Os três amigos judeus de Lolek
Por Giampaolo Mattei
Em Jerusalém, naqueles dias de março de 2000, também eu estava no séquito de João Paulo II, face a face com o Muro das Lamentações e no Yad Vashem, memorial às vítimas da Shoah. Estava ali para escrever no meu caderno sobre o gesto inesperado do Papa de inserir entre as rachaduras das pedras antigas do Muro o seu fituch, acompanhado pelo sinal da cruz. E também para sorrir por aquele gato que escolheu atravessar a praça naquele momento exato. Mas como cronista "distraído" - pelos gestos do Papa e também pelo gato - não percebi os protagonistas da história que o antigo vice-diretor do meu Osservatore Romano, Gian Franco Svidercoschi, conta hoje no livro Gli amici di Lolek (Edições Terra Santa, Milão 2022, 144 páginas, euro 14).
É "a história de uma amizade – imediatamente aparece "Svider” (ele sempre foi chamado assim na redação) - entre quatro jovens nascidos e criados na Polônia no início do século XX". O fato é que um deles é Lolek. Sim, outro apelido: e é assim que amigos íntimos sempre chamaram Karol Wojtyła. Mas também é fato que os outros três amigos são judeus: Jerzy Kluger (também conhecido como Jurek), Kurt Rosenberg e Ewa (o sobrenome, explica o autor, permaneceu desconhecido).
Pelas ruas de Wadowice, se misturam os estudos, projetos, esportes, confidências, paixões e amores dos quatro amigos. A tragédia da Segunda Guerra Mundial estraçalha e varre tudo. Com a vergonhosa onda anti-semita. Auschwitz fica a 30 quilômetros de Wadowice. Os três jovens judeus são presos e embarcados em trens como deportados. Kurt salta do vagão com o trem em movimento. Os outros dois sobrevivem, em meio a atrocidades desumanas. Entre nazistas e o Exército Vermelho.
“Svider” repropõe com poucos traçados de caneta um século de história – e que história! – por meio dos acontecimentos (paralelos) dos quatro amigos. Após a guerra, Jurek e Kurt fundaram uma empresa de importação e exportação na Itália. Depois, em 1965, a reviravolta. Os dois estão entre Nápoles e Roma a trabalho (desembaraçam tratores e escavadeiras da alfândega). Leem nos jornais as notícias sobre a última sessão do Concílio Vaticano II. E eles descobrem que entre os padres do conciliares existe um certo Karol Wojtyła. O amigo deles! Jurek telefona para o Pontifício Instituto Polonês na Via Pietro Cavallini, em Roma, pedindo pelo arcebispo Wojtyła.
A atender na central telefônica está um jovem sacerdote, P. Józef Kowalczyk (será núncio apostólico na Polônia e arcebispo de Gniezno), que anota e relata a chamada, como relatou no número especial publicado pelo "Osservatore Romano" para o centésimo aniversário do nascimento de João Paulo II. E assim, pouco depois, toca o telefone de Jurek: "Olá, é Lolek, vamos nos encontrar!" O fio da amizade retoma exatamente onde foi – aparentemente – rompido pela loucura da guerra.
Mas ao chamado falta Ewa. A tragédia do conflito levou a mulher para Perth, na Austrália. Lá ela quase deu de cara com Lolek - que se tornou Papa - entre 30 de novembro e 1º de dezembro de 1986. Perdida na grande multidão, ela não conseguiu encontrá-lo. Mas 8 anos depois, em 1994, eis que chama a atenção na vitrine de uma livraria, em uma viela a poucos passos da Victoria Square, a capa de um livro cujo título a deixa sem fôlego: Carta a um amigo judeu.
Naquelas páginas, o próprio "Svider" fala de seus amigos de Wadowice. Ewa encontra no livro o endereço residencial de Jurek: via Francesco Denza, 19 - Roma. Ela entra em contato com ele e juntos eles retomam também a amizade com Kurt.
Escreve "Svider" sobre aqueles dias de março de 2000 em Jerusalém, com João Paulo II no Muro das Lamentações e em Yad Vashem: "Na volta, há um encontro entre os quatro amigos de Wadowice. Um encontro de olhares, de corações, de memórias. Lolek gesticula com a mão, como se quisesse fazer um carinho. Depois, ao afastar-se, sussurra algo. Ouve-se somente: “Reencontrar-se”.
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