Uma das Congregações Gerais da primeira sessão de outubro de 2023 da Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos Uma das Congregações Gerais da primeira sessão de outubro de 2023 da Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos  (Vatican Media)

Grech: o caminho sinodal, continuação do “sonho” missionário do Papa Francisco

Publicamos o texto integral do prefácio do cardeal secretário geral do Sínodo dos Bispos ao livro “Um povo missionário e sinodal. O caminho da Igreja no Terceiro Milênio” assinado pelo frade menor Fabio Nardelli, publicado pela Cittadella Editrice. Um volume que se apresenta como um instrumento de carácter teológico-pastoral e que evidencia uma justaposição “sistemática” entre missão e sinodalidade, particularmente significativa no atual contexto eclesial.

Cardeal Mario Grech *

A justaposição entre missão e sinodalidade: uma justaposição por assim dizer “sistemática”, destacada desde o título. E isto porque missão e sinodalidade não existem uma sem a outra: apoiam-se mutuamente, crescem de par em par e juntas contribuem para traçar o caminho da Igreja no Terceiro Milênio.

Diante do anúncio de um Sínodo sobre a sinodalidade, alguém temeu o perigo de uma "introversão eclesial", para dizê-lo nas palavras da Evangelii Gaudium (n. 27), ou seja, de uma espécie de um voltar-se da Igreja sobre si mesma e seus mecanismos internos, em contradição com as exigências daquela conversão missionária à qual o momento presente chama os crentes de todo o mundo. Mas, na realidade, o caminho sinodal em curso nada mais é do que a continuação coerente do “sonho” missionário que o Papa Francisco assim ilustrava no mesmo parágrafo daquele documento: Sonho com uma opção missionária capaz de transformar tudo, para que os costumes, os estilos, os horários, a linguagem e toda a estrutura eclesial se tornem um canal proporcionado mais à evangelização do mundo actual que à auto-preservação.

A reforma das estruturas, que exige a conversão pastoral, pode ser entendida somente neste sentido: fazer do modo tal que elas se tornem todas mais missionárias, que a pastoral ordinária em todas as suas instâncias seja mais expansiva e aberta, que coloque os agentes pastorais em constante atitude de «saída» e favoreça assim a resposta positiva de todos aqueles a quem Jesus oferece a sua amizade. Estas palavras antecipam o “projeto” subjacente ao caminho sinodal 2021-2024: um projeto que diz respeito, precisamente, à “transformação” dos estilos e das estruturas eclesiais, ou mais corretamente à sua “conversão”, em vista de uma ação pastoral mais aberta e extrovertida.

 

O objetivo do Sínodo é o de uma Igreja que, aprendendo no seu interior um estilo mais sinodal, seja por isso mesmo uma Igreja capaz de um testemunho mais credível e de um compromisso missionário mais eficaz no mundo. Também por isso o Sínodo, que tem o título “Por uma Igreja sinodal”, tem como subtítulo “Comunhão, participação e missão”. A palavra “missão” aparece por último, não porque seja menos importante, mas, pelo contrário, porque é aquela que, por assim dizer, “pressiona para o externo”, ad extra, em direção ao “mundo”. De certa forma, o Sínodo, como nova etapa na recepção do Concílio Vaticano II, está realizando um desenvolvimento, inseparavelmente teológico e pastoral, em torno da nossa concepção de missão.

Esquematicamente, poder-se-ia resumir este desenvolvimento em torno de algumas palavras-chave: 1) inclusão-periferia, 2) interculturalidade-descentralização, 3) participação-co-responsabilidade.

Um primeiro aspecto que o Sínodo traz à tona é a crescente tomada de consciência que a Igreja, se quiser ser fiel à missão recebida de Cristo, deve tornar-se mais capaz de inclusão. Muitas sínteses diocesanas, nacionais e continentais – que chegaram a Roma por ocasião das consultas 2021-2022 e 2023-2024 – apontam, não sem amargura, o problema de uma Igreja percebida como uma comunidade exclusiva e excludente: a Igreja das portas fechadas, das alfândegas e pedágios a serem pagos.

A inclusão não deve implicar, evidentemente, qualquer forma de irenismo, indiferentismo ou relativismo. O que precisa mudar não é o Evangelho, mas a nossa forma de anunciá-lo. A inclusão, precisamente na lógica própria do Evangelho, pede para ultrapassar as cercas, isto é, ir rumo às margens, às fronteiras, às periferias.

 

Precisamente a periferia – entendida, no sentido do Papa Francisco, como espaço antropológico ou existencial, antes como espaço geográfico – é o primeiro campo da missão eclesial, sobre o qual o Sínodo chama a atenção. Um segundo aspecto, consequência do primeiro, diz respeito à atenção que, no processo sinodal, está recebendo o pedido de um modelo de Igreja menos vertical e centralista, mais capaz de entrar em contacto vital com a diversidade dos povos e das culturas nas quais se encarna o único Evangelho de Cristo. Em uma palavra: mais capazes de “interculturalidade”.

No Concílio redescobrimos que a “Igreja” existe nas e a partir das “Igrejas”:  singular e plural estão inseparavelmente ligados no único mistério eclesial. Se tradicionalmente o catolicismo se concentrou mais no “singular”, identificando a unidade cum et sub Petro uma salvaguarda contra a dispersão e o erro, hoje sentimos a necessidade de reequilibrar o discurso abrindo espaço para o “plural”, para que a unidade não degenere na uniformidade, extinguindo a imaginação do Espírito Santo, que semeia sementes de verdade e de graça nos diversos povos e nas suas diversas culturas.

A exigência de uma descentralização saudável, de que o Papa já fala na Evangelii gaudium 16, foi relançada com vigor pelo caminho sinodal, precisamente porque só no diálogo com as culturas, antigas e novas, o anúncio do Evangelho poderá ter um impacto significativo profundo e transformador na vida dos indivíduos e dos povos.

Uma terceira palavra-chave do caminho sinodal é participação: participação de todos e de todas na única missão. A crítica ao clericalismo, que o Papa Francisco repetiu várias vezes, não é fruto de uma visão ideológica da realidade, fundada numa espécie de igualitarismo filosófico ou político, mas provém da ansiedade missionária do pastor. O clericalismo, de fato, ao enfraquecer o potencial dos leigos e leigas na obra de evangelização, enfraquece a missão, tornando a Igreja mais frágil face ao desafio da penetração do Evangelho no mundo. Reduz o número de agentes eclesiais no serviço missionário, restringindo a missão apenas aos clérigos, e deixa os “simples” batizados em posição de passividade, como se o mandato missionário do Ressuscitado também não lhes dissesse respeito.

Assim, o caminho sinodal pode ajudar-nos a redescobrir que uma Igreja mais capaz de participação e de corresponsabilidade é, em última análise, uma Igreja mais capaz de missão. Os munera batismais devem ser entendidos não como poderes que opõem alguém a outro, mas como qualificações para o serviço aos irmãos, segundo o modelo de Cristo, servo de todos por amor. São um “dom”, porque provêm da graça de Deus, e ao mesmo tempo uma “tarefa” ou uma “dívida”, porque exigem que os cristãos os utilizem em benefício dos outros. O seu objecivo é a comunhão fraterna na Igreja e o testemunho evangélico no mundo, isto é, a missão, e não o exercício do poder governamental. Todos esses elementos, elencados em rápida sucessão, estão bem presentes no exame cuidadoso de Fabio Nardelli. Agradeço-lhe sinceramente a sua contribuição para a renovação contínua e desejo sinceramente a esta publicação a mais ampla difusão.

Cidade do Vaticano, 29 de junho de 2024, Solenidade dos Santos Pedro e Paulo

* Secretário Geral da Secretaria do Sínodo

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24 setembro 2024, 10:05