25 de janeiro de 1959. Pe. Capovilla: os sentimentos de João XXIII
Cidade do Vaticano
Pe. Loris Capovilla foi o secretário particular do Papa João XXIII e faleceu em 2016. Quatro anos antes, em 2012, o prelado (que depois foi criado cardeal aos 98 anos pelo Papa Francisco em 2014) deixou seu testemunho em entrevista concedida a Luca Collodi, conservada nos arquivos da Rádio Vaticano (RV):
Capovilla:- “Quando o Papa me falou pela primeira vez (sobre a intenção de convocar um novo Concílio) era Papa há cinco dias. Fez um aceno vago, disse: Chegam tantos problemas à minha mesa, interpelações e preocupações. É preciso algo de singular e de novo, não somente de um Ano Santo’. No Código de Direito Canônico, na época há pouco reformado, há um capítulo chamado ‘De Concilio ecumenico’. Passado algum tempo, me falou outra vez a respeito, e eu sempre fiquei em silêncio. Depois veio aquela tarde de 21 de dezembro de 1958, quando me falou novamente e me disse: ‘Seu superior lhe fez um aceno a esse grande desígnio, parece-lhe ser inspiração do Senhor? Até agora você não disse uma só palavra...’ E me tocando o braço, me disse: ‘O fato é que você raciocina de certo modo humanamente, como um empresário que faz um projeto e chama o arquiteto, os conselheiros, quem se relaciona com os bancos. Para nós, ao invés, já é um grande dom de Deus aceitar uma boa inspiração e falar a respeito. Não pretendo celebrá-lo, para mim basta anunciá-lo.”
RV: Quais eram as preocupações no centro da atenção do Papa João XXIII ?
Capovilla:- “Tratava-se dos problemas à mesa, os problemas que todos têm: teológicos, morais, históricos e também econômicos. Muitas vezes esses estão de certo modo também emaranhados e não se resolvem com um simples colóquio, especialmente se dizem respeito à Igreja universal e à Igreja particular. O Papa disse que nós é que deveríamos tratar essas questões, estudá-las, indagá-las e aprofundá-las juntos. E depois, sempre juntos, no altar da Confissão de Pedro, extrair as conclusões, que depois se tornaram os 16 documentos que hoje brilham como lâmpadas no túmulo do Apóstolo Pedro. Inclusive diante de todos aqueles que diziam que para tal empreitada era preciso uma grande coragem, à sua idade, ele respondia que não era ele que deveria fazer o Concílio: ‘Quem faz o Concílio é o Senhor, a Igreja o faz em seu conjunto. Somos sentinelas do momento. Depois de um Papa, vem outro’. Não é verdade que ele tinha pressa: desejava somente dizer como deveríamos caminhar, isto é, todos juntos. Entramos no Concílio para fazer o quê, em primeiro lugar? Para professar, diante do mundo, a nossa fé. E, efetivamente, no dia da abertura do Concílio, o momento mais solene não foi, a meu ver, o da grande procissão dos 2.500 bispos, este ‘rio branco’ que atravessava a Praça São Pedro. Para mim, o momento mais solene foi quando o Papa, tendo tirado o solidéu e se ajoelhado diante da assembleia, entoou: ‘Ego, Ioannes, Ecclesiae catholicae episcopus, credo in Unum Deum, Patrem Onnipotentem’. Ou seja, quando professou o ato de fé.
RV: Como o senhor explica a crise do Ocidente, a crise dos valores, a crise econômica e a insatisfação social do início do Terceiro Milênio?
Capovilla:- “Uma coisa sempre me impressionou: a ‘doutrina dos carismas’, que se encontra no capítulo 12 da primeira Carta aos Coríntios. Ali está escrito que Deus distribui dons, mas é dito também outra coisa muito importante. No versículo 7º do capítulo 12, a meu ver, encontra-se a palavra decisiva e determinante para a conduta do cristão: aquilo que tens é teu, tua inteligência, teus bens materiais e culturais, a tua fé é tua; porém, te foi dada ‘ad comunem utilitatem’, isto é, para o bem comum.”
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