"Um vocabulário do Papa Francisco" tem prefácio de Bartolomeu I e introdução do cardeal O'Malley
O patriarca ecumênico de Constantinopla escreveu o prefácio do livro “Um vocabulário do Papa Francisco", de Joshua J. McElwee e Cindy Wooden, publicado pela Livraria Editora Vaticana (LEV). O texto foi publicado no L’Osservatore Romano, como segue:
Um vocabulário do Papa Francisco. A palavra como reflexo do divino
de Bartolomeu
É com muita alegria que nos unimos a essa maravilhosa "antologia", palavra grega que indica uma fascinante seleção de reflexões estimulantes, uma coleção de interessantes contribuições inerentes a um dos mais eminentes líderes religiosos.
Este livro reúne reflexões sobre as palavras-chave da mensagem e do ministério de nosso amado irmão, o Papa Francisco. As palavras, no entanto, são muito mais do que simples comentários, muito mais importantes do que frases comuns. As palavras são uma expressão intrínseca da vida, nosso reflexo mais íntimo da divindade, a própria identidade de Deus: "No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus" (Jo 1, 1).
E, de fato, teremos que prestar contas de toda palavra que tivermos proferido (cf. Mt 12, 36). As palavras podem salvar ou derrubar (cf. Pr 12, 6), revelar-se produtivas ou destrutivas (cf. Pr 8, 21), gerar benevolência e edificação (cf. Ef 4,29) ou amargura e maldição (cf. Rm 3, 14). Sobretudo, devemos estar "sempre prontos para responder a todo aquele que pedir a razão da nossa esperança." (1Pt 3, 15).
Durante os encontros e reflexões com nosso irmão, o bispo de Roma, experimentamos a profunda sacralidade das palavras. Recordamos e temos consciência que as palavras são capazes de erguer pontes, mas também muros. Portanto, juntos, buscamos promover um diálogo de amor e de verdade, "agindo segundo a verdade na caridade" (Ef 4, 15).
Naturalmente, as palavras podem expressar e descrever as emoções humanas, mas nunca poderão narrar completamente nem definir adequadamente o coração humano. Todavia, podem revelar vislumbres do mundo de outro ser humano, dar voz aos seus interesses e às suas preocupações. Se prestarmos atenção à frequência com que repetimos certas palavras ou como as pronunciamos, descobriremos as tendências e as paixões que moldam nossas próprias vidas.
Por esse motivo, não nos surpreendeu muito descobrir que os termos selecionados neste livro são aqueles que distinguem e evocam os princípios fundamentais que o Papa Francisco privilegiou e feitos seus:
- Seu ministério é inteiramente dedicado a Jesus e à Igreja como Corpo de Cristo, continuando ao mesmo tempo a lançar luz sobre os abusos clericais e encorajar maior assunção de responsabilidade;
- Se empenha para colocar em relação os Sacramentos da Igreja com a vida concreta do mundo, do batismo às lágrimas;
- Na Igreja, como instituição, deseja menos clericalismo e mais colegialidade, enquanto continua a advertir contra a indiferença e a apoiar o discernimento;
- Nas relações entre sua Igreja e as outras, ele promove o diálogo e o ecumenismo, o encontro e o abraço:
- Na comunidade global, procura analisar a fundo a intrínseca conexão entre capitalismo e criação, perseguição e refugiados;
- Preocupa-se com a família, as mulheres, as crianças e avós.
Mas, acima de tudo, o que impressiona são suas virtudes específicas, que definem sua mensagem e testemunham:
- dignidade e justiça,
- misericórdia e esperança,
- mas acima de tudo, amor e alegria.
Este livro transcende meras palavras. É um esplêndido mosaico de elementos coloridos e envolventes, que revelam o homem misericordioso e compassivo que conhecemos como Papa Francisco.
Jesuíta e franciscano
de Sean O'Malley
Sempre gostei da piada sobre jesuítas e franciscanos que um dia caminhavam pela rua, quando de repente são abordados por um jovem que lhes pergunta: "Irmãos, vocês poderiam me dizer qual novena devo recitar para comprar uma BMW?". O franciscano responde: "O que é uma BMW?". E o jesuíta: "O que é uma novena?".
