A renúncia: o primeiro Papa emérito
Pe. Bernd Hagenkord (in memoriam) – Cidade do Vaticano
Mas o Papa Bento foi realmente o primeiro? Logo depois do fatídico anúncio por parte de Bento XVI, em 11 de fevereiro de 2013, começou a desenfreada busca para verificar se na história já tinha acontecido alguma coisa do gênero. E logo foi encontrado o Papa da Idade Média Celestino V (Pietro Morrone, morto em 1296) que, pouco depois de cinco meses na Cátedra de Pedro, manifestou o desejo de voltar à sua vida de eremita para depois ser preso pelo seu sucessor e morrer em condições miseráveis.
De um ponto de vista histórico não é claro se Celestino V seja verdadeiramente um “precursor” de Bento XVI porque os estudiosos duvidam da “espontaneidade” do seu gesto. Além disso há papas e antipapas obrigados à renúncia como por exemplo Gregório XII que renunciou a pedido do Concílio de Constância, para ajudar a acabar com o Grande Cisma do Ocidente. Mas em 2013 foi somente Celestino a ser citado como exemplo.
Na “Divina Comédia”, Dante Aleghieri manifestou pouca simpatia por Celestino V e colocou o papa vil no Inferno, “colui / che fece per viltade il gran rifiuto (Inf., III, 59-60)”. Em alguns âmbitos eclesiásticos a decisão de Bento XVI recebeu uma consideração semelhante, e a expressão de que não se desce da cruz, começou a se espalhar em todo o mundo. Mas a grande maioria - católicos e não católicos – entenderam essa decisão e a respeitaram, também pela vida de silencioso retiro à que se dedicou. Foi deste modo que Bento XVI demonstrou a sua grandiosidade e por isso mesmo, apesar de todos os precursores, na realidade é o primeiro.
O Direito canônico
O Direito canônico apresenta esta possibilidade. De fato, segundo o cân. 332 § 2 “Se acontecer que o Romano Pontífice renuncie ao cargo, para a validade requer-se que a renúncia seja feita livremente, e devidamente manifestada, mas não que seja aceite por alguém”. E no Consistório de 11 de fevereiro foram respeitadas as duas condições.
Eis que o direito reflete a posição jurídica única do Pontífice: no cân. 331 afirma-se que o Papa tem “poder ordinário, supremo, pleno, imediato e Universal. Portanto para a Igreja ele é o supremo legislador.
Esta autoridade remonta ao Apóstolo Pedro, ao qual Jesus Cristo dirige as mesmas palavras que são legíveis, em letras garrafais, no círculo interno da cúpula de São Pedro: “Por isso, eu te digo: tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as forças do Inferno não poderão vencê-la” (Mt 16-18).
Mas como vive um Papa emérito e qual o seu papel na Igreja, se não consta no Direito Canônico. É um “Bispo de Roma emérito”, um “Papa emérito” ou volta a ser um cardeal? Continua a usar o nome como Pontífice ou volta a ser Joseph Ratzinger? Continua a usar as vestes brancas? São as perguntas que foram levantadas depois de 11 de fevereiro de 2013. Em uma entrevista ao jornal alemão FAZ - Frankfurter Allgemeine Zeitung – de dezembro de 2014, o Papa emérito admitiu que num primeiro momento tinha pensado em escolher o nome “padre Bento”, para criar um claro afastamento. Porém, depois prevaleceu a escolha do nome “Papa emérito Bento”; e continuou a usar vestes brancas.
Como amadureceu a decisão
A renúncia não foi uma decisão impulsiva. No decorrer de muitas entrevistas com pessoas de sua confiança, pôde-se constatar, sucessivamente, que há muito tempo Papa Bento meditava sobre esta decisão, que amadureceu com o tempo. Já em 2010 no livro-entrevista ele falava da sua eleição ao Pontificado como de “uma guilhotina”. “Tinha certeza que este cargo não seria destinado a mim, mas que Deus, depois de tantos anos de fadiga, teria me concedido um pouco de paz e tranquilidade”: palavras suas em 2010 (Opera omnia, 13.2, p. 864).
No mesmo livro-entrevista ele disse também que considerava possível uma sua renúncia e na ocasião falou do direito e do dever da renúncia (p. 868). Alguns anos depois serviu-se deste direito – que talvez ele considerasse também um dever.
Com este gesto, Papa Bento mudou o ministério. Mesmo se talvez a possibilidade sempre tenha existido e se os papas que o precederam, como Paulo VI, por exemplo, ou João Paulo II, talvez tenham pensado nisso, mas Bento XVI viu claramente que se tratava de um “direito e, em algumas circunstâncias, também um dever”, e agiu deste modo quando, segundo sua avaliação, tinha chegado o momento.
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