Dom Caccia na Assembleia Geral da ONU: acabar com a fome é prioridade
Isabella Piro/Mariangela Jaguraba – Vatican News
Há “uma realidade paradoxal” que vê “alimento para todos, mas fome cotidiana para muitos”. Foi o que reiterou o observador permanente da Santa Sé na ONU, dom Gabriele Giordano Caccia, em 16 de outubro, na 75ª sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York.
“Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar, melhorar a nutrição e promover uma agricultura sustentável deve continuar sendo uma prioridade fundamental”, disse o prelado, destacando a dramática ligação entre fome e pobreza. A primeira, cai negativamente sobre a segunda, pois “o impacto na saúde associado à quantidade e qualidade inadequadas dos alimentos influi na capacidade das pessoas de aprender e trabalhar”.
Segundo dom Caccia, “a pobreza e a fome devem ser enfrentadas em conjunto, através de uma abordagem holística que combine inclusão econômica, subsistência sustentável e proteção social”.
Relação distorcida entre alimentação e nutrição
O nosso planeta, explicou o observador permanente, sofre de “uma relação distorcida entre alimentação e nutrição”: enquanto “milhões de pessoas passam e morrem de fome em todo o mundo, toneladas de alimentos são jogadas fora todos os dias”, tanto que “uma pessoa a cada nove não tem acesso às refeições diárias”. Não só. O arcebispo lembrou que “um número crescente de pessoas tem acesso principalmente, se não exclusivamente, a alimentos de qualidade inferior”, o que leva ao “aumento de peso, obesidade e doenças relacionadas à nutrição”. O prelado convidou a “reduzir o custo dos alimentos nutritivos e tornar as dietas saudáveis acessíveis a todos”.
Olhar para a pessoa humana, não para a cultura do descarte
O contexto socioeconômico “dramático” causado pela pandemia da Covid-19, disse o observador permanente, agravou “a vulnerabilidade” das pessoas que passam fome e são desnutridas, porque “o declínio da produtividade agrícola e as restrições à exportação” exacerbaram “a pobreza e a insegurança alimentar daqueles que dependem da economia agroalimentar”. Em particular, os trabalhadores migrantes sazonais “que não encontram empregos sazonais, não podem sustentar suas famílias” e “milhões de crianças, devido ao fechamento das escolas, não têm acesso à merenda escolar”, que são uma parte “significativa” de suas necessidades diárias. Por esta razão, dom Caccia pediu para elaborar medidas específicas e de emergência para o setor agrícola, pois a segurança alimentar “só será alcançada quando as estruturas sociais responderem às exigências da justiça e do respeito à dignidade intrínseca de cada pessoa”. É necessário, acrescentou o prelado, “uma nova mentalidade”, ou seja, “políticas de desenvolvimento que tenham a pessoa humana em seu centro e que, em vez de fomentar a cultura do descarte, promovam a justiça social, a solidariedade e o respeito pelos frutos da terra e do trabalho humano”, garantindo “o acesso equitativo aos bens e recursos indispensáveis para sustentar a vida e promover o desenvolvimento integral de cada pessoa”.
Salvaguardar a Criação e seus recursos
Assim como está ligada à pobreza, a fome também está ligada à “saúde do planeta”, salientou o representante vaticano, porque “é vital preservar os recursos naturais” a fim de alcançar “sistemas alimentares mais sustentáveis que reduzam os efeitos do clima e protejam e restaurem o meio ambiente e a biodiversidade”. Somente assim, concluiu dom Caccia, “todos os homens, mulheres e crianças terão acesso ao seu 'pão de cada dia'”.
Uso pacífico do espaço extra-atmosférico
Em um segundo discurso, o observador permanente abordou algumas questões específicas: com relação ao espaço extra-atmosférico, reiterou a necessidade de “um uso pacífico’ dele, graças a “acordos que preservem seu caráter unitário e universal”. Uma possibilidade seria que “os satélites sejam lançados por organizações ou consórcios internacionais, e não por Estados ou sociedades, e que as atividades que exploram os recursos espaciais sejam realizadas por tais grupos”, explicou o arcebispo. Ao mesmo tempo, dom Caccia pediu que fosse dada mais atenção aos “detritos espaciais”, a fim de eliminar os “riscos de colisão” entre os satélites.
O drama dos refugiados palestinos
Sobre a situação dos refugiados palestinos no Oriente Médio, o representante vaticano destacou suas difíceis condições de vida, agravadas pela pandemia da Covid-19, que exige um fortalecimento do Acnur (Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados Palestinos no Oriente Médio) para “levantar a voz, em particular, em nome daquelas crianças inocentes, cansadas e desgastadas pelo conflito, que herdaram uma situação tão complexa das gerações passadas”. “Os refugiados palestinos são uma população de refugiados de longa data”, reiterou o prelado. “Somente uma paz negociada diretamente entre o povo palestino e israelense colocará fim à sua situação”. Dom Caccia “condenou com a maior veemência possível todos os atos de violência contra os funcionários de manutenção da paz da ONU” porque “tais ataques também poderiam constituir crimes de guerra”.
Deter o estupros de guerra
Um ponto específico de seu discurso, o observador permanente o dedicou às mulheres e crianças, muitas vezes vítimas de abusos durante os conflitos armados. “A Santa Sé reitera que o uso da violência sexual como arma de guerra é inaceitável e deve ser impedido”, disse o arcebispo. Diante de crimes tão horríveis, nunca devemos negligenciar a situação daquelas crianças concebidas como resultado da violência sexual na guerra. Tanto as mães quanto as crianças são vítimas inocentes e nenhum esforço deve ser poupado para garantir sua plena integração na sociedade”. Além de pedir o processo “de forma justa e imparcial” até mesmo dos funcionários da ONU culpados do crime de abuso, dom Caccia exortou “a incluir as mulheres em todos os aspectos do processo de paz, particularmente na prevenção, resolução de conflitos, construção da paz e processos humanitários”.
Vatican News Service – IP/MJ
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