Bispos da República do Congo (Copyright, Spreadtrum, 2011) Bispos da República do Congo (Copyright, Spreadtrum, 2011) 

Cardeal Czerny no Congo: valores do Evangelho são antídoto a novos colonialismos

O prefeito do Dicastério para a Promoção do Desenvolvimento Humano Integral em visita ao país africano por ocasião do 140º aniversário da evangelização do Congo destaca a ajuda que a Igreja pode oferecer na luta contra a pobreza, na promoção da saúde, na proteção da criação e da educação.

Michele Raviart - Cidade do Vaticano

Como a Igreja pode anunciar o Evangelho em um país como a República do Congo, marcado pela injustiça, pelo sofrimento e pelo pecado? Como enfrentar os efeitos do “paradigma tecnocrático”, que reduz a pessoa a um bem de consumo, e aqueles mais nefastos da globalização? Qual pode ser a contribuição da Igreja para o desenvolvimento da justiça e da paz? O cardeal Micheal Czerny, prefeito do Dicastério para a Promoção do Desenvolvimento Humano Integral, enviado especial do Papa Francisco a Brazzaville para a celebração do 140º aniversário da evangelização do país, tentou responder a essas perguntas.

Colonialismo e evangelismo

 

Partindo do pressuposto sancionado pela Gaudium et spes, confirmado e aprofundado pelo magistério do Papa Francisco e seus predecessores - a saber, que a dignidade da pessoa deve estar no centro da obra de evangelização, - o cardeal Czerny não deixou de ter como premissa "o anúncio do Evangelho no Congo-Brazzaville ocorreu em correspondência com o processo de colonização da Bélgica (França, ndr)". Isso significa, quando se tenta historicizar esse fenômeno, que por um lado corre-se o risco “de construir a identidade de hoje sobre o ódio pelos delitos do passado, ou de ficar preso a um ressentimento que se autoalimenta e de cair em uma vitimização que dissipa toda a energia”, enquanto, por outro lado, “não tomar distância dos excessos abusivos do colonialismo poderia levar à reprodução de atitudes de dominação e sujeição, alimentando um sentimento de desvalorização e inferioridade”.

Erradicar a pobreza

 

O primeiro desafio a ser enfrentado, e que se aplica a toda a África, é o da erradicação da pobreza. O colonialismo, explica o cardeal, “reaparece hoje em novas formas, incluindo o peso esmagador da dívida internacional, condições econômicas injustas para o comércio e condições muito duras impostas pelos programas de ajuste estrutural”.

Isto agrava a situação econômica e social: baixos salários, contratos de trabalho injustos, se não totalmente inexistentes, falta de tecnologias adequadas sobretudo no domínio da agricultura, discriminação sistemática sofrida pelas mulheres, devido ao "legado de uma cultura patriarcal que as relega a um posição subordinada e servil, limitando seriamente o progresso de um país". Neste sentido, o papel da Igreja deve ser o de "mostrar o seu rosto maternal, sustentando as aspirações do povo e acompanhando o autêntico desenvolvimento humano", sobretudo para com as novas gerações.

O papel dos hospitais católicos

 

O direito à saúde, evidenciado durante a pandemia do coronavírus, que se traduz também no combate à mortalidade infantil, no acesso à água e no aumento dos padrões de higiene, é outro aspecto fundamental, tanto mais num país "onde um número crescente idosos, órfãos, inválidos e doentes são abandonados pelas famílias".

Sem dúvida neste setor, sublinha o prefeito do dicastério, “a evangelização deu uma contribuição significativa”, tornando o atendimento acessível a muitos indigentes. Muitas dessas unidades de saúde continuam a funcionar na República do Congo, recorda, “embora sejam alvo de fortes críticas pela sua abordagem, considerada demasiado paternalista e inadequada às reais necessidades da população local”.

Proteger a criação

 

O colonialismo e as proporções alarmantes do uso da terra também estão na raiz da degradação da criação e da perda da biodiversidade. As atividades de extração não só levam benefícios para poucas pessoas fora do país, mas, ao degradar o meio ambiente, também favorecem a migração e os deslocamentos internos, aumentando as tensões sociais. Aqui, reitera o Cardeal Czerny, a Igreja "é chamada a agir em conjunto, em estilo sinodal, sobretudo difundindo uma cultura de respeito pela nossa casa comum", "porque o grito da terra faz eco ao do menor dos nossos irmãos, o excluído".

A educação é a base de tudo

 

Na base da melhoria de cada um destes aspectos deve estar a educação. "As escolas católicas deram a oportunidade de ler e escrever a muitas pessoas em todo o Congo, desde as zonas rurais às grandes cidades", explicou o prefeito. "Um trabalho realizado com paixão por muitas instituições religiosas que têm um esforço extraordinário em lidar com consideráveis dificuldades, incluindo a variedade de línguas e dialetos locais”.

No mesmo mundo, sublinha o cardeal, é preciso distanciar-se da ideia de que levar Cristo para as nações significa “civilizá-loa”. Com efeito, as instituições educativas católicas presentes no Congo "não devem renunciar à sua tarefa educativa, nem à especificidade confessional que as distinguen. Porém, é necessário um exame cuidadoso das formas a serem adotadas para facilitar o encontro entre a cultura e o Evangelho, com valorização e pleno respeito à identidade dos povos”.

Democracia e Evangelho

 

Para haver avanços significativos na solução desses problemas, muitas vezes endêmicos, é necessário ter uma classe política estável e responsável. “A estabilidade política do país e a ampliação da base representativa de seus diversos componentes sociais -  afirma o cardeal - são elementos essenciais para promover o desenvolvimento.

“A paz – observa ainda o cardeal Czerny – é muitas vezes confundida com unanimidade ou com uma tranquilidade imposta pela ameaça e pela força, garantindo a manutenção do poder por pequenos grupos em detrimento de toda a população”. Inevitavelmente, sublinha, “os cidadãos perdem interesse ​​e se desengajam”.

"A verdadeira democracia, que protege a dignidade humana e promove o bem comum, é, portanto, uma condição indispensável para o desenvolvimento, mas também seu fruto". O envolvimento dos fiéis leigos na vida política e na liderança, conclui o cardeal, é, portanto, essencial para introduzir os valores do Evangelho na sociedade civil, porque “é o encontro com Cristo, que não é uma ideologia nem uma sociologia , que gera a opção preferencial pelos pobres”.

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03 junho 2023, 12:47