Luta contra abusos, um ano de reformas concretas
Alessandro De Carolis, Andressa Collet – Cidade do Vaticano
Definir como o lançamento da primeira pedra não é correto, porque a base se apoiava sobre alicerces já estruturados, colocados não somente neste Pontificado. Mas é inegável que o edifício construído nos últimos meses na Igreja para contrastar o fenômeno dos abusos cometidos pelo clero se beneficiou, em modo original, do trabalho de “arquitetura” desenhado pelo encontro sobre a proteção dos menores que aconteceu no Vaticano, no ano passado, entre os dias 21 e 24 de fevereiro.
Os próximos passos, agora em reta final, serão a esperada Força-Tarefa, para dar apoio às conferências episcopais e comunidades religiosas que precisam preparar e atualizar as diretrizes sobre o assunto, e o Vademecum da Congregação para a Doutrina da Fé, ambas anunciadas ao final do encontro de fevereiro.
Nunca mais “lobos vorazes”
Aquilo que aconteceu em doze meses – uma série de medidas papais e a criação de instrumentos de intervenção, entre todos, a abolição do segredo pontifício sobre casos de abuso – começa a partir daqueles dias de intenso trabalho iniciados exatamente há um ano atrás, com o Papa cercado principalmente pelos presidentes dos episcopados, mas também por membros da Cúria, representantes de Institutos Religiosos e especialistas. Um total de 200 pessoas, todas mobilizadas pela necessidade de “conscientização e purificação” – como os próprios atos produzidos pelo encontro trazem – , com as quais o Papa se despediu com as palavras intensas e imperiosas pronunciadas na homilia da missa conclusiva. Permanece na memória aquele estímulo para proteger os menores dos “lobos vorazes”, o desejo de se colocar próximo às vítimas e a um “Deus traído e esbofeteado”.
Mudam as normas no Vaticano
Já um mês depois, em 26 de março de 2019, Francisco assina três documentos que mudam o rosto da legislação vaticana. O primeiro é a Carta Apostólica em forma de Motu proprio com a qual se estabelece que seja perseguido quem comete “abuso ou má tratamento contra menores ou contra pessoas vulneráveis”, que para os reatos cometidos no território do Vaticano tenham jurisdição penal os órgãos judiciários internos, que às vítimas sejam oferecidas assistência espiritual, médica, social e legal, além de ser garantido o direito a um processo equitativo para os réus e se proceda à remoção dos encargos aos condenados, não obstante também um suporte reabilitativo para eles.
A lei e as orientações pastorais
A segunda medida lançada pelo Papa é a Lei 297 para o Estado da Cidade do Vaticano. O novo códice impõe, entre outras coisas, a obrigação de rápida denúncia de uma notícia de reato e prevê em 20 anos o final da prescrição do mesmo que, em caso de menor, seja calculado a partir de completar os 18 anos de idade. A Lei 297 indica ainda, no “serviço de acompanhamento”, o instrumento idôneo a fornecer toda forma de assistência às vítimas e às suas famílias.
A terceira medida, as “diretrizes para a proteção dos menores”, estabelece os critérios para a escolha dos agentes pastorais e as justas normas de comportamento na relação aos menores e às pessoas vulneráveis e, em geral, elenca os procedimentos para seguir no caso fossem imputados os abusadores.
Mudam as normas em toda a Igreja
Depois da matéria ter virado lei dentro do Vaticano, um mês e meio depois Francisco estende, em modo análogo, as mesmas obrigações a toda a Igreja. E o faz com o Motu proprio “Vos estis lux mundi”, assinado em 9 de maio de 2019. Também no caso desse documento ficam estabelecidas as normas para serem seguidas para indicar moléstias e violências, e assegurar que bispos e superiores religiosos prestem atenção na sua obra.
O documento introduz a obrigação para clérigos e religiosos de apontar os abusos e solicitar a toda diocese de ter um sistema facilmente acessível ao público para receber as indicações. Para ajudar os dicastérios na aplicação do Motu proprio é instituído um encontro presidido por dom Filippo Iannone, presidente do Pontifício Conselho para os Textos Legislativos, em que participam representantes da Secretaria de Estado e das Congregações para a Doutrina da Fé, para as Igrejas Orientais, para os Bispos, para a Evangelização dos Povos, para o Clero, para os Institutos de Vida Consagrada.
Abusos, fim do segredo pontifício
No final do ano passado, o Papa faz um passo além: em 17 de dezembro são oficializados dois rescritos assinados pelo cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado do Vaticano. O primeiro, que gera grande eco midiático, promulga a Instrução com a qual Francisco cancela o “segredo pontifício”, quer dar certeza sobre o modo de se comportar – e, assim, sobre o grau de reserva a ser adotado – nos casos de denúncias de abusos sexuais cometidos pelo clero e religiosos e sobre eventuais coberturas e silêncios por parte de autoridades eclesiásticas.
O segundo rescrito introduz modificações às Normae de gravioribus delictis. Uma dessas configura como reato da parte de um clérigo a aquisição, a detenção ou a divulgação de imagens pornográficas de menores considerados tais, não mais até os 14 anos, mas até os 18 anos. Uma outra é aquela que concede a faculdade de exercitar o papel de advogado e procurador não mais como antes a um clérigo, mas a “um fiel, provido de doutorado em Direito Canônico”.
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