentando o vento que sopra no final da tarde. Abaixo, no adro da igreja, homens com máquinas de solda olham para o grande arco branco que será enfeitado com flores, enquanto grupos de mulheres montam as barracas com apetrechos para a visita: principalmente camisetas e bandeiras. À vista das câmeras, elas cantam “Karibu kweno Pape!”. Em suaíli: “Você é bem-vindo entre nós!”. É um verso da música composta para a viagem. Entre a multidão está o reitor, padre Camille Esika: “Na difícil situação em que vivem áreas inteiras devido à insegurança, o Papa poderá levar uma mensagem de consolo e de esperança de que a situação mude”, comenta. “A Igreja Católica tem um papel importante na sociedade congolesa. No encontro com os sacerdotes, o Papa poderá encorajá-los a serem bons servidores e a dar o exemplo de reconciliação em Cristo e entre os povos”.
Obrigado por ter lido este artigo. Se quiser se manter atualizado, assine a nossa newsletter clicando aqui e se inscreva no nosso canal do WhatsApp acessando aqui