Exercícios Espirituais em Ariccia: a surpresa é a marca de Deus
Michele Raviart, Andressa Collet – Cidade do Vaticano
A vocação é “o encontro decisivo com o qual Deus falou com a gente” e pelo qual decidimos obedecer a sua escolha. É o início de uma “nova história”, de um “novo nascimento”, através do qual se criam novas paternidades e novas fraternidades. É, então, necessário recordar o momento em que se viveu quando se obedeceu e “ouvir de novo a voz do Senhor”, naquele que é o significado definitivo da oração.
Deus chama na vida concreta
Na segunda meditação desta segunda-feira (2) nos Exercícios Espirituais da Cúria Romana, que acontecem em Ariccia, o sacerdote jesuíta Pietro Bovati, teólogo da Pontifícia Comissão Bíblica, parte da figura de Moisés para explicar o que significa ser chamado. Moisés é um pastor e é um servo. Não tem a consciência que vai passar a se ocupar do rebanho do seu sogro à condução do rebanho do povo de Israel. “Às vezes”, explica o teólogo, “a Escritura nos apresenta o chamado, a vocação, próprio como uma transformação do ofício: de uma ocupação material a uma dedicação espiritual. Assim que aquilo que foi vivido segundo a carne possa sugerir como um sinal os valores do Espírito”.
A inconsciência de Moisés
Moisés não sabe onde está indo e nem mesmo percebe que se aproxima de um lugar sagrado quando fica intrigado com o arbusto ardente do monte Horeb. Não imagina o significado do arbusto queimado pelo fogo sem se consumir e o que será revelado a ele. “Esses vários aspectos de ignorância, de inconsciência”, sublinha Pe. Bovati, “constituem a matriz essencial para compreender o que seja realmente a vocação na sua dimensão profética, isto é, que é sempre uma revelação de Deus, não uma lúcida autoconsciência, não uma autodeterminação”. Chamando-o pelo nome, Deus pede, de fato, a Moisés, uma disponibilidade pessoal pela qual ele responde, dizendo: “estou aqui” e “empreendendo um caminho de consciência e de obediência”.
Um evento inesperado
O chamado de Deus acontece, então, “numa condição humana, numa pessoa, despreparada; acontece como uma surpresa, como um evento inesperado e, aparentemente, que aconteceu do nada”. É inesperada, de fato, a escolha de Davi, um rapaz que toca a cítara e não um guerreiro para combater Golias, ou aquela de Jeremias, um jovem inexperiente chamado a profetizar para as nações.
O significado do arbusto
Do arbusto chega a voz de Deus. Um sinal que a Bíblia não explica explicitamente, mas que para o sacerdote jesuíta pode ser interpretado em dois modos. De um lado, o arbusto é a representação simbólica de Moisés: é um homem, uma realidade miserável atingida pelo fogo “simbólico privilegiado do Deus vivo”. Uma união que, “ao contrário de aniquilar a criatura fraca e frágil, promove ela a uma vitalidade, a uma tarefa que ao homem parece impossível”. Do outro lado, o arbusto é “a realidade sofredora do povo de Israel”, enquanto o fogo é “o poder cruel do opressor egípcio que, no entanto, não é capaz de aniquilar essa frágil realidade de um povo submisso, porque Deus está presente”.
A vocação nasce do coração do indivíduo
No Novo Testamento se mostra, por outro lado, o valor espiritual da vocação para quem já segue o Senhor. No Evangelho de Mateus, Jesus pede aos discípulos: “quem querem que eu seja?”, para deixar claro que Ele não é um dos tantos profetas, mas que é “o Único, o Filho, o Messias, o Evento real” e não uma expectativa ou uma preparação. “Tu és o Cristo, Filho do Deus vivo”, responde Pedro. Uma resposta que não vem da carne e do sangue, das decisões humanas, mas vem por uma revelação do Pai. Uma resposta que não é coletiva, mas individual.
Inclusive Pedro, com a adesão a Deus, se transforma. Não somente no nome, mas na substância. “Ele, frágil, incerto, se torna a rocha sobre a qual repousa a própria Igreja, torna-se princípio de solidez na fé para ajudar os seus irmãos a superar todas as armadilhas do diabo, todos os poderes do submundo que serão desatados”.
Seguir realmente o Senhor
A nós, conclui Pe. Bovati ao se dirigir à Cúria, “nos foi dado para ser como Pedro, mas devemos seguir o Senhor, segui-lo realmente” no seu caminho da Paixão e da Cruz. O convite é rezar para pedir o dom do Espírito para sermos realmente discípulos do Senhor. Um desejo exemplificado pelo Salmo 63, aquele da “escolha de Deus”, que diz: “o teu amor vale mais de uma vida”, “numa relação de amor e de comunhão que é verdadeiramente a nossa bem-aventurança”.
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