Arcebispo Paul Richard Gallagher Arcebispo Paul Richard Gallagher 

Gallagher: no pós pandemia uma nova aliança entre a ciência e humanismo

Na Academia Nazional dos Linces a "lectio magistralis" do arcebispo secretário para as Relações com os Estados da Santa Sé, sobre o tema "Fraternidade, ecologia integral e Covid-19". A contribuição da diplomacia e da ciência". Precisamos, disse, de uma política internacional "inclusiva, ao serviço de todos", e de uma colaboração científica "verdadeiramente interdisciplinar".

Alessandro Di Bussolo, Silvonei José – Vatican News

O reinício depois da pandemia da Covid-19 terá de basear-se "numa nova aliança entre a ciência e o humanismo, que devem ser integradas e não separadas, nem, pior ainda, contrapostas" e numa "abordagem sistémica baseada numa solidariedade renovada, exercida também no respeito pelo bem comum e pelo ambiente". Para desenvolver, como o Papa Francisco pede na sua última Encíclica “Fratelli tutti”, "uma comunidade mundial capaz de alcançar uma fraternidade de povos e nações que vivem a amizade social". Mas para tal, precisamos "da melhor política, inclusiva, ao serviço de todos, de âmbito internacional" e de uma colaboração científica "verdadeiramente interdisciplinar, sem deixar de lado nenhum tipo de saber".

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Uma lectio magistralis na sede da Academia dos Linces

É o coração da lectio magistralis do arcebispo Paul Richard Gallagher, secretário para as Relações com os Estados da Santa Sé, realizada na tarde desta segunda-feira (23/11) no âmbito dos colóquios de Diplomacia da Ciência, organizados na sede da Academia Nacional dos Linces, no Palazzo Corsini em Roma. Dom Gallagher desenvolveu assim o tema "Fraternidade, ecologia integral e Covid-19". A contribuição da diplomacia e da ciência".

As múltiplas crises que o mundo deve enfrentar

Na primeira parte do seu discurso, dom Gallagher examinou as muitas crises humanitárias que o mundo enfrenta hoje, em diversas áreas do Planeta. Tudo isto "apesar do fato de estarmos assistindo a progressos sem precedentes nos vários campos da ciência". De fato, enfrentamos uma crise de saúde com mais de 50 milhões de pessoas infectadas pela pandemia e bem mais de um milhão de seres humanos que perderam as suas vidas por causa da Covid-19.

Crise sanitária mas também crise alimentar e ambiental

Mas a crise sanitária também amplificou a crise alimentar já em curso, se como informa o relatório sobre o "Estado da segurança alimentar e da nutrição no mundo", elaborado em julho pelas 5 agências das Nações Unidas que operam no âmbito da nutrição, a FAO, o Ifad, a Pam, a Unicef e a Oms, nos informa que, em 2019, quase 690 milhões de pessoas passaram fome. O espectro da fome sempre iminente está também ligado à crise ambiental causada pelo aquecimento global e as alterações climáticas. Pelo menos meio milhão de pessoas, segundo o relatório especial do Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (Ipcc), vivem em áreas onde está em andamento um processo de desertificação.

A crise econômica e social, amplificada pela pandemia

A tudo isto soma-se a crise econômica e social, que a pandemia está agravando, uma vez que "os pobres, especialmente os que trabalham em setores informais, foram os primeiros a ver desaparecer os seus meios de sobrevivência". Em síntese, para o secretário para as Relações com os Estados, estas crises estão tão fortemente inter-relacionadas que se pode falar "de uma crise sócio-sanitária-ambiental única e complexa".

Tempo de provação que se torna tempo de escolha

Mas também por esta razão o evento catastrófico da pandemia "pode ser visto como uma remodelação social, como um momento unificador que implica a percepção de uma uniformidade de interesses". E como o Papa Francisco recordou durante o extraordinário momento de oração em tempo da pandemia de 27 de março deste ano, devemos "aproveitar este tempo de provação como um tempo de escolha".

