Santa Sé na Unctad: acabar com o business da dívida, é preciso regras
Cidade do Vaticano
Não se pode perder tempo contra os desastres provocados pela “hiperglobalização”, trazida pela desregulamentação contínua e combinada dos mercados financeiros, do trabalho dos bens no mundo inteiro”, que produziram “mudanças estruturais nas relações entre Estados e grandes corporações”, em benefício pleno dos poderes econômicos e dos interesses provados de lobbies, que alargaram sua esfera de influência sobre políticas nacionais e regionais em setores chave para o desenvolvimento e o bem-estar dos povos.
A voz do representante vaticano, dom Ivan Jurkovič, elevou-se com tons acentuados na Conferência da Onu sobre o comércio e o desenvolvimento (Unctad) dedicada à gestão da dívida.
Relatórios ignorados da Unctad para custear desenvolvimento
O arcebispo esloveno reconheceu que esta agência das Nações Unidas foi uma das primeiras organizações internacionais a levantar dúvidas sobre os termos e as condições de financiamento do desenvolvimento, quer público, quer privado, na agenda global dos anos 60 e 70, produzindo ao longo das décadas análises e propostas de reforma do sistema monetário internacional, defendendo a necessidade de dar assistência e quadros de referência internacionais para prevenir e oferecer soluções para as crises da dívida nos países em desenvolvimento.
Boom da dívida global: 213 trilhões de dólares
Apesar disso, hoje se fala de boom do ‘business da dívida’, como denunciado pelo Unctad em seu último relatório anual. Dívida global que alcançou 213 trilhões de dólares em 2017, superando até mesmo os níveis já muito elevados de 2008, quando chegou a 152 trilhões de dólares.
“Isso reflete várias décadas de criação de ilimitada dívida privada em mercados financeiros não regulamentados, que agora estão atingindo também os países em desenvolvimento. Estes países viram sua dívida privada passar de 79% de seu PIB – no início da crise financeira – para o surpreendente 139% em 2017”, constatou dom Jurkovič.
As atividades de endividamento na esfera estatal
“Esta proliferação de ‘atividades de endividamento’ transferiu-se rapidamente para setores antes de competência das autoridades públicas por razões de equidade, justiça e solidariedade, como as pensões, fornecimentos de serviços financeiros aos mais pobres ou a gestão da dívida soberana.” Uma mistura de interesses que favorece ilícitos predadores, observou com preocupação o prelado.
A fé ingênua na autossuficiência dos mercados
“A subordinação dos títulos de dívida soberanos a práticas financeiras imorais é inaceitável”, advertiu o delegado da Santa Sé, propondo uma série de contramedidas que parta do pressuposto de “como é ingênuo a fé numa presumível autossuficiência dos mercados”.
Ao invés, recomendou o representante vaticano, “é necessário um sério controle da qualidade e confiabilidade de todo produto econômico-financeiro, particularmente os mais estruturados”, para governar os intentos especulativos e contrastar o crescente e onipresente controle dos poderes fortes e das vastas redes econômicas financeiras para reforçar os delegados ao exercício do poder político que hoje se encontram muitas vezes desorientados e impotentes diante de agentes supranacionais e da volatilidade do capital que administram.
A falta de vigilância das autoridades públicas
Em particular, explicou dom Jurkovič, “as autoridades públicas deveriam fornecer uma certificação de todo produto gerado pela inovação financeira a fim de preservar a saúde do sistema e prevenir efeitos colaterais negativos”, através de “uma coordenação supranacional entre as várias estruturas dos sistemas financeiros locais”.
Retornar a sistema financeiro global baseado na ética
Daí, o veemente convite da Santa Sé a “reencontrar o caminho do retorno a um sistema financeiro global fundamentado em sólidos princípios éticos, acompanhados pela justiça, verdade, equidade e solidariedade”.
E se a grande responsabilidade recai nas costas de quem administra os sistemas econômico-financeiros hodiernos, massivos e dominantes, igualmente – encorajou dom Jurkovič – “a sociedade civil, os responsáveis políticos dos países em desenvolvimento e não só, bem como os líderes das comunidades, os intelectuais e todos os atingidos por atividades de poderosos agentes econômico-financeiros, devem trabalhar juntos para realizar tais reformas”.
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