Cardeal Czerny: "Fratelli tutti" nos convida a avançar rumo a um mundo novo
Vatican News
O Papa Francisco nos ajuda a problematizar a tendência de mútua agressão que levou a humanidade a uma verdadeira crise, tanto exacerbada como revelada pela pandemia global, e nos convida a caminhar rumo a um mundo novo. Foi o que disse o Cardeal Michael Czerny, Subsecretário da Seção de Migrantes e Refugiados do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, no webinar organizado pelo “Centro de Leigos” (Lay Centre) em Roma, com o objetivo de "Cultivar a resiliência entre as gerações".
“Estamos todos no mesmo barco: Cultivar a resiliência em uma comunidade global” foi o título da palestra do Cardeal, realizada na quinta-feira, 18 de novembro. O que o Santo Padre defende em Fratelli tutti e Laudato si’, explicou ele, não é um retorno insistente a estados de coisas anteriores. Em vez disso, temos que avançar decisivamente em direção a uma realidade renovada.
Resiliência, algo bom e admirável
O Cardeal, referindo-se ao tema que lhe foi atribuído para este evento, a “resiliência”, disse que é necessário “problematizar” as coisas, isto é, em vez de considerar algo óbvio, sem problemas, passar a olhar de maneira nova e descobrir que nem tudo se resolve tão facilmente. O objetivo desse processo de problematização é estar em uma posição melhor para propor uma abordagem mais promissora, uma solução realmente provável.
Quando refletia sobre a "resiliência", disse o Cardeal, ele percebeu que ela é a capacidade de uma substância retornar à sua forma usual após ser dobrada, esticada ou pressionada, mas “quando aplicada a pessoas, ‘resiliência’ tende a sugerir que os resultados ou consequências foram mais positivos do que o esperado. Simplificando, quer dizer ‘recuperar-se’,” comentou.
Porém, este período de pandemia nos ensina que, nas palavras do Papa Francisco, não basta simplesmente voltarmos ao mundo como era antes da pandemia. “Quem pensa que a única lição a ser aprendida é melhorar o que já fazíamos está negando a realidade.” (FT 7)
A capacidade de se recuperar
Em sua intervenção, o Cardeal Czerny destacou que o título de sua apresentação foi tirado de dois discursos do Papa Francisco, um na Urbi et orbi na sexta-feira, 27 de março, e o outro no Domingo de Páscoa, 6 de abril: “Estamos todos no mesmo barco."
Seguindo reflexões dos participantes da série “Nutrir a resiliência”, do Lay Centre, que foram enviadas por email, o Cardeal se dedicou ao sétimo capítulo da Fratelli Tutti e afirmou que, a Encíclica é um grande ato de fé, “apesar da crise atual, os seres humanos vão se recuperar; os muitos sistemas dos quais fazemos parte devem promover e fortalecer os fatores psicossociais que, por sua vez, promoverão a capacidade de recuperação; em particular, nossas expressões de fé desempenham um papel essencial”.
Aumento da população precária
O Cardeal Czerny declarou, ainda, ter aprendido uma nova ideia enquanto preparava sua fala: "precariado". A palavra vem da combinação do “precário” com o “proletariado”. O “precariado” atinge uma grande população e suas condições atuais. O emprego intermitente ou o subemprego, ou simplesmente a espera pelo trabalho, estão cada vez mais difundidos.
De acordo com um relatório da Oxfam de 2020, "Apenas 1 em 6 países gasta o suficiente com saúde, apenas ⅓ da força de trabalho mundial tem proteção social adequada e em mais de 100 países pelo menos 1 em cada 3 trabalhadores não têm proteção trabalhista”.
A pandemia nos leva a algo novo
A crescente ausência de trabalho decente e seguro resulta em muitas pessoas vivendo em situação precária e imprevisível, objetiva e subjetivamente miserável, disse ele. A pandemia coloca todos sujeitos ao “precariado”, pois, embora estejamos todos no mesmo barco, ”em vez de nos comportamos como ‘todos irmãos’, nós, humanos, atacamos uns aos outros e ao nosso ambiente também”.
Como afirma o Santo Padre, a pandemia precisa nos levar a uma nova realidade. Para ilustrar esse pensamento, o Cardeal Czerny apresentou a imagem do bote salva-vidas para dez pessoas com dez remos.
“Dez de nós o lotamos o barco. Estamos remando em direção à terra. Não podemos voltar ao nosso estado anterior, quando nós e muitos outros estávamos em um grande navio, porque ele afundou. Agora encontramos outro sobrevivente na água. O que fazer? Apertamos uma décima primeira pessoa e colocamos em perigo um barco projetado para dez? Arriscamos um diálogo e alguém tem uma ideia inusitada: 'Vamos nos revezar.' Cada um de nós pode nadar por alguns minutos, um após o outro. O navio nunca ficará em sua lotação máxima e os onze têm uma boa chance de sobrevivência. Aqui, resiliência não significa nostalgia do maior navio, nem defender violentamente a aparente segurança atual; significa avançar em uma nova maneira de alcançar a sobrevivência e muito mais. Esses são os caminhos que o Papa Francisco estabelece em Fratelli tutti”, contou.
Formas renovadas de encontro
Depois de defender o diálogo para negociar nossas crises no capítulo 6 de Fratelli tutti, o capítulo 7 nos faria traçar "caminhos de reencontro", reconhecendo e, de fato, trabalhando em nossas feridas (225). Para que as feridas sarem, devemos partir com ousadia da verdade, do reconhecimento da verdade histórica. Esses caminhos implicam o exercício de “uma memória penitencial que pode aceitar o passado para não turvar o futuro” (226).
Os desafios de hoje questionam nossa consciência moral, sublinhou o Cardeal Czerny. Só a verdade dos fatos é uma base suficientemente sólida para a compreensão mútua, o compromisso com o bem comum e a abertura a novas soluções.
E isso se conecta com a necessidade de fazer memória. Perdoar não significa esquecer (246, 250); o conflito é inevitável, mas isso não significa que a violência seja aceitável, recordou o Cardeal Czerny. Iniciar processos de reconciliação requer tempo e paciência, respeito pela memória das vítimas, renúncia a demandas violentas e resolução de conflitos (244, 251).
Um apelo urgente à amizade social e à fraternidade
“Fratelli tutti- disse o Cardeal Czerny - é um apelo urgente à amizade social e à fraternidade. Deve necessariamente permanecer atraente enquanto os humanos preferirem a divisão e inimizade à harmonia e amizade.
No Capítulo 7, os caminhos da fraternidade, amizade, harmonia e esperança são apresentados. A próxima e última pergunta é: Quem vai dar o próximo passo? O capítulo 8 responde: "Religiões a serviço da fraternidade em nosso mundo." “Da nossa experiência de fé e sabedoria acumulada ao longo dos séculos, mas também das lições aprendidas com as nossas muitas fraquezas e falhas, nós, as pessoas que creem, de diferentes religiões, sabemos que nosso testemunho de Deus beneficia nossas sociedades e nos ajuda a nos reconhecermos como companheiros de viagem, verdadeiros irmãos e irmãs."
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