A Rádio do Papa completa 88 anos: dos transmissores de Marconi às redes sociais
Eugenio Bonanata, Andressa Collet – Cidade do Vaticano
No início dos anos 80, Fernando Bea era uma figura prestigiosa dentro da Rádio Vaticano e foi quem deu vida a um livro sobre os primeiros 50 anos de vida da emissora pontifícia. Ao final da obra, o autor professou: “o dinamismo excepcional e o zelo apostólico de João Paulo II de agora em diante vão se tornar, dia a dia, hora a hora, o ritmo da sua Rádio, que vai seguir cada passo”. Bea intuiu que o dinamismo do jovem Pontífice polonês traria reflexos no trabalho da Rádio Vaticano, mas não podia imaginar a revolução que trazia o Papa que “veio de um país distante”.
O livro de Bea conta minuciosamente, com informações e episódios, os primeiros anos da emissora vaticana, obrigada desde o início a mostrar sua capacidade de “influencer”, em vez de se limitar a fornecer à Santa Sé um eficiente e tranquilo serviço de radiotelegrafia, criado por Marconi a Pio XI.
Um baluarte racional pela paz
A propaganda fascista e depois nazista, que já usava de maneira moderna mas também sem escrúpulos a rádio, faz da Rádio Vaticano um contrabalanço através de ensinamentos do Papa e também das informações de primeira mão oriundas dos episcopados europeus – ideologias liberticidas que em muitos países estavam consumando a Igreja. E quando tudo precipitava para o conflito, o célebre “nada se perde com a paz, mas tudo pode ser perdido com a guerra” de Pio XII se transforma, mesmo que ignorado, um baluarte de racionalidade contra a loucura destrutiva que envenenava o resto do éter.
Microfone amigo que fala em 30 línguas
E é sempre o livro de Bea que recorda uma reportagem, tantas vezes citada, produzida pela Statio Radiophonica Vaticana durante os anos da II Guerra Mundial, de mais de um milhão e 200 mil mensagens transmitidas do Guichê de Informações – entre os anos 40 e 46 – que ajudam tantas mulheres a ter notícias sobre os maridos, irmãos e namorados desaparecidos ou prisioneiros de guerra.
O renascimento depois da guerra para a Rádio Vaticano se traduz num salto exponencial com a inauguração, em 1947, do Centro de Transmissão de Santa Maria de Galeria que suporta, em nível tecnológico, o esforço editorial realizado nos anos do Concílio. O Vaticano II é um teste jornalístico sem precedentes para a emissora que, enquanto isso, “aprendeu” a falar em 30 línguas e que consegue contar todas as fases de produção com 3 mil horas de transmissão e 300 mil Km de fitas de gravação.
Rádio de opinião
Paulo VI é um jornalista e quer que a “sua” Rádio ofereça chaves de leitura cristãs dos fatos do mundo. Quer jornalistas que agitem as consciências, não somente técnicos que façam funcionar a máquina. Isso é subentendido em 30 de junho de 1966 quando, em meio ao maquinário do Centro de Transmissão, explica de querer melhorar a Rádio Vaticano porque, diz ele: “para nada serve ter um magnífico instrumento, se depois não sabemos utilizar magnificamente”.
Por isso, a partir de 1970, as salas do Palácio Pio, ocupadas por várias siglas católicas, começam a dar espaço para a redações e estúdios. Depois, no Ano dos três Papas, 72 dias de fogo que afetam os ritmos bem compassados da emitente: para dar um exemplo, a cobertura das primeiras viagens ao exterior do Papa Montini com poucos jornalistas e ainda transmissões em menos. O tsunami que muda tudo é o primeiro Papa polonês da Igreja.
Velho e Novo
Quando João Paulo II infringe o protocolo e fala à multidão no dia da sua eleição, o gesto é um presságio do ímpeto com que a Rádio Vaticano deve quebrar os esquemas e hábitos consolidados. O Pontificado de Papa Wojtyla é contado no segundo dos dois livros, publicados em 2011 pela Livraria Editoria Vaticana (LEV), que sintetizam os primeiros 80 anos de história da Rádio Vaticano.
O autor da segunda parte é Alessandro De Carolis, que trabalha no jornalismo vaticano desde o Jubileu de 2000. E é justamente o Ano Santo, com suas 6 mil horas de transmissão, que se transforma num divisor de águas entre a Rádio pré-Internet e aquela sucessiva que deveria mudar várias vezes a pele para se adaptar aos condicionamentos impostos pela tecnologia e pelas mutações da web e das redes sociais à informação, ou seja, aquele “areópago da comunicação moderna”, como define Bento XVI durante sua visita à Rádio em 3 de março de 2006.
Nesse aerópago, Papa Francisco indicou com um Motu proprio uma nova direção, aquela da reorganização da mídia vaticana através de um único dicastério. Um desafio ainda aberto, que fala as mil línguas da interatividade e que requer a máxima credibilidade, própria de um veículo institucional e durante o breve segmento do “tempo real”. Tudo isso distante 90 anos dos transmissores de Marconi mas que, para fazer funcionar um novo motor, às vezes é necessário o coração de um válvula velha.
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