Processo vaticano, os muitos "não me lembro" da testemunha Perlasca
Alessandro Di Bussolo – Vatican News
As cinco horas de 25 de novembro, depois das seis horas do dia anterior, não foram suficientes para concluir o interrogatório feito pelos advogados dos réus a monsenhor Alberto Perlasca, "testemunha-chave" no processo pela gestão dos fundos da Santa Sé. O ex-chefe do Escritório administrativo da Secretaria de Estado respondeu às perguntas dos advogados do cardeal Angelo Becciu, na época dos fatos substituto da Secretaria de Estado, de Fabrizio Tirabassi, ex-minutador do mesmo escritório de Perlasca e seu colaborador direto, e de Enrico Crasso, consultor financeiro da Secretaria de Estado.
Terceira e última parte do interrogatório em 30 de novembro
Ele o fez com muitos "não me lembro", tanto que o presidente do Tribunal Giuseppe Pignatone interrompeu duas vezes a trigésima oitava audiência do processo, aconselhou repetidamente calma e moderação à testemunha, e pediu-lhe que fosse mais cuidadoso em suas respostas, a fim de não correr o risco de ser incriminado por falso testemunho. Sobre alguns particulares, o sacerdote de Como pediu permissão para rever suas anotações, deixadas em casa, e reservou-se o direito de responder na próxima audiência, marcada para 30 de novembro.
As perguntas dos advogados do cardeal Becciu
Os advogados do cardeal Becciu, Viglione e Marzo, interrogaram Perlasca por quase três horas, concentrando-se em suas relações com seu ex-superior. O primeiro voltou ao jantar de 5 de setembro de 2020 em um restaurante romano, para perguntar à testemunha por que, depois de convidar o cardeal para "uma noite tranquila", ele informou a Gendarmaria Vaticana sobre o encontro. "Eu não queria que eles pensassem coisas estranhas", explicou Perlasca, acrescentando que temia que eles quisessem gravar a conversa com escutas. Mas, acrescentou, "o comissário De Santis garantiu-me que eles não atuam em território italiano".
O jantar de setembro de 2020 num restaurante romano
Alguns dias antes, em 31 de agosto, o monsenhor, por sua própria iniciativa, havia trazido um memorial aos investigadores, no qual mencionava frequentemente seu ex-superior. "Eram minhas considerações sobre os fatos - explicou ele no tribunal -, "não havia nenhuma acusação, mas apenas esclarecimento da minha posição, e a contribuição que todo cidadão e cristão deve dar aos que fazem investigações". Durante o jantar, Perlasca pediu ao cardeal Becciu "indicações sobre como se comportar, sobre o que fazer, dizer ou não dizer" e no final, de volta para casa, ele transcreveu a conversa e também leu o conteúdo, gravando-o em seu smartphone. Quando solicitado pelo advogado Viglione para produzir o texto e a gravação no tribunal, a testemunha respondeu que "estas são minhas coisas privadas, que não quero compartilhar... Como um diário meu", mas depois prometeu entregá-los ao tribunal proximamente.
Por quase três anos sem salário nem assistência médica
Perlasca explicou que ele havia solicitado reiteradamente a ajuda do cardeal, pois após o primeiro interrogatório em 29 de abril de 2020, ainda sob investigação, seus fundos no Ior haviam sido apreendidos e sua conta em um banco italiano havia sido limitada, tanto que "eu não podia mais retirar nada sem autorização". Também foi dispensado do cargo de promotor de justiça adjunto na Signatura Apostólica (que havia ocupado por sete meses) e, como não era mais funcionário da Santa Sé, "eu não tinha mais a cidadania vaticana e tudo me foi tirado". Desde então, não tenho nenhum salário, nenhuma pensão e nenhuma assistência médica há três anos. Mas não pedi nada a ninguém". Ele também foi solicitado a deixar o apartamento na Casa Santa Marta e a renunciar a placa do SCV para o carro, "mas isso não teve bom êxito". E Perlasca levantou a hipótese de que nestas ações havia a mão do cardeal Becciu, a quem ele também pediu ajuda em 2021, em uma carta, sem êxito.
A ameaça de acabar com tudo isso: "mas era apenas uma provocação"
O advogado Viglione leu no tribunal a mensagem que Perlasca enviou a Becciu em 3 de julho de 2021, na qual ele insinuou que estava pronto para dar um basta a tudo: "Atirando-me do meu quarto eu morreria sobre a capela. Eu sempre a quis muito bem. Seria a única saída para dizer a todos que sou inocente...". O cardeal se assustou e enviou um médico do Fas (Fundo Assistência de Saúde) ao apartamento do monsenhor na Casa Santa Marta para uma verificação. "Era apenas uma provocação. Ele não entendeu a ironia da minha mensagem - comentou Perlasca -, talvez porque ele soubesse da exasperação à qual ele me havia conduzido, gota a gota".
