Livro "Por uma fraternidade humana" analisa avanços no diálogo inter-religioso desde Abu Dhabi
Francesca Sabatinelli – Vatican News
Reler o Documento sobre a Fraternidade Humana à luz das relações que a Igreja Católica estabeleceu com os muçulmanos, com particular atenção desde o início do Pontificado de Francisco. Essa é a intenção do livro 'Por uma fraternidade humana. Cristãos e muçulmanos unidos na diversidade', escrito por Paolo Branca e Antonio Cuciniello, publicado pela Edizioni Paoline, e apresentado on-line na noite de quinta-feira, 4 de fevereiro, segundo aniversário da assinatura do Documento em Abu Dhabi. Participou da transmissão o Imame Yahya Pallavicini, presidente da Coreis italiana (comunidade religiosa islâmica).
Os autores, no livro, aprofundam os conceitos de encontro e diálogo em sua concreta viabilidade. O prefácio foi confiado a monsenhor Khaled Akasheh, responsável pelo Escritório para o Islã do Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-religioso.
A Declaração de Abu Dhabi – explica ao Vatican News um dos autores, o arabista e islamologista da Universidade Católica de Milão, Antonio Cuciniello - é apresentada em todos os aspectos como um caminho que torna todos os seres humanos irmãos.
Professor, o Papa já advertiu várias vezes que sozinhos não podemos nos salvar e que por isso devemos trabalhar para promover o diálogo entre as religiões, como nos explica o Documento sobre a Fraternidade Humana. O livro escrito por vocês destaca, além do valor do texto, os passos dados até agora em nome de Abu Dhabi e também traz algumas sugestões de como proceder. Dois anos após a assinatura, em que ponto estamos?
R.- Certamente, já foram muitos e significativos os passos dados. Desse ponto de vista, gostaria de recordar que em 19 de agosto de 2019, portanto alguns meses após a assinatura do documento, foi constituído o 'Comitê Superior para a Implementação do Documento de Abu Dhabi', composto quer por membros católicos como muçulmanos. Trata-se de Comissão que, entre outras coisas, se reuniu pela primeira vez na Casa Santa Marta numa data muito simbólica e emblemática, a saber, 11 de setembro de 2019. Entre os vários objetivos que a Comissão se propôs, há certamente o de desenvolver, ou mesmo solicitar, uma série de ações, de eventos, para que o texto tenha uma aplicação real e adequada, para que não se limite simplesmente a uma declaração. É uma implementação que deve ser explicitada também na sua aplicação efetiva e eficaz, quer a nível internacional, mas também a nível regional, organizando encontros com líderes religiosos, organismos internacionais, justamente com o objetivo de promover ações quanto mais concertadas, para que haja também uma partilha de intenções nesses encontros que a Comissão vai solicitar ou organizar diretamente. A prioridade, portanto, é a de trabalhar pela paz no mundo e garantir, sobretudo para as gerações futuras, um clima de respeito mútuo e, claro, uma convivência saudável. Em última instância, também gosto de recordar que o Comitê, em plena pandemia do coronavírus e no meio do mês do Ramadã - parece uma coincidência, mas obviamente não é - convidou, com uma mensagem em 13 línguas, para que, poderíamos dizer, chegasse até os confins da terra, a um dia de oração e jejum convocado precisamente para 14 de maio.
Qual é a importante contribuição que a última Encíclica do Papa Francisco, Fratelli tutti, dá para a compreensão da Declaração de Abu Dhabi?
R.- A premissa a ser feita é que, para o Papa Francisco, as questões ligadas à fraternidade e à amizade social sempre foram suas preocupações, como reitera também na Encíclica e à qual, frequentemente, faz referência. Nessa perspectiva, a Fratelli tutti recolhe muitas das intervenções do Papa sobre essas temáticas, obviamente colocando-as em um contexto mais amplo de reflexão. Também nesta Encíclica, de fato, o Papa faz questão de precisar que em Abu Dhabi não houve um encontro que poderíamos definir como diplomático, mas uma verdadeira reflexão vivida recíproca que ambos os expoentes religiosos, e claramente as suas equipes, realizaram no pleno diálogo, e em um compromisso evidentemente conjunto.