A alternativa é: transformar-se ou dobrar-se

O arcebispo Gallagher salientou que "a pandemia da Covid-19 pode representar um verdadeiro ponto de conversão (não apenas no sentido espiritual), uma verdadeira oportunidade de transformação; contudo, pode também ser um elemento de perversão, de retirada individualista, de exploração". O reinício pode portanto ser entendido como "um desafio da civilização em prol do bem comum e uma mudança de perspectiva, que deve colocar a dignidade humana no centro de todas as nossas acções". Mas isto requer "uma visão clara do tipo de sociedade e economia que queremos, uma visão que se baseie numa cuidadosa 'reflexão sobre o significado da economia e dos seus fins'", acrescentou o secretário para as Relações com os Estados, citando a Cáritas in Veritate de Bento XVI.

A segurança não vem das armas mas da cooperação

Para garantir enfim uma segurança integral dos Estados e dos povos, as despesas militares não devem ser aumentadas, mas a cooperação global deve ser aumentada, reforçando o "multilateralismo, insistindo também no compromisso de desarmamento e controle de armas, não como um fim em si mesmo, mas com vista a contribuir para a segurança e paz comuns, o que não deve ser entendido como falta de guerra, mas como falta de medo, e portanto como a promoção do bem-estar social para o bem comum".

Tudo está interligado: a visão poliédrica da ecologia integral

O conceito de fraternidade expande-se e completa, na visão da encíclica Laudato si’, com a de ecologia integral. "Tudo está interligado", escreve o Papa Francisco, e o arcebispo inglês salientou que "a defesa dos ecossistemas, a preservação da biodiversidade, a gestão dos bens comuns globais não serão jamais eficazes se forem separadas de questões como política e economia, migração e relações sociais. Bento XVI já em 2006 pedia isso, recordou Gallagher: "precisamos converter o modelo de desenvolvimento global". Isto é, "precisamos adotar uma nova visão do mundo, ancorada no conceito de ecologia integral".

A pessoa no centro: a cultura do cuidado vence sobre o descarte

O ponto focal permanece "a centralidade da pessoa humana, com a consequente necessidade de promover a cultura do cuidado", em antítese à generalizada "cultura do descarte" não só de bens, mas frequentemente de seres humanos. Tendo em conta, como faz Francisco na Laudato si’, que "o desenvolvimento tecnológico e econômico, que não deixa um mundo melhor e uma qualidade de vida inteiramente superior, não pode ser considerado progresso".

O poder transformador da educação e da solidariedade

O secretário para as Relações com os Estados do Vaticano sugeriu, para iniciar o processo de conversão, "utilizar o poder transformador da educação" e da solidariedade. A primeira, a longo prazo, pode moldar nas novas gerações "uma política e uma economia genuinamente sustentáveis para a qualidade de vida, para benefício de todos os povos da terra e especialmente daqueles que se encontram nas situações mais desfavorecidas e estão em risco".

Um Estado sozinho não pode garantir o bem comum

A segunda foi chamada em causa pela pandemia, que descobriu as nossas fragilidades, mostrando a "necessidade de uma nova solidariedade". Porque só "estando unidos, só mostrando solidariedade" é que podemos enfrentar até as emergências mais terríveis. O Papa escreveu isto em Fratelli tutti: "Hoje, nenhum Estado-nação isolado é capaz de assegurar o bem comum da sua população”.

Uma sociedade fraternal, que não deixa ninguém para trás

Em conclusão, dom Gallagher reiterou que "é necessário criar uma sociedade fraterna que promova a educação para o diálogo e permita que todos dêem o seu melhor. O apelo a não deixar ninguém para trás deve ser uma advertência para que jamais seja negligenciada a dignidade humana e a ninguém seja negada a esperança de que um futuro melhor possa ser construído".

 

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24 novembro 2020, 11:53