O memorial que "parece com um questionário"
Em seguida, o monsenhor foi questionado sobre o memorial entregue aos investigadores em 31 de agosto de 2020, que Viglione descreveu como "um questionário", porque constituído de 21 perguntas em dezoito páginas. Quando interrogado sobre quem lhe havia feito essas perguntas, sobre muitos temas inclusive não abordados no interrogatório de 29 de abril, Perlasca respondeu primeiro que elas eram fruto de uma sua reflexão pessoal, depois que não se lembrava quem lhe havia sugerido as perguntas. No final, reservou-se consultar suas anotações e responder na audiência de 30 de novembro. O advogado de defesa de Becciu também lhe perguntou por que, no memorial, ele jogava muita responsabilidade sobre seu ex-superior. E Perlasca desabafou: "por que me levou a fazer aquelas coisas pelas quais ele hoje é réu. Eu queria deixar claro que não era cúmplice nem conivente. Entrei no caso porque ele me levou a fazer coisas que eu não queria fazer. Mas agora minha posição foi arquivada".
O conteúdo do memorial
O advogado de Becciu recordou em seguida a Perlasca que no mesmo memorial ele declarou que queria se defender "depois de tudo o que o cardeal tinha deposto contra mim". Mas depois ele viu, insistiu Viglione, "que não houve nenhum depoimento contra o senhor feito pelo cardeal, nos autos, quem lhe disse que Becciu tinha falado contra o senhor"? Também o presidente Pignatone ressaltou que em 31 de agosto de 2020 não havia registro de qualquer interrogatório feito ao cardeal. Após a pausa concedida, para que Perlasca pudesse se recordar, o monsenhor lembrou que o próprio Becciu lhe havia referido que o promotor de justiça Milano havia estado em sua casa "fazendo perguntas e tomando informações".
As transferências de dinheiro para a libertação da irmã Gloria
Por fim, sobre as transferências solicitadas pelo cardeal para a libertação da irmã Gloria sequestrada em Mali, Perlasca disse que Becciu lhe pediu para fazer duas transferências quando ele ainda era substituto da Secretário de Estado e uma quando ele não era mais, pedindo ao sucessor, o arcebispo Edgar Peña Parra, que assinasse a autorização.
A reunião de Londres acerca do prédio da Sloane Avenue
O monsenhor de Como foi em seguida interrogado pelo advogado de Tirabassi. Muitas das perguntas se concentraram na reunião em Londres em 20-23 de novembro de 2018, com o monsenhor confirmando o que ele já havia respondido no dia anterior ao promotor de justiça Diddi. "Era para ser apenas uma reunião preparatória para a aquisição do prédio", embora para o colaborador Tirabassi, lembrou o advogado, "o senhor disse que se chegaria a uma solução". Não estávamos prontos para fechar, nem mesmo psicologicamente - insistiu Perlasca -, depois foi uma coisa tão rápida quanto um deslizamento de terra desabando de uma só vez. Deveriam ter feito as coisas com mais calma". Ele confirmou que havia pedido a um amigo advogado, Bernasconi, uma opinião sobre dois contratos a serem assinados, que por telefone "me disse que era preciso tempo e esforço para avaliar o acordo". "Mas por que acabou assinando?" Questionaram quer Bassi quer Pignatone. "Porque os técnicos me asseguraram que estava tudo bem: Tirabassi e Crasso". Eu lhes disse 50 vezes, assinei porque se tudo estava bem, não fazia a Santa Sé perder dinheiro. No final acabei confiando neles".
"Acreditávamos que Torzi quisesse ajudar a Secretaria de Estado"
"Os senhores estavam convencidos, o senhor, Tirabassi e Crasso, de que Torzi realmente queria ajudá-los?" perguntou ainda Bassi. "Sim, porque Giovannini e Intendente, colaboradores legais de Torzi - respondeu Perlasca -, tinham sido apresentados pelo Dr. Milanese que tinha relações estreitas com o Papa, fomos psicologicamente desviados por esta apresentação". Após algumas perguntas do advogado Panella, defensor de Crasso, o presidente Pignatone anunciou o calendário das próximas audiências. O processo será retomado na quarta-feira, 30 de novembro, data em que serão ouvidas as testemunhas Giovannini, Perlasca novamente e Di Iorio.
Obrigado por ter lido este artigo. Se quiser se manter atualizado, assine a nossa newsletter clicando aqui e se inscreva no nosso canal do WhatsApp acessando aqui