Quando foi assinado o Documento da Fraternidade Humana, havia quem expressasse o temor de que tal documento poderia ser acessível somente a uma certa parte dos fiéis, a uma elite, às pessoas mais cultas, sem contudo poder penetrar na base, isto é, entre os fiéis e entre as gerações mais jovens. Esses temores se concretizaram, foi isso o que aconteceu ou está acontecendo?
R.- No livro que escrevi com o Paolo Branca, dediquei um capítulo inteiro, o quarto, a esse ponto. Neste capítulo, sublinho que o Documento marca o início de uma forma diferente de dialogar, porém, como sabemos que só o diálogo não é suficiente, é preciso ter também a coragem de levantar a fasquia, para que possam ser alcançados, de uma forma ou outra, objetivos mais elevados, que se refirem à unidade, à comunhão e, portanto, em última instância, à fraternidade a que o texto tanto se refere desde o seu título. Nesse sentido, o Documento de Abu Dhabi mostra-se muito concreto porque, em vários momentos, muitas vezes repassa todos os campos nos quais é pedida uma mudança, portanto, se vai do campo político ao social, ao religioso. Em muitas cidades italianas, como em Sesto San Giovanni, perto de Milão, mas também em Florença, em Perugia, a Declaração de Abu Dhabi foi assinada por representantes religiosos locais, mas também apresentada aos cidadãos e, portanto, simbolicamente, também entregue nas mãos dos cidadãos. Isso, obviamente, mesmo sendo o que poderíamos definir como um gesto formal, não faz senão aumentar a partir de baixo, e portanto fortalecer, encontros, diálogos e, sobretudo colaborações, para o bem comum, mas sobretudo para uma cidadania alargada.
Quanto à difusão, divulgação, a compreensão do Documento no mundo islâmico, sabes como está ocorrendo?
R.- Sabemos que o mundo islâmico é um mundo absolutamente plural, estamos falando de um bilhão e 700 milhões de pessoas. Concentrando-se, no entanto, naqueles Estados onde o Islã é a religião majoritária, as realidades sociais antropológicas históricas são tão variadas que isso vale como premissa para dizer que o documento não se enraizou em todos os lugares. Sem dúvida, foi considerado muito favorável pela maioria dos muçulmanos. Cito, por exemplo, algumas experiências muito interessantes na Indonésia e nas Filipinas, onde há bolsões de fundamentalistas, há um bom tempo. É óbvio que esses grupos, essas realidades, reitero minoritárias no Islã, não veem favoravelmente nenhum evento de encontro com o outro. Dito isso, no entanto, a esmagadora, repito, a esmagadora maioria dos muçulmanos em todo o mundo, vê com bons olhos isso, sobretudo porque entendem que dá bons frutos. A declaração de Marraquexe sobre as minorias no mundo islâmico (ndr - assinada em 2016, é uma carta com a qual o mundo islâmico garante a proteção das minorias religiosas, reconhecendo igual dignidade e direitos iguais a todas as confissões) é um documento extremamente interessante, portanto, existem avanços. Claro, ainda há um longo caminho a percorrer.
Na sua opinião, que sentido pode dar à escolha da Assembleia Geral das Nações Unidas em realizar o Dia Internacional da Fraternidade Humana todo dia 4 de fevereiro, este ano foi o primeiro de todos?
R.- Penso que, essencialmente, trata-se de uma celebração que, de forma clara e evidente, subjaz um convite a todo ser humano, portanto para além das pertenças religiosas, não só aos cristãos e muçulmanos, mas a todo ser humano, para construir todos juntos, sem exceção, um presente que tem necessidade, que sente a necessidade, da paz precisamente no nosso encontro com o outro, também à luz do fato, como muitas vezes afirmou o Papa Francisco, de "que ninguém se salva sozinho".
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