Agora temos um Papa que transcende essas categorias, reunindo em uma única figura quer jesuítas como franciscanos. Creio que o Papa Francisco é o jesuíta inaciano por excelência. Abraçou a vocação de ser um seguidor de Inácio que quer ser um santo como São Francisco. Nosso Papa é completamente jesuíta, inaciano na sua totalidade e fascinado por São Francisco. Durante seu primeiro ano de pontificado, em uma entrevista à "La Civiltà Cattolica", o padre Antonio Spadaro perguntou-lhe por que havia se tornado um jesuíta. O Papa respondeu que três coisas dessa Ordem o haviam atraído: o espírito missionário, a comunidade e a disciplina, incluído o modo como administram o tempo.
É evidente que o Papa Francisco possui essas características em abundância. Ele vive sua vocação de jesuíta com intenso zelo missionário, amor pela comunidade - que é comunidade em missão - e com disciplina na qual nada é desperdiçado, especialmente o tempo. Pouco antes de sua ordenação, Jorge Bergoglio, 32 anos, escreveu um pequeno credo e fez saber que mesmo agora mantém esse documento ao alcance da mão, como um lembrete de suas convicções fundamentais. Trata-se de um claro sinal de seu hábito de introspecção, tão profundamente enraizado na formação jesuíta.
O Papa Francisco se dedica à introspecção, central na espiritualidade própria dessa Ordem. A prática do examen a ser realizado individualmente em qualquer lugar e sempre que as circunstâncias o permitiam, era a maneira que Inácio propunha para manter os jesuítas recolhidos em Deus, para manter sua concentração, não obstante o estilo de vida ativo. O Santo Padre comentou essa atenção espiritual em seu discurso aos bispos brasileiros durante a Jornada Mundial da Juventude de 2013, perguntando: "Se não formarmos ministros capazes de aquecer o coração das pessoas, de caminhar na noite com eles, de dialogar com seus ilusões e decepções, de recompor suas desintegrações, o que poderemos esperar para o caminho presente e futuro?».
O Papa Francisco nos recorda que no coração de Deus há um lugar especial para os pobres. De fato, é muito eloquente em sua defesa, em favor dos mais necessitados, e nos recorda como é nosso dever ajudá-los por meio de programas de promoção e assistência, mas também trabalhando para erradicar as causas estruturais da pobreza.
Na Evangelii gaudium, o Santo Padre antecipa um de seus mais apaixonados apelos pelos pobres, enfatizando a importância de prestar-lhes assistência pessoal: "Desejo afirmar, com mágoa, que a pior discriminação que sofrem os pobres é a falta de cuidado espiritual. A imensa maioria dos pobres possui uma especial abertura à fé; tem necessidade de Deus e não podemos deixar de lhe oferecer a sua amizade, a sua bênção, a sua Palavra, a celebração dos Sacramentos e a proposta dum caminho de crescimento e amadurecimento na fé. A opção preferencial pelos pobres deve traduzir-se, principalmente, numa solicitude religiosa privilegiada e prioritária" (EG, 200).
Ele também afirmou que o catolicismo não é uma "lista de proibições". Ele nos exorta a ser positivos, a exaltar o que nos une e não o que nos divide, a privilegiar a conexão entre as pessoas e o caminho compartilhado, observando que, se nos concentrarmos nos aspectos que nos unem, será mais fácil depois superar as diferenças. O Santo Padre também sugere que toda forma de catequese deveria seguir o "caminho da beleza", mostrando aos outros que seguir a Cristo não é somente bom e justo, mas também belo, algo capaz de encher a vida com novo esplendor e alegria profunda, mesmo em meio a dificuldades.
O Papa Francisco compreende que as palavras que usamos para falar do povo de Deus e da obra da Igreja são de grande importância e muitas vezes podem fazer a diferença entre estar abertos a uma maior escuta e levar em consideração uma vida de fé ou afastar-se, sentindo-se rejeitados, ou marginalizados, como indignos.
Partindo da reflexão espiritual de que todos os nossos dons, talentos e realizações são dons de Deus, o Santo Padre nos deu um vocabulário no qual sobressaem atenção, preocupação, inclusão e serviço. Com a ajuda de Deus e com o apoio recíproco uns dos outros, podemos assumir com seriedade esses ensinamentos e continuar no caminho como discípulos missionários para Cristo.
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