Deus nos procura e provoca sede dele em nós
Jackson Erpen - Cidade do Vaticano
Em 21 de janeiro, o Papa Francisco anunciava 2024 como o "Ano da Oração", em preparação ao Jubileu 2025. Neste contexto, Pe. Gerson Schmidt* nos propõe em sua reflexão semanal o tema "Deus nos procura e provoca sede dele em nós". Para introduzi-lo, nos valemos da homilia do Santo Padre na Missa da Solenidade de Corpus Christi, em 6 de junho de 2021:
A primeira é a imagem do homem que traz um cântaro de água (cf. 14, 13), um detalhe que pareceria supérfluo. Mas aquele homem, completamente anônimo, serve de guia para os discípulos à procura do lugar que depois receberá o nome de Cenáculo. E o cântaro de água é o sinal de reconhecimento: um sinal que faz pensar na humanidade sedenta, sempre à procura duma fonte de água que lhe mitigue a sede e a restaure. Todos nós caminhamos na vida com um cântaro na mão: todos e cada um de nós tem sede de amor, de alegria, duma vida bem sucedida num mundo mais humano. E, para esta sede, não basta a água das coisas mundanas, pois trata-se duma sede mais profunda que só Deus pode satisfazer.
"O Salmo 62 reza que “minha alma tem sede de Deus e o Deus vivo”. Estamos aprofundando a temática sobre a Oração, na preparação do Jubileu 2025. O caderno de número 06 – A Igreja em Oração é de contribuição e autoria dos Monges Cartuxos que trazem para nós uma riqueza muito significativa. O Papa Francisco introduz esses cadernos dizendo que “a oração é o respiro da fé, sua expressão mais própria. É como um grito silencioso que sai do coração de quem crê e confia em Deus. Não é fácil encontrar palavras para expressar esse mistério”.
É na oração litúrgica que Deus se revela, que Deus de manifesta plenamente. Será na liturgia que o cristão reencontrará seu sentido original de ser "corpo" de Cristo. É na liturgia que as criações materiais - pão, água, vinho, óleo, luz - recuperam sua transparência original e se tornam realmente "epifania” de Cristo; seu gemido (Rm 8,22), então, se transformará finalmente em canto de louvor ao Criador, unido ao canto Eucarístico de Cristo, ‘toda a plenitude da divindade’ (Cl 2,9)[1].
O Pai presente está sempre vigilante para construir a sua casa. Em cada evento de nossa vida, Ele está presente para fazer de nós as Pedras Vivas verdadeiro templo: o Corpo de Cristo (cf. Jo 2,21). Através dos pequenos e grandes eventos que tecem em nosso dia e toda a nossa vida, Ele está nos fazendo membros do Corpo de Cristo, está gerando o Filho no mundo. Os eventos de nossa existência diária são os ‘talentos’ que Ele nos confia para que possamos faze-los frutificar, deixando-nos moldar cada vez mais, cada vez mais, no seu Espírito à imagem do Filho único.
Não somos nós que necessariamente procuramos a Deus. É Deus que procura pessoalmente cada um de nós: Onde estás (Gn 3,9), porque chamando Adão é a ti que Deus chama, conforme pensamento de Santo Ambrósio[2]. Mas nossa resposta é muitas vezes a mesma de Adão: “ouvi tua voz no jardim. Fiquei com medo e me escondi”(Gn 3,10). “Apesar disso, Deus não se reside em perder o amor do homem. Ele o busca continuamente. Como o Pastor busca, por desfiladeiros e precipícios, a ovelha que se desgarrou, da mesma maneira Deus”. Conforme palavras ricas de são João Crisóstomo: Deus “perseguiu o homem que fugiu dele para longe; perseguido, alcançou e tomou consigo. E, o fez movido apenas por sua bondade, por sua caridade e pela sua preocupação que tem para conosco”.
De fato, buscamos Deus enquanto nós mesmos é que somos procurados. A nossa busca é o fruto de um mal-estar que nos dispõe ao seguimento íntimo e obstinado, gratuito e tenaz, de uma misericórdia cujo rosto ignoramos. Viver dessa certeza é ter ultrapassado o limiar do Evangelho, é ter aceitado uma vida teológica.
O Catecismo da Igreja Católica referenda uma frase de Santo Agostinho que a oração é o encontro entre a sede de Deus e a nossa. Deus tem sede que nós tenhamos sede dele” (CIgC,2560). O mesmo Santo Agostinho, em outro momento, diz: “Se não queres interromper a oração, não cesses de desejar. O teu desejo é contínuo, contínua é a tua voz. Calarás, se deixares de amar. O esfriamento do amor é o silêncio do coração, o ardor do amor é o grito da oração. Se o amor permanecer sempre vivo, tu gritas sempre, desejas sempre; se desejas, tens o pensamento voltado para a paz ‘ Diante de ti está todo o meu desejo”(Sl 37,10).
Deus tem sede de nossa sede, conforme também diz São Gregório de Nazianzeno, muito mais do que nós podemos ter sede dele. “Contudo, embora o nosso coração tenha sede de vida, de uma vida que nunca acaba, de uma vida perfeita e saibamos onde encontrá-la, desde Adão buscamos essa vida fora e longe de Deus. Como o próprio Senhor diz, lamentando-se com o profeta Jeremias: “Abandonou-me a mim, fonte de água viva, para cavar cisternas para si, rachadas que não retém a água” (Jr 2,13). Onde pensamos que há água, tentamos saciar a nossa sede de vida cavando cisternas rachadas. Acabamos, contudo, sempre mais desiludidos e sedentos porque, na melhor das hipóteses, o que conseguimos encontrar é apenas água estagnada e amarga”[3]. Tal como o salmista nos aponta: “Minha alma tem sede de ti, por ti desejo a minha carne, como a terra sequiosa e seca sem água”(Sl 62,2)."
*Padre Gerson Schmidt foi ordenado em 2 de janeiro de 1993, em Estrela (RS). Além da Filosofia e Teologia, também é graduado em Jornalismo e é Mestre em Comunicação pela FAMECOS/PUCRS.
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[1] Monges Cartuxos – A Igreja em Oração – Cadernos sobre a Oração 6, p. 22.
[2] Idem, 24.
[3] Monges Cartuxos – Dicastério para a Evangelização - A Igreja em Oração – Cadernos sobre a Oração 6, p. 57.
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