O esforço de Pio XII para salvar os “irmãos” judeus
Fabio Colagrande – Vatican News
O livro de Johan Ickx, publicado na Itália por Rizzoli, intitula-se "Pio XII e os Judeus" e é o resultado de meses de pesquisa entre os documentos acessíveis pela primeira vez após a abertura do Arquivo do Vaticano relativo ao pontificado do Papa Pio XII. O autor, que é o diretor do Arquivo Histórico da Seção de Relações com os Estados da Secretaria de Estado, reconstrói, através de dezenas de textos inéditos, o papel crucial desempenhado por Pio XII e seu gabinete na tentativa de salvar milhares de judeus da perseguição nazista durante a Segunda Guerra Mundial.
Entrevista com Jonhan Ickk
A chamada "lenda negra" afirma que o Papa Pio XII permaneceu inerte enquanto continuava a perseguição aos judeus. Em vez disso, com seu livro descobrimos um Papa Pacelli à frente de um gabinete cheio de atividades atendendo diariamente inúmeros pedidos de ajuda dos perseguidos.
Johan Ickk: A "lenda negra" relativa a Pio XII vai em várias direções. O primeiro ponto é a suposição de que durante aqueles anos ele não fazia nada, por assim dizer, ficava "na janela", testemunhando os massacres que não queria ver, limitando-se a ignorá-los. Bem, isso não é verdade, porque a série de dossiês chamada "Judeus" que está em nossos arquivos - e representa um verdadeiro e próprio unicum, penso que em todo o mundo - demonstra o cuidado diário com que, 24 horas por dia, o Papa e as onze pessoas de seu "bureau", juntamente com os núncios e outros colaboradores no exterior, trabalhavam para ajudar os perseguidos em toda a Europa. É uma série de arquivos que contém centenas de dossiês e milhares de documentos. Cada dossiê conta a história de uma família ou de um grupo de pessoas perseguidas que diretamente, ou através de intermediários, pediram ajuda ao Papa. Contei cerca de 2.800 pedidos de ajuda ou intervenção que dizem respeito às vicissitudes de cerca de 4.000 judeus entre 1938 e 1944.
São documentos que sugerem que durante a perseguição e extermínio promovidos pelos nazistas, por toda a Europa sabia-se que Pio XII era a última esperança para muitos?
Johan Ickk: Em meu livro há muitos exemplos disso. É realmente surpreendente como homens e mulheres em perigo, em Milão, mas também em Praga ou Budapeste, considerassem como único e verdadeiro último recurso recorrer a Roma e pedir ajuda ao Papa. Para os judeus, portanto, era evidente e claro que Pio XII estava do lado deles e que ele e seus ajudantes fariam tudo o que estivesse ao seu alcance para salvá-los.
O livro confirma que, naqueles anos, o Papa se esforçou para salvar tanto os católicos quanto os judeus...
Johan Ickk: O Vaticano assumia os casos tanto de judeus como de cristãos, de muitos cristãos. Este é outro detalhe que emerge dos arquivos e que é pouco conhecido. Em 1941, em todo o território alemão e em todos os estados ocupados, as leis raciais mudaram. Em vez de tomar a religião como critério de perseguição, foi adotado um princípio "étnico", eu diria genético, baseado no sangue: qualquer pessoa com um ancestral judeu, até a terceira geração, era presa e deportada. Um exemplo dramático publicado no livro é a carta desesperada de uma mulher católica que, em 1943, logo após o rastreamento nazista do Gueto de Roma, pediu ajuda a Pio XII. Ela morava perto do Vaticano, seus filhos frequentavam o Colégio De Merode na Piazza di Spagna – portanto uma família muito católica - mas ela tinha uma avó de origem judaica. Dando-se conta que estavam em grande perigo, pediu ao Papa para encontrar um esconderijo para ela. Os documentos não nos dizem se esta mulher foi realmente ajudada, mas é plausível que, por instruções de Pio XII, ela tenha sido escondida em um instituto religioso, como está documentado em muitos outros casos.
Que tipo de informações chegavam ao Vaticano sobre o que estava acontecendo nos campos de concentração na Europa Oriental?
Johan Ickk: O escritório coordenado do Papa estava agindo um pouco no escuro pelas escassas notícias que chegavam daqueles lugares de terror. Os ingleses, os americanos e a Santa Sé estavam trocando informações sobre o assunto e este também é um fato muito interessante que emerge no livro. Havia uma grande colaboração entre os diplomatas em campo e eles se trocaram as terríveis notícias sobre os campos de concentração. Quando chegaram no Vaticano as primeiras evidências do extermínio em massa que estava sendo perpetrado nos campos de concentração, a princípio os diplomatas da Secretaria de Estado ficaram perplexos, para eles foi difícil acreditar nisso. Por exemplo, foi necessária muita prudência para examinar os relatórios vindos do Gueto de Varsóvia de "agentes do Vaticano" ou de pessoas anônimas que enviaram testemunhos. Mas logo ficou claro que tinha sido realizado um rastreamento total para esvaziá-lo completamente, deportando e matando todos os seus habitantes.
De seu livro emerge também o "modus operandi" do escritório da Secretaria de Estado chefiada pelo Papa Pio XII. Em meio ao conflito, os diplomatas tiveram o cuidado de responder aos pedidos de ajuda, mas mantendo-se neutros, para não excluir nenhum canal de comunicação...
Johan Ickk: Creio que foi esta intenção de salvaguardar a imparcialidade no conflito que levou o Papa a não publicar um documento condenando as perseguições, juntamente com os ingleses, os americanos e os soviéticos. Não esqueçamos que os soviéticos, no início da guerra, ainda eram aliados dos EUA e da Inglaterra. A Santa Sé entendeu, na minha opinião, que naquele momento não podia queimar sua reputação, colocando-se ao lado dos soviéticos. Imagine o que teríamos dito hoje se a Santa Sé tivesse colaborado com os Aliados naquele momento. Não o fez, mas agiu de forma paralela para ajudar os perseguidos e pressionar os países ocupados pelo nazismo. Esta imparcialidade teria sido de primordial importância no período do pós-guerra.
O livro relata muitas histórias dramáticas, pedidos de ajuda que o Vaticano às vezes não consegue responder...
Johan Ickk: Em uma Europa em guerra, as comunicações eram lentas e difíceis. Faltavam forças em campo e havia um trabalho de inteligência nazista tentando impedir que os pedidos de socorro fossem bem sucedidos. Os sentimentos de amargura e impotência expressos em muitas ocasiões pelos membros do gabinete de Pio XII são muito marcantes. Pode-se ver como Dom Barbetta ou Dom Dell'Acqua e os outros membros da equipe, liderados pelo Cardeal Maglione e Tardini, trabalhavam dia e noite para tentar ajudar as pessoas em fuga, para movê-las de um extremo ao outro do mundo, para depois ter que admitir que chegaram tarde demais e que seus esforços foram em vão.
Obrigado por ter lido este artigo. Se quiser se manter atualizado, assine a nossa newsletter clicando aqui e se inscreva no nosso canal do WhatsApp acessando aqui