Papa Francisco e Mariella Enoc visitam uma criança internada no Bambino Gesù Papa Francisco e Mariella Enoc visitam uma criança internada no Bambino Gesù  

O melhor presente de Natal é voltar para casa!

Entrevista do jornal L’Osservatore Romano com a doutora Mariella Enoc, Presidente do Hospital “Bambino Gesù”, em Roma, sobre como os pacientes jovens, suas famílias e equipe médica vivem este período do Advento e como estão sendo atendidas as jovens vítimas da guerra na Ucrânia, internadas neste hospital infantil.

Alessandro Gisotti - Vatican News

“Natal, para mim, é poder estar com meus amigos e família, mesmo no hospital, não obstante o trabalho dos médicos, que estão a fazer o possível para eu sarar”. Eis o depoimento de Giulio, de 15 anos, paciente no Hospital “Bambino Gesù”, que interpreta bem os sentimentos dos menores internados no hospital pediátrico de Roma, neste período de Advento.

Parece que o tempo não passa para quem está internado em um hospital, ainda quando são as crianças e seus pais. Natal deveria ser sinônimo de comemoração, encontro familiar, diversão e alegria para a criançada. No entanto, em um hospital, se sofre por uma separação antinatural, devido à enfermidade, que exacerba o desejo de normalidade.

Por sua vez, Simão, pai de Cecília, de 9 anos, afirma: “quando alguém está internada no hospital, não vê a hora de voltar para casa e tomar juntos o café da manhã. É um momento de felicidade extraordinária".

A presidente do Hospital Pediátrico “Bambino Gesù”, doutora Mariella Enoc, em entrevista ao jornal L'Osservatore Romano, fala das suas expectativas pessoais, em vista do Natal, destacando a importância de uma medicina desapegada, que promove uma relação de empatia com quem sofre: “Médicos, enfermeiros e voluntários estão continuamente em contato com crianças internadas e suas famílias. Para eles, o período que precede o Natal, é vivido de modo particular, comprometidos para que os pequenos doentes recuperem sua saúde, o mais rápido possível, e passem sua internação acompanhados pelo carinho de seus entes queridos e o calor humano da equipe médica”.

Estamos na primeira semana de Advento, um tempo de espera. Para nós cristãos, é a espera do nascimento de Jesus, também para quem não tem o dom da fé, pois é um período do ano, em que se vive de maneira especial.

Dra. Mariella, como as pessoas transcorrem este período de Advento em um contexto particular, como neste hospital pediátrico?

“As crianças hospitalizadas, como todas as crianças, aguardam o Natal com ansiedade. Tentamos, aos poucos, fazer com que as crianças cristãs entendam que o Natal é um aniversário importante: o aniversário de Jesus, amigo delas, que deve ser bem preparado. As crianças não cristãs vivem este sentimento de expectativa e festa, que não tem o mesmo significado para as demais, porém entendem que não estão esperando apenas um presente, mas a visita de alguém”.

Neste período de Advento e de Natal, muitos oferecem presentes para as crianças internadas. Qual o maior presente que essas crianças esperam?

“O maior presente é poder sarar, voltar para casa. Espero que as pessoas não tragam presentes aqui no Hospital, porque as crianças já recebem o maior presente que é a presença de suas famílias. Nós damos às famílias alguns presentes para sejam distribuídos aos seus filhos. O ideal seria transformar tais doações em auxílio para a pesquisa científica! Em vista ao Brasil, aprendi um provérbio que gosto muito: "Quando você se aproximar de um pobre ou uma pessoa frágil, se seus braços estiverem cheios de presentes não poderá abraçá-lo, porque ele espera um abraço”. É isso que nossos filhos querem e esperam”.

O Natal é um momento de alegria e de encontro em família. Doutora Mariella, segundo a sua experiência, como as famílias das crianças internadas no hospital passam este período natalino e o que se pode fazer para que de torne menos traumático?

“Em nosso hospital, durante o período natalino, as famílias podem ficar ao lado de seus filhos, até mesmo quando estiverem em reanimação ou sob cuidados intensivos. Fui muito contestada por tomar esta decisão. Mas, depois, na realidade, entenderam que esta presença ajuda as crianças a lutar e se recuperar. Damos também apoio às famílias que vêm de longe, para que entrem no âmbito das demais famílias, como uma família alargada. Isso ajuda a não se sentir sozinhos, quando sentem a falta, em casa, de um filho que está internado. É fazer parte de uma verdadeira comunidade”.

As atividades do hospital nunca param, mesmo no Advento e Natal. É um período de grande trabalho para enfermeiros, médicos e pessoal médico, que também têm famílias e filhos. Como eles vivem este tempo natalino?

“Antes de tudo, quem escolhe este trabalho sabe como funciona. No entanto, há sempre três turnos de trabalho, que permitem ao pessoal se organizar com suas famílias, apesar dos eventuais imprevistos e urgências. Mas todos, de certo modo, estão sempre à disposição. Ou surge um caso muito difícil para o qual o médico-chefe deve estar presente. Nunca ouvi alguém reclamar por fazer certas renúncias, tampouco durante as festividades de Natal".

Para milhões de crianças ucranianas, este Natal será terrível, marcado pelo medo e a dor. Muitas delas estão internadas no Hospital “Bambino Gesù”. Como viver numa situação de emergência na emergência?

“Foram-nos confiadas cerca de 1800 crianças ucranianas, algumas acompanhadas de suas famílias, outras apenas pelo pai, mãe ou irmão. Por isso, os acompanhamos com amor, para que, de alguma forma, possam esquecer os seus sofrimentos. Não há maior presente que possa compensar, a não ser se sentir amados e bem acolhidos. Isso vale também para as famílias: o pai, que traz sua filha com um braço amputado e as mães, separadas das suas famílias, que se sentem sozinhas, sobretudo por causa da guerra. Fazemos por eles o que fazemos pelas crianças do mundo inteiro: que se sintam em casa ou em família. Todos nós, médicos e enfermeiros, tentamos transmitir-lhes amor. E eles sentem isso, apesar de virem de uma experiência de destruição”.

No último mês de março, o Papa Francisco visitou as crianças destes hospital…

“Durante a sua visita, o Papa fez um carinho a uma criança que chorava. Ele demonstrou um carinho extraordinário pelas crianças que sofreram um trauma, muitas provenientes também de outras guerras. Tentamos dar-lhes um pouco de calor familiar. Este amor verdadeiro é sentido e apreciado. Esta é a nossa experiência aqui no hospital, além dos tratamentos e curas. É este amor que as crianças desejam e precisam, sobretudo nesses momentos de sofrimento”.

A senhora é Presidente do Hospital “Bambino Gesù” desde 2015. O que este Natal representa em sua vida?

“Neste hospital, é sempre Natal! Por isso ele se chama “Bambino Gesù” (Menino Jesus). Quando uma criança recupera sua saúde é como um renascimento. Para mim, então, o Natal se realiza todos os dias, mediante um transplante bem sucedido ou a cura de uma criança com grave doença. Eis o nosso Natal!”.

Entre suas inúmeras experiências, felizes e ou não, no decorrer de seus longos de trabalho, qual o Natal que mais lhe causou gratidão?

“Foram muitos os episódios, mas posso lhe falar sobre um, que aconteceu recentemente: no nosso Centro de Cuidados Paliativos, -que desejei e realizei com todo o coração, - uma criança do Iêmen está hospitalizada, para além da sua história complicada, acometida por um câncer facial, que a está destruindo. Uma operação cirúrgica só pioraria a sua situação. O menino está sob cuidados paliativos para aliviar a dor, mas é uma coisa terrível até de se ver. Outro dia, após dois meses de internação, suas condições degeneraram. Então, ele me pediu para ver sua mãe. Por isso, nestes dias, fizemos o impossível para que ela viesse passar o Natal com ele, apesar de o menino não ter esperança de viver ainda por muito tempo. Vou levar sempre esta experiência comigo, mas gostaria que também as instituições nos ajudassem a realizar este sonho, de fazer com que esta mãe viesse passar o Natal com seu filho, nesta sua fase terminal”.

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02 dezembro 2022, 